2. Eu conheço alguns parentes suspeitos

Os sonhos de um meio sangue são uma meleca.
O negócio é que eles nunca são apenas sonhos. Eles têm que ser visões,
augúrios, e todas aquelas outras coisas místicas que fazem o meu cérebro doer.
Eu sonhei que estava em um palácio negro no topo de uma montanha.
Infelizmente, eu o reconheci: o palácio dos titãs no topo do monte Othrys, também
conhecido como monte Tamalpais, na Califórnia. O pavilhão principal estava aberto
para a noite, cercado de colunas gregas pretas e estátuas dos Titãs. A luz de tochas
brilhava contra o chão de mármore preto. No centro da sala, um gigante com
armadura lutava contra o peso agitado de uma nuvem negra – Atlas, segurando o
céu.
Dois outros homens gigantes estavam por perto observando um braseiro de
bronze, estudando as imagens nas chamas.
“Foi uma explosão considerável,” disse um deles. Ele usava uma armadura
negra com botões de prata, como uma noite estrelada. Seu rosto estava coberto com
um elmo de batalha com aríetes, como chifres de cada lado.
“Isso não importa,” o outro respondeu. Esse titã estava vestido com vestes
douradas, com olhos dourados como Kronos. Todo seu corpo brilhava. Ele me
lembrava a Apollo, Deus do Sol, exceto que a luz do Titã era mais dura, e sua
expressão mais cruel. “Os deuses responderam ao desafio. Logo serão destruídos.”
As imagens no fogo eram difíceis de serem compreendidas: tempestades,
prédios sendo destruídos, mortais gritando em terror.
“Eu irei para o leste para conduzir nossas forças,” disse o Titã dourado.
“Krios, você deve ficar e guardar o Monte Othrys.”
O cara com os chifres de aríetes grunhiu. “Eu sempre fico com os trabalhos
idiotas. Lord do Sul. Lord das constelações. Agora eu fico de babá para Atlas
enquanto você fica com toda a diversão.”
Debaixo do turbilhão de nuvens, Atlas berrava em agonia. “Deixem-me sair,
malditos! Eu sou seu melhor guerreiro. Fique com meu fardo para que eu possa
lutar!”
“Quieto!” rosnou o Titã dourado. “Você teve sua chance, Atlas. Você
fracassou. Kronos quer você onde você está. Quanto a você, Krios, faça o seu
trabalho.”
“E se você precisar de mais guerreiros?” Krios perguntou. “Nosso traiçoeiro
sobrinho de terno não irá te ajudar muito em uma luta.”
O Titã dourado riu. “Não se preocupe com ele. Além disso, os deuses mal
podem agüentar nosso primeiro pequeno desafio. Eles não tem idéia de quantos
outros nós temos armazenados. Marque minhas palavras, em poucos dias, o Olimpo
será ruínas, e nós vamos nos encontrar aqui de novo para celebrar o amanhecer da
Sexta Era!”
O Titã dourado irrompeu em chamas e desapareceu.
“Oh, claro,” Krios grunhiu. “Ele pode irromper em chamas. Eu posso usar
esses chifres idiotas.”
A cena mudou. Agora eu estava do lado de fora do pavilhão, escondido nas
sombras de uma coluna grega. Um garoto estava perto de mim, bisbilhotando os
titãs.
Ele tinha cabelos pretos e sedosos, pele pálida, e roupas negras – meu amigo
Nico di Angelo, o filho de Hades.
Ele olhou direto para mim, sua expressão severa. “Você vê Percy?” ele
sussurrou. “Você está ficando sem tempo. Você realmente acha que pode vencê-los
sem o meu plano?”
Suas palavras passaram por mim tão frias quanto o chão do oceano, e meus
sonhos escureceram.
“Percy?” disse uma voz profunda.
Parecia que a minha cabeça havia sido colocada no microondas com uma
folha de alumínio. Eu abri meus olhos e vi uma figura grande e sombria se
inclinando sobre mim.
“Beckendorf?” Eu perguntei esperançosamente.
“Não, irmão.”
Meus olhos voltaram a ganhar foco. Eu estava olhando para um Ciclope – um
rosto disforme, cabelo marrom maltrapilho, um grande olho marrom cheio de
preocupação. “Tyson?”
Meu irmão abriu um sorriso cheio de dentes. “Yay! Seu cérebro funciona!”
Eu não tinha tanta certeza. Meu corpo parecia sem peso e gelado. Minha voz
soava errada. Eu podia ouvir Tyson, mas era mais como se eu estivesse ouvindo
vibrações dentro do meu crânio, não os sons normais.
Eu me sentei, e um lençol fino flutuou para longe. Eu estava em uma cama
feita de sedosos tecidos de barrilheira, em uma sala com painéis de conchas. Pérolas
brilhantes do tamanho de bolas de basquete flutuavam perto do teto, fornecendo luz.
Eu estava debaixo d’água.
Agora, sendo o filho de Poseidon e tudo, eu estava OK com isso. Eu posso
respirar perfeitamente debaixo d’água, e minhas roupas nem ao menos se
molhavam, a menos que eu quisesse. Mas ainda era meio chocante quando um
tubarão cabeça de martelo passava pela janela do quarto, me cumprimentava, e
depois saía calmamente pela janela oposta.
“Onde--”
“No palácio do papai,” disse Tyson.
Sob circunstâncias diferentes, eu estaria excitado. Eu nunca tinha visitado o
reino de Poseidon, e estivera sonhando com isso por anos. Mas minha cabeça estava
doendo. Minha camisa ainda estava machada com queimaduras da explosão. Meu
braço e minha perna tinham se curado – só entrar no oceano pode fazer isso por
mim, dado tempo suficiente – mas eu ainda sentia como se tivesse sido a bola em
um jogo de futebol dos gigantes.
“Quanto tempo--”
“Nós o encontramos ontem a noite,” disse Tyson, “afundando na água.”
“O Princesa Andrômeda?”
“Fez ka-boom,” Tyson confirmou
“Beckendorf estava a bordo. Você encontrou...”
O rosto de Tyson escureceu. “Nem sinal dele. Sinto muito, irmão.”
Eu olhei pela janela para a água azul profunda. Beckendorf deveria ir para a
faculdade nesse outono. Ele tinha uma namorada, muitos amigos, toda sua vida a sua
frente. Ele tão podia ter partido. Talvez ele tivesse conseguido sair do navio como
eu saí. Talvez ele tenha pulado... E o que? Ele não podia sobreviver uma queda de
trinta metros até a água como eu podia. Ele não podia ter colocado distância
suficiente entre ele e a explosão.
Eu sabia no meu interior que ele estava morto. Ele tinha se sacrificado para
acabar com O Princesa Andrômeda, e eu o havia abandonado.
Eu pensei sobre o meu sonho: os Titãs discutindo sobre a explosão como se
ela não importasse Nico di Ângelo me alertando que eu jamais venceria Kronos sem
seguir seu plano – uma idéia perigosa que eu estivera evitando por mais que um ano.
Uma explosão distante sacudiu a sala. Uma luz verde resplandeceu do lado de
fora, tornando todo o mar tão claro quanto o meio-dia.
“O que foi isso?” Eu perguntei.
Tyson pareceu preocupado. “Papai irá explicar. Venha, ele está explodindo
alguns monstros.”
O palácio poderia ter sido a coisa mais impressionante que eu já havia visto se não
estivesse a ponto de ser destruído. Nós nadamos até o fim de um longo corredor e
subimos como um tiro para cima com um gêiser. Enquanto nós passávamos pelos
telhados eu peguei fôlego – bom, se você pode pegar fôlego debaixo d’água.
O palácio era tão grande quanto a cidade no monte Olimpo, com pátios
grandes e abertos, jardins, e colunas de pavilhões. Os jardins eram esculpidos com
colônias de coral e plantas do mar brilhantes. Vinte ou trinta construções eram feitas
de Abalone, branco, mas reluziam com as cores do arco-íris. Peixes e outras
criaturas entravam e saíam pelas janelas. Os caminhos estavam forrados com pérolas
brilhantes como enfeites de natal.
O pátio principal estava cheio de guerreiros – sereianos, com rabos de peixe
da cintura para baixo e corpos humanos da cintura para cima, exceto pela pele, que
era azul, o que eu não sabia antes. Alguns estavam tratando dos feridos. Alguns
estavam afiando lanças e espadas. Um deles passou por nós, nadando com pressa.
Seus olhos eram verde brilhante, como naquela coisa que colocam no Glo-sticks, e
seus dentes eram como os de um tubarão. Eles não mostram coisas assim na
Pequena Sereia.
Fora do pátio principal ficavam fortificações largas – torres, paredes, e armas
de anti-sítio – mas a maior parte disso tinha sido transformado em ruínas. Outros
estavam ardendo com uma luz verde que eu conhecia bem – fogo grego, que pode
queimar mesmo debaixo d’água.
Além disso, o chão marítimo tinha sido engolido pela escuridão. Eu podia ver
batalhas raivosas – flashes de energia, explosões, o tremeluzir do choque entre os
exércitos. Um humano normal teria achado escuro demais para enxergar. Inferno,
um humano normal teria sido esmagado pela pressão e congelado pelo frio. Mesmo
os meus olhos sensitivos a calor não podiam ver exatamente o que estava
acontecendo.
Na ponta do complexo do palácio, um templo com um teto de coral vermelho
explodiu, mandando fogo e escombros em câmera lenta para os jardins mais
distantes. Fora da escuridão acima, uma forma enorme apareceu – uma lula maior do
que qualquer arranha-céu. Estava cercado por uma nuvem brilhante de poeira – pelo
menos eu achei que fosse poeira, até que percebi que era um enxame de sereianos
tentando atacar o monstro. A lula desceu sobre o palácio e deu uma pancada com
seus tentáculos, esmagando toda uma coluna de guerreiros. Então um arco brilhante
de luz azul foi atirado do telhado de um dos prédios mais altos. A luz atingiu a lula
gigante, e o monstro se dissolveu como corante na água.
“Papai,” disse Tyson, apontando para o lugar de onde o raio tinha vindo.
“Ele fez isso?” De repente eu me senti mais esperançoso. Meu pai tinha
poderes incríveis. Ele era o deus do mar. Ele podia lidar com esse ataque, certo?
Talvez ele me deixasse ajudar.
“Você esteve na luta?” Perguntei a Tyson, “Tipo esmagando cabeças com sua
impressionante força de Ciclope e tudo mais?”
Tyson fez uma careta, e eu imediatamente soube que eu tinha feito uma
pergunta ruim. “Eu estive... consertando armas,” ele murmurou. “Venha. Vamos
encontrar papai.”
Eu sei que isso pode soar estranho para as pessoas com, tipo, pais normais, mas eu
só tinha visto meu pai quatro ou cinco vezes na minha vida, e nunca por mais do que
alguns minutos. Os deuses gregos não aparecem exatamente para ver os jogos de
basquete de seus filhos. Ainda assim, eu pensei que reconheceria Poseidon de cara.
Eu estava errado.
O teto do templo era um deque grande e aberto que tinha sido colocado como
centro de comando. Um mosaico no chão mostrava um mapa exato das terras do
palácio e o oceano em volta, mas o mosaico se mexia. Azulejos de pedra colorida
representando os diferentes exércitos e monstros marinhos mudavam de lugar
quando as forças mudavam de posição. Construções que desmoronavam na vida real
também desmoronavam na figura.
De pé ao lado do mosaico, estudando seriamente a batalha, estava um grupo
sortido de guerreiros, mas nenhum deles parecia com o meu pai. Eu estava
procurando por um cara grande com um bronzeado e uma barba preta, usando
bermudas e camisa havaiana.
Não tinha ninguém assim lá. Um cara era um sereiano, com duas caldas ao
invés de uma. Sua pele era verde e sua armadura possuía botões de pérola. Seu
cabelo preto estava amarrado em um rabo de cavalo, e ele parecia ser jovem – apesar
de ser difícil dizer com não-humanos. Eles podiam ter centenas de anos ou três. A
seu lado estava um velho com uma barba branca espessa e cabelos cinza. Sua
armadura de batalha parecia ser mais pesada do que ele. Ele tinha olhos verdes e
rugas de sorriso a seu redor, mas não estava sorrindo agora. Ele estava estudando o
mapa e se apoiando em um grande bastão de metal. A sua direita estava uma linda
mulher em armadura verde com cabelos negros e chifres estranhos como garras de
caranguejo. E tinha um golfinho – apenas um golfinho normal, mas estava olhando
intensamente para o mapa.
“Delphin,” disse o velho. “Mande Palaemon e sua legião de tubarões a frente
ocidental. Nós temos que neutralizar aqueles leviatãs.”
O golfinho falou em uma voz estranha, mas pude entender em minha mente:
Sim, lord! Ele foi embora.
Eu olhei com receio para Tyson, depois de novo para o velho.
Não parecia possível, mas... “Pai?” Eu perguntei.
O velho me olhou. Eu reconheci o brilho em seus olhos, mas o rosto... Ele
parecia ter envelhecido quarenta anos.
“Olá, Percy.”
“O que – o que aconteceu com você?”
Tyson me cutucou. Ele estava sacudindo a cabeça com tanta força que eu tive
medo que ela fosse cair, mas Poseidon não pareceu ofendido.
“Está tudo bem, Tyson,” ele disse. “Percy, desculpe a minha aparência. A
guerra tem sido dura para mim.”
“Mas você é imortal,” eu disse em voz baixa. “Você pode aparentar... ser o
que você quiser.”
“Eu retrato o estado do meu reino,” ele disse. “E nesse momento esse estado é
bem sério. Percy, eu deveria apresentá-lo – eu receio que tenha acabado de perder
meu tenente Delphin, Deus dos Golfinhos. Essa é minha, err, esposa, Amphitrite.
Minha querida--”
A mulher na armadura verde olhou friamente para mim, depois cruzou os
braços e disse, “Com licença, meu lord. Eu sou necessária na batalha.”
Ela nadou para longe.
Eu me senti bem estranho, mas eu acho que não podia culpá-la. Eu nunca
tinha pensado muito nisso, mas meu pai tinha uma esposa imortal. Todos os seus
romances com mortais, incluindo a minha mãe... Bem, Amphitrite provavelmente
não gostava muito disso.
Poseidon limpou a garganta. “Sim, bem... e este é meu filho Triton. Err, meu
outro filho.
“Seu filho e herdeiro,” o cara verde corrigiu. Sua calda de peixe dupla
farfalhava para frente e para trás. Ele sorriu para mim, mas não havia amizade em
seus olhos. “Olá, Perceu Jackson. Veio ajudar, finalmente?”
Ele agia como se eu estivesse atrasado ou fosse preguiçoso. Se pudesse corar
debaixo d’água, eu provavelmente teria corado.
“Me diga o que fazer,” Eu disse.
Triton sorriu como se essa fosse uma sugestão fofa – como se eu fosse um
cachorro ligeiramente divertido que havia latido para ele ou algo assim. Ele se
voltou para Poseidon. “Eu irei para a linha de rente, Pai. Não se preocupe. Eu não
falharei.”
Ele assentiu educadamente para Tyson. Por que eu não ganhava esse tipo de
respeito? Então ele foi embora rapidamente para mais dentro d’água.
Poseidon suspirou. Ele ergueu seu bastão, e ele se transformou em sua arma
normal – um tridente enorme. As pontas brilharam com uma luz azul, e a água a seu
redor ferveu com a energia.
“Eu sinto muito por isso,” ele me disse.
Uma serpente do mar gigante apareceu acima de nós e começou a descer em
espirais até o telhado. Era laranja brilhante, com uma boca com presas grande o
suficiente para engolir um ginásio.
Mal olhando para cima, Poseidon apontou seu tridente para a fera e atirou
energia azul. Ka-boom! O monstro explodiu em um milhão de peixes dourados,
todos nadaram para longe assustados.
“Minha família está ansiosa,” Poseidon continuou como se nada tivesse
acontecido. “A batalha contra Oceanus está indo mal.”
Ele apontou para a borda do mosaico. Com o rabo de seu tridente ele apontou
para a imagem de um sereiano maior do que os outros, com chifres de touro. Ele
parecia estar dirigindo uma carruagem puxada por lagostas, e ao invés de uma
espada ele brandava uma serpente viva.
“Oceanus,” eu disse, tentando me lembrar. “O titã do mar?”
Poseidon assentiu. “Ele era neutro na primeira guerra entre deuses e titãs.
Mas Kronos o convenceu a lutar. Isso é... bem, não é um bom sinal. Oceanus não se
comprometeria a lutar a menos que tivesse certeza que escolheria o lado vencedor.”
“Ele parece ser estúpido,” eu disse tentando soar otimista. “Quero dizer,
quem luta com uma cobra?”
“Papai irá amarrá-la em nós,” disse Tyson firmemente.
Poseidon sorriu, mas ele parecia fatigado. “Eu aprecio sua fé. Nós estamos
em guerra há quase um ano agora. Meus poderes estão sendo postos a prova. E ele
ainda consegue novas forças para jogar contra mim – monstros marinhos tão antigos
que eu tinha me esquecido deles.”
Eu ouvi uma explosão à distância, mais ou menos uma meia milha. Uma
montanha de coral se desintegrou debaixo do peso de duas criaturas gigantes. Eu
podia ver suas formas palidamente. Um era uma lagosta. O outro era um humanóide
gigante como os ciclopes, mas estava cercado por uma agitação de membros. A
princípio pensei que ele estivesse usando um monte de polvos gigantes, mas então
percebi que eram seus próprios braços – cem braços malhando, lutando.
“Briares!” Eu disse.
Eu estava feliz em vê-lo, mas ele parecia estar lutando pela própria vida. Ele
era o último do seu tipo – Os de cem mãos, primos dos Ciclopes. Nós o tínhamos
salvado da prisão de Kronos no último verão, e eu sabia que ele tinha vindo ajudar
Poseidon, mas não tinha ouvido falar dele desde então.
“Ele luta bem,” disse Poseidon. “Eu queria ter todo um exército como ele,
mas ele é único.”
Eu observei enquanto Briares rugia com raiva e apanhava a lagosta, que
lutava e batia suas pinças. Ele a jogou na montanha de coral, e a lagosta desapareceu
na escuridão. Briares nadou atrás dele, seus cem braços girando como as pás de um
barco a
“Percy, nós não temos muito tempo,” meu pai disse. “Conte-me de sua
missão. Você viu Kronos?”
Eu contei tudo para ele, apesar da minha voz ter ficado abafada quando
expliquei sobre Beckendorf. Eu olhei para os pátios abaixo e vi centenas de
sereianos feridos deitados em leitos improvisados. Eu vi filas de corais que tinham
virado sepulturas precipitadamente. Eu percebi que Beckendorf não era a primeira
morte. Ele era apenas um de centenas, talvez milhares. Eu jamais havia me sentido
tão zangado e desamparado antes.
Poseidon mexeu em sua barba. “Percy, Beckendorf escolheu uma morte
heróica. Você não tem culpa disso. O exército de Kronos se desordenará. Muitos
foram destruídos.”
“Mas nós não o matamos, matamos?”
Enquanto dizia isso, eu sabia que era uma esperança ingênua. Nós podíamos
explodir seu navio e desintegrar seus monstros, mas um Lord Titã não seria morto
tão facilmente.
“Não,” Poseidon admitiu. “Mas você comprou algum tempo para o nosso
lado.”
“Tinha meio-sangues naquele navio,” eu disse, pensando na criança que tinha
visto nas escadas. De alguma forma eu tinha conseguido me concentrar só nos
monstros e Kronos. Eu me convenci que não tinha problema em destruir aquele
navio porque eles eram maus, eles estavam navegando para atacar minha cidade e,
além do mais, eles não poderiam ser mortos permanentemente. Monstros só eram
vaporizados e se re-formavam eventualmente. Mas meio-sangues...
Poseidon colocou sua mão em meu ombro. “Percy, só tinham alguns poucos
guerreiros meio-sangue naquele navio, e todos eles tinham escolhido lutar por
Krons. Talvez alguns tenham escutado seu aviso e escaparam. Se não fizeram isso...
escolheram seu próprio caminho.”
“Eles sofreram lavagem cerebral!” eu disse. “Agora estão mortos e Kronos
ainda está vivo. Isso deveria fazer com que eu me sentisse melhor?”
Eu encarei o mosaico – pequenas explosões de azulejo destruindo monstros
de azulejo. Parecia tão fácil quando era só uma figura.
Tyson pôs seu braço a minha volta. Se qualquer outra pessoa tivesse feito
isso, eu a teria empurrado, mas Tyson era grande e teimoso demais. Ele me abraçava
quer eu queira quer não. “Não foi sua culpa, irmão. Kronos não explode bem. Da
próxima vez vamos usar um bastão grande.”
“Percy,” meu pai disse. “O sacrifício de Beckendorf não foi em vão. Você
dispersou a força da invasão. Nova York ficará segura por um tempo, o que libera os
outros olimpianos para lidarem com a ameaça maior.”
“Ameaça maior?” Eu pensei no que o Titã dourado tinha dito em meu sonho:
Os deuses responderam ao desafio. Logo serão destruídos.
Uma sombra passou pelo rosto do meu pai. “Você teve tristeza suficiente por
um dia. Pergunte a Quíron quando voltar ao acampamento.”
“Voltar ao acampamento? Mas você está com problemas aqui. Eu quero
ajudar!”
“Você não pode, Percy. Seu trabalho é em outro lugar.”
Eu não pude acreditar que estava ouvindo isso. Eu olhei para Tyson para
ajuda.
Meu irmão mordeu seu lábio. “Papai... Percy pode lutar com uma espada. Ele
é bom.”
“Eu sei disso,” Disse Poseidon gentilmente.
“Pai, eu posso ajudar,” eu disse. “Eu sei que posso. Você não vai se agüentar
por muito mais tempo.”
Uma bola de fogo foi lançada pelo céu pelas linhas inimigas. Eu pensei que
Poseidon iria desviá-la ou algo assim, mas ela pousou no jardim exterior e explodiu,
mandando sereianos dando cambalhotas pela água. Poseidon piscou como se tivesse
acabado de ser esfaqueado.
“Volte ao acampamento,” ele insistiu. “E diga a Quíron que está na hora.”
“De que?”
“Você deve ouvir a profecia. A profecia completa.”
Eu não precisava perguntar a ele qual profecia. Eu estivera ouvindo sobre “a
grande profecia” por anos, mas ninguém nunca me contava a coisa toda. Tudo que
eu sabia era que eu deveria fazer uma decisão que decidiria o destino do mundo –
mas sem pressão.
“E se essa for a decisão?” Eu disse. “Ficar aqui para lutar ou ir embora? E se
eu partir e você...”
Eu não podia dizer morrer. Deuses não deveriam morrer, mas eu já tinha
visto acontecer. Mesmo se eles não morressem, eles podiam ser reduzidos a quase
nada, exilados, prisioneiros nas profundezas do Tártaro como Kronos tinha sido.
“Percy, você deve ir,” Poseidon insistiu. “Eu não sei qual será sua decisão
final, mas sua luta está no mundo acima. E por motivo algum você deve falar para
seus amigos no acampamento. Kronos sabia seus planos. Vocês têm um espião. Nós
vamos agüentar aqui. Não tempos opção.”
Tyson agarrou minha mão desesperadamente. “Sentirei sua falta, irmão!”
Nós olhamos, nosso pai parecer envelhecer outros dez anos. “Tyson, você
também tem um trabalho a fazer, meu filho. Eles precisam de você na sala de
armas.”
Tyson fez outra careta.
“Eu irei.” Ele fungou. Ele me abraçou com tanta força que quase quebrou
minhas costelas. “Percy tome cuidado! Não deixe os monstros te matarem morto!”
Eu tentei assentir confiantemente, mas isso era demais para o grandão. Ele
chorou e nadou para longe em direção a sala de armas, onde seus primos estavam
consertando lanças e espadas.
“Você deveria deixá-lo lutar,” eu disse a meu pai. “Ele odeia estar preso na
sala de armas. Você não percebe?”
Poseidon sacudiu a cabeça. “Já é ruim o suficiente eu ter que mandá-lo para o
perigo. Tyson é jovem demais. Eu devo protegê-lo.”
“Você deveria confiar nele” eu disse. “Não tentar protegê-lo.”
Os olhos de Poseidon queimaram. Eu pensei que tinha ido longe demais, mas
então ele olhou para o mosaico e seus ombros se envergaram. Nos azulejos o
sereiano na carruagem de lagosta estava se aproximando do palácio.
“Oceanus se aproxima...” me pai disse. “Eu devo encontrá-lo em batalha.”
Eu nunca tive medo por um deus antes, mas eu não podia ver como meu pai
poderia enfrentar Oceanus e vencer.
“Eu agüentarei,” Poseidon prometeu. “Eu não desistirei de meu reino. Apenas
me diga Percy, você ainda tem o presente de aniversário que lhe dei no verão
passado?”
Eu assenti e puxei meu cordão do campo. Ele tinha uma conta para cada
verão que eu estive no acampamento meio-sangue, mas desde o verão passado
também tinha um dólar de areia pendurado. Meu pai tinha me dado de presente de
aniversário de quinze anos. Ele me disse que eu saberia como “gasta-lo”, mas até
agora eu não tinha entendido o que ele quis dizer com isso. Tudo o que eu sabia é
que não entrava nas máquinas da cantina da escola.
“O tempo está chegando,” ele prometeu. “Com alguma sorte eu te verei no
seu aniversário semana que vem, e nós faremos uma celebração apropriada.”
Ele sorriu, e por um momento eu vi a velha luz em seus olhos.
Então o mar inteiro ficou escuro na nossa frente, como se uma tempestade de
tinta estivesse passando. Um trovão crepitou o que deveria ser impossível debaixo
d’água. Uma enorme presença fria estava se aproximando. Eu senti uma onda de
medo passar pelos exércitos abaixo de nós.
“Eu devo assumir minha forma real de Deus,” disse Poseidon. “Vá – e boa
sorte, meu filho.”
Eu quis encorajá-lo, abraçá-lo ou algo assim, mas eu sabia que era melhor
não ficar por perto. Quando um deus assume sua forma verdadeira, o poder é tão
grande que qualquer mortal que olhar para ele se desintegrará.
“Adeus, pai,” eu consegui.
Então eu me virei. Eu pedi para as correntes marinhas que me ajudassem. A
água rodopiava a minha volta, e eu estourei em direção a superfície em velocidade
que fariam um humano normal explodir como um balão.
Quando eu olhei para trás, tudo o que pude ver eram flashes de azul e verde
enquanto meu pai lutava com o Titã, e o próprio mar estava dividido pelos dois
exércitos.

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