Clarisse enfiou a cabeça nas mãos. Annabeth bateu o pé de frustração. O fato era: eu quase esquecera que aquela missão deveria ser de Clarisse. Por um momento assustador, vi as coisas do ponto de vista dela. Como me sentiria se um bando de outros heróis tivesse se metido e me deixado mal? Pensei no que tinha ouvido na sala das caldeiras do Birmingham - Ares gritando com Clarisse, avisando que era melhor ela não fracassar. Ares pouco se importava com o acampamento, mas se Clarisse manchasse sua reputação... - Clarisse - disse eu -, o que foi exatamente que o Oráculo lhe disse? Ela ergueu os olhos. Pensei que fosse gritar comigo, mas em vez disso ela respirou fundo e recitou a profecia: Navegarás com guerreiros de osso em navio de ferro, O que procuras, hás de encontrar, e teu o tomaras, Mas sem esperança dirás, minha vida em pedra enterro, Sem amigos falharás e, voando só, retornarás. - Ui! - murmurou Grover. - Não - disse eu. - Não... espere um minuto. Eu entendi. Vasculhei meus bolsos procurando dinheiro, e não encontrei nada a não ser um dracma de ouro. - Alguém tem algum dinheiro? Annabeth e Grover sacudiram a cabeça devagar. Clarisse puxou do bolso um dólar da época da Guerra Civil encharcado e suspirou. - Dinheiro? - perguntou Tyson, hesitante. - Tipo... papel verde? Eu olhei para ele. - É. - Como o que veio nos sacos de viagem? - E, mas nós perdemos aqueles sacos dias a-t-t... Gaguejei até parar enquanto Tyson vasculhava seu alforje e tirava de lá um saco ziploc cheio de dinheiro que Hermes incluíra nos nossos suprimentos. - Tyson! - disse eu. - Como você... - Pensei que fosse um saco de ração para Arco-íris - disse ele. - Achei flutuando no mar, mas só tinha papel dentro. Pena. Ele me entregou a grana. Notas de cinco e dez, pelo menos trezentos dólares. Corri para o meio-fio e peguei um táxi que acabava de desembarcar uma família de passageiros de um cruzeiro. - Clarisse - gritei. - Venha. Você vai para o aeroporto. Annabeth, entregue o Velocino a ela.
Não sei muito bem qual das duas pareceu mais perplexa quando tirei a jaqueta-Velocino de Annabeth, enfiei o dinheiro no bolso dela e a coloquei nos braços de Clarisse. Clarisse disse: - Você vai me deixar... - E sua missão - disse eu. - Nós só temos dinheiro suficiente para um voo. Além disso, eu não posso viajar pelo ar. Zeus me explodiria em um milhão de pedaços. é isso o que queria dizer a profecia: você falharia sem amigos, o que significa que precisava de nossa ajuda, mas teria de voar para casa sozinha. Você precisa levar o Velocino em segurança. Eu podia ver a cabeça dela trabalhando - desconfiada de início, imaginando que truque eu estaria armando, depois, finalmente, concluindo que eu queria mesmo dizer o que tinha dito. Ela pulou para dentro do táxi. - Pode contar comigo. Não vou falhar. - Não falhar seria bom... O táxi arrancou em uma nuvem de fumaça do escapamento. O Velocino estava a caminho. - Percy - disse Annabeth -, aquilo foi tão... - Generoso? - sugeriu Grover. - Maluco - corrigiu Annabeth. - Você está apostando a vida de todos no acampamento que Clarisse levará o Velocino em segurança para lá esta noite? - É a missão dela - disse eu. - Ela merece uma chance. - Percy é legal - disse Tyson. - Percy é legal demais - resmungou Annabeth. Mas eu não pude deixar de pensar que talvez, apenas talvez, ela estivesse um pouco impressionada. De qualquer modo, eu a surpreendera. E isso não era coisa fácil de fazer. - Vamos - disse aos meus amigos. - Vamos encontrar outro jeito de ir para casa. Foi então que me virei e encontrei uma ponta de espada na minha garganta. - Oi, primo - disse Luke. - Bem-vindo de volta aos Estados Unidos. Seus homens-urso brutamontes surgiram pelos dois lados. Um agarrou Annabeth e Grover pela gola das camisetas. O outro tentou agarrar Tyson, mas Tyson o derrubou em uma pilha de malas e rugiu para Luke. - Percy - disse Luke calmamente -, diga ao seu gigante para recuar ou mandarei Oreios esmagar as cabeças dos seus amigos uma contra a outra. Oreios arreganhou um sorriso e ergueu Annabeth e Grover do chão, os dois esperneando e gritando. - O que você quer, Luke? - rosnei. Ele sorriu, fazendo ondular a cicatriz no seu rosto.
Fez um gesto em direção à extremidade do cais, e notei o que deveria ter sido óbvio. A maior embarcação no porto era o Princesa Andrômeda. - Ora, Percy - disse Luke. - Eu quero estender minha hospitalidade, é claro.
*****
O homem-urso engoliu em seco e disparou escada abaixo. Luke ficou andando de um lado para o outro na frente da piscina, praguejando em grego antigo, agarrado em sua espada com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos. O restante da tripulação de Luke parecia inquieta. Talvez nunca tivessem visto o patrão tão enlouquecido. Comecei a pensar... Se eu pudesse usar a raiva de Luke, fazê-lo falar de modo que todos pudessem ouvir como seus planos eram insanos... Olhei para a piscina, para as fontes borrifando água no ar, criando um arco-íris ao pôr-do-sol. E de repente tive uma idéia. - Você estava nos usando o tempo todo - disse. - Queria que trouxéssemos o Velocino para você e o poupássemos do esforço de pegá-lo. Luke fez uma careta. - É claro, seu idiota! E você estragou tudo! - Traidor! - Tirei meu último dracma de ouro do bolso e o joguei em Luke. Como eu esperava, ele se esquivou facilmente. A moeda voou para dentro do repuxo de água com as cores do arco-íris. Esperei que minha prece silenciosa fosse aceita. Pensei de todo o coração: O deusa, aceite minha oferenda. - Você enganou todos nós! - gritei para Luke. - Até DIONISO NO ACAMPAMENTO MEIO-SANGUE! Atrás de Luke, a fonte começou a tremeluzir, mas eu precisava que a atenção de todos estivesse em mim, então destampei Contracorrente. Luke apenas deu um sorriso sarcástico. - Não é hora para heroísmos, Percy. Largue sua espadinha insignificante ou vou mandar matá-lo mais cedo, e não mais tarde. - Quem envenenou a árvore de Thalia, Luke? - Fui eu, é claro - rosnou ele. - Eu já lhe disse isso. Usei peçonha da velha Píton, diretamente das profundezas do Tártaro. - Quíron não tem nada a ver com isso? - Ah! Você sabe que ele nunca faria isso. O velho idiota não teria coragem. - Chama isso de coragem? Trair seus amigos? Pôr em risco o acampamento inteiro? Luke ergueu a espada. - Você não entende nem a metade. Eu ia deixar você levar o Velocino... depois que eu tivesse terminado com ele. Aquilo me fez hesitar. Por que ele permitiria que eu levasse o Velocino? Devia estar mentindo. Mas eu não podia me permitir perder a atenção dele. - Você ia curar Cronos - disse eu.
- Sim! A mágica do Velocino teria acelerado dez vezes o processo de recuperação dele. Mas você não vai nos deter, Percy. Você só nos atrasou um pouco. - Então você envenenou a árvore, traiu Thalia e nos preparou uma armadilha... tudo para ajudar Cronos a destruir os deuses. Luke rangeu os dentes. - Você sabe disso! Por que fica me perguntando? - Porque eu quero que todo o público o ouça. - Que público? Então seus olhos se estreitaram. Ele olhou para trás, e seus facínoras fizeram o mesmo. Eles engasgaram e recuaram, cambaleando. Acima da piscina, tremeluzindo na névoa do arco-íris, estava uma visão em mensagem de íris de Dioniso, Tântalo e o acampamento inteiro no pavilhão-refeitório. Estavam sentados num silêncio perplexo nos assistindo. - Bem - disse Dioniso ironicamente -, um entretenimento inesperado no jantar. - Senhor D, você ouviu - falei. - Vocês todos ouviram Luke. O envenenamento da árvore não foi culpa de Quíron. O senhor D suspirou. - Acho que não. - A mensagem de íris pode ser um truque - sugeriu Tântalo, mas sua atenção estava dirigida principalmente ao seu cheeseburger, que ele tentava encurralar com as duas mãos. - Infelizmente, não — disse o senhor D, olhando com nojo para Tântalo. - Parece que terei de reintegrar Quíron como diretor de atividades. Acho mesmo que sinto falta dos jogos de pinoche do velho cavalo. Tântalo agarrou o cheeseburger. Que não escapuliu para longe. Tântalo o ergueu do prato e olhou para aquilo estupefato, como se fosse o maior diamante do mundo. - Peguei! - cacarejou ele. - Não precisamos mais dos seus serviços, Tântalo - anunciou o senhor D. Tântalo pareceu perplexo. - O quê? Mas... - Você pode voltar ao Mundo Inferior. Está despedido. - Não! Mas... Nããããããããããããão! Enquanto se dissolvia em névoa, seus dedos apertaram o cheeseburger, tentando levá-lo à boca. Mas era tarde demais. Tântalo desapareceu e o cheeseburger caiu de volta no prato. Os campistas explodiram em vivas. Luke urrou de raiva. Golpeou a fonte com a espada e a mensagem de Íris se dissolveu, mas estava feito.
Eu estava me sentindo muito bem comigo mesmo, até que Luki-se virou e me lançou um olhar sanguinário. - Cronos tinha razão, Percy. Você é uma arma pouco confiável. Precisa ser substituído. Não entendi muito bem o que ele queria dizer, mas não tive tempo de pensar a respeito. Um de seus homens soprou um apito de bronze, e as portas do convés se abriram violentamente. Mais uma dúzia de guerreiros foi despejada, formando um círculo à nossa volta, as pontas de bronze das lanças na nossa direção. Luke sorriu para mim. - Vocês não sairão vivos deste navio.
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