Ele ainda estava olhando boquiaberto para os cavalos-marinhos. - Tyson! - Ahn? - Venha! Com a ajuda de Annabeth, consegui fazê-lo se mexer. Recolhemos os sacos e montamos nossos corcéis. Poseidon devia saber que Tyson era um dos passageiros, pois um dos cavalos-marinhos era muito maior que os outros dois - do tamanho certo para transportar um ciclope. - Eah! - disse eu. Meu cavalo-marinho se virou e mergulhou nas ondas. Annabeth e Tyson seguiram logo atrás. As harpias nos amaldiçoaram, implorando a seus lanches que voltassem, mas os cavalos-marinhos dispararam sobre a água na velocidade de jet skis. As harpias ficaram para trás, e logo a praia do Acampamento Meio-Sangue nada mais era senão uma mancha escura. Será que eu voltaria a ver aquele lugar? Naquele momento, porém, eu tinha outros problemas. O navio de cruzeiro agora crescia diante de nós - nossa carona para a Flórida e o Mar de Monstros.
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- Você primeiro - disse a Annabeth. Ela jogou o saco de viagem no ombro e agarrou o primeiro degrau. Depois que ela se içou para a escada, seu cavalo-marinho relinchou uma despedida e mergulhou na água. Annabeth começou a escalar. Deixei-a subir alguns degraus, e então a segui. Por fim restara somente Tyson na água. Seu cavalo-marinho o estava divertindo com aéreos de trezentos e sessenta graus e saltos para trás, e Tyson ria histericamente, o som reverberando no casco do navio. - Tyson, shhh! Venha, grandão! - Não podemos levar Arco-íris? - perguntou, o sorriso sumindo. Olhei para ele. - Arco-íris? O cavalo-marinho relinchou, como se tivesse gostado de seu novo nome. - Ahn, nós temos de ir - disse eu. - Arco-íris... bem, ele não pode subir escadas. Tyson fungou. Ele enterrou a cara na crina do hipocampo. - Vou sentir saudade, Arco-íris! O cavalo-marinho emitiu um som de relincho que eu podia jurar que era choro. - Quem sabe a gente encontra com ele de novo - sugeri. - Ah, por favor! - disse Tyson, animando-se imediatamente. - Amanhã! Não fiz nenhuma promessa, mas consegui convencer Tyson a dizer, adeus e a se agarrar à escada. Com um último relincho triste, Arco-íris, o hipocampo, deu um salto-mortal para trás e mergulhou no mar.
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- Certo - disse Annabeth. - Então está sentindo cheiro de quê, exatamente? - Coisa ruim - respondeu Tyson. - Beleza - resmungou ela. - Isso esclarece tudo. Fomos para fora, no deque da piscina. Havia fileiras de espreguiçadeiras vazias e um bar fechado com uma cortina de correntes. A água da piscina brilhava de modo fantasmagórico, ondulando de um lado para o outro com os movimentos do navio. Acima de nós, à frente e atrás, havia mais deques - uma parede de escalada, uma pista de minigolfe, um restaurante giratório, mas nenhum sinal de vida. E no entanto... Eu senti algo familiar. Algo perigoso. Tinha a impressão de que, se não estivesse tão cansado e exausto de tanta adrenalina por causa de nossa longa noite, talvez conseguisse dar um nome ao que estava errado. - Precisamos de um esconderijo - disse eu. - Algum lugar seguro para dormir. - Dormir - concordou Annabeth, cansada. Exploramos mais alguns corredores até chegarmos a uma suíte vazia no nono deque. A porta estava aberta, o que me pareceu estranho. Havia uma cesta de chocolates sobre a mesa, uma garrafa gelada de cidra espumante sobre a mesa-de-cabeceira e uma pastilha de hortelã em cima do travesseiro com um bilhete manuscrito que dizia: Aproveite seu cruzeiro! Abrimos nossos sacos de viagem e descobrimos que Hermes realmente pensara em tudo - roupas, artigos de toalete, rações de acampamento, um saco ziploc cheio de dinheiro, uma bolsa de couro cheia de dracmas de ouro. Conseguira até mesmo incluir o oleado de Tyson com suas ferramentas e pedaços de metal, boné de invisibilidade de Annabeth, o que fez os dois se sentirem um pouco melhor. - Vou estar na porta ao lado - disse Annabeth. - Você garotos, não bebam nem comam nada. - Acha que este lugar é encantado? Ela franziu a testa. - Não sei. Alguma coisa não está certa. De qualquer jeito tenham cuidado. Trancamos nossas portas. Tyson desabou na cama. Ele mexeu por alguns minutos em um projeto de trabalho em metal - que ainda não me mostrara -, mas logo começou a bocejar. Enrolou seu oleado e adormeceu. Fiquei deitado na cama, olhando pela vigia. Pensei ter ouvido vozes no corredor, como sussurros. Sabia que não era possível. Andamos pelo navio inteiro e não vimos ninguém. Mas as vozes me mantiveram acordado. Elas me lembraram a viagem ao Mundo Inferior - os ruídos que os espíritos dos mortos faziam ao passarem. Por fim meu cansaço levou a melhor. Caí no sono... e tive pior pesadelo até então.
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Ora, ora, o jovem herói. A voz era como a lâmina de uma faca raspando pedra. A caminho de outra grande vitória. Eu quis gritar para que Cronos me deixasse em paz. Quis sacar Contracorrente e derrubá-lo com um golpe. Mas não conseguia mover. E, mesmo que conseguisse, como iria matar alguém que tinha sido destruído - picado em pedacinhos e lançado nas eternas? Não permita que eu o detenha, disse o titã. Talvez dessa vez, quando fracassar, vá perguntar a si mesmo se vale a pena ser escravo dos deuses. Como foi mesmo que seu pai demonstrou agradecimento nos últimos tempos? Sua gargalhada encheu a caverna, e subitamente a cena mudou. Era uma caverna diferente - o quarto-prisão de Grover no covil do ciclope. Grover estava sentado junto ao tear usando seu vestido de noiva encardido, desfazendo em desespero os fios da cauda inacabada do vestido. - Docinhol - gritou o monstro de trás da rocha. Grover ganiu e começou a tecer os fios de volta. O quarto estremeceu quando a rocha foi empurrada para o lado. Assomando à porta estava um ciclope tão enorme que fazia Tyson parecer verticalmente desafiado. Tinha dentes amarelos e tortos e mãos ásperas quase do meu tamanho. Usava uma camiseta desbotada que dizia EXPO MUNDIAL DE CARNEIROS 2001. Devia medir pelo menos cinco metros, porém o mais assustador era seu enorme olho leitoso, marcado e recoberto por uma teia de catarata não era completamente cego, estava muito perto disso. - O que está fazendo? - perguntou o monstro. - Nada! - disse Grover em sua voz de falsete. - Só tecendo a cauda do meu vestido de noiva, como pode ver. O ciclope estendeu uma das mãos para dentro do quarto e tateou até encontrar o tear. Apalpou o tecido. - Não ficou nem um pouco maior! - Ah! ahn, sim, ficou, querido. Está vendo? Acrescentei pelo menos três centímetros. - Está demorando demais! - urrou o monstro. Então ele farejou o ar. - Você tem um cheiro bom! Como os bodes! - Ah! - Grover forçou uma fraca risadinha. - Você gosta? É Eau de Chévre. Eu uso só para você. - Mmrnm! - O ciclope mostrou os dentes pontudos. Bom de comer! - Ah, você é tão galanteador! - Chega de atrasos! - Mas, querido, eu não estou pronta! - Amanhã! - Não, não. Mais dez dias. - Cinco! - Ah! bem, então sete. Se você insiste.
- Sete! Isso é menos que cinco, certo? - Certamente. Ah, sim! O monstro resmungou, não muito satisfeito com sua negociação, mas deixou Grover continuar tecendo e rolou a rocha de volta a seu lugar. Grover fechou os olhos e respirou fundo, trêmulo, tentando acalmar os nervos. - Depressa, Percy - murmurou ele. - Por favor, por favor, por favor!
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Depois passamos por uma lanchonete e vimos nosso primeiro monstro. Era um cão do inferno - um mastim preto, na fila do bufê, apoiado nas patas traseiras e com o focinho enfiado nos ovos mexidos. Devia ser jovem, pois era pequeno em comparação com a maioria - não maior que um urso-escuro. Ainda assim, meu sangue gelou. Eu quase tinha sido morto por um daqueles antes. O que era mais estranho: um casal de meia-idade estava na fila do bufê logo atrás do cão-demônio, esperando pacientemente sua vez de se servir dos ovos. Pareciam não estar notando nada de extraordinário. - Perdi a fome - murmurou Tyson. Antes que Annabeth ou eu pudéssemos responder, uma voz reptiliana veio do corredor: - Maisss ssseisss chegaram ontem. Annabeth fez gestos frenéticos em direção ao esconderijo mais próximo - o banheiro feminino -, e nós três entramos depressa. Eu estava tão apavorado que nem me ocorreu ficar com vergonha. Alguma coisa, ou melhor, duas coisas passaram deslizando pela porta do banheiro, fazendo um barulho como o de uma lixa esfregada contra o carpete. - Ssssim - disse uma segunda voz reptiliana. — Ele osss atrai. Logo essssstaremossss fortessss. As coisas deslizaram para dentro da lanchonete com um silvo frio que poderia bem ser risada de cobra. Annabeth olhou para mim. - Temos de dar o fora daqui. - Acha que eu quero ficar no banheiro das meninas? - Do navio, Percy! Temos de dar o fora do navio. - Cheira mal - concordou Tyson. - E os cachorros comem todos os ovos. Annabeth tem razão. Precisamos dar o fora do banheiro e do navio. Eu estremeci. Se Annabeth e Tyson estavam concordando em alguma coisa, calculei que seria melhor escutá-los. Então ouvi outra voz do lado de fora - uma voz que me deixou mais gelado que a de qualquer monstro. - ... só uma questão de tempo. Não me pressione, Agrio! Era Luke, sem dúvida alguma. Jamais esqueceria a voz dele. - Não estou pressionando! - resmungou um outro cara. Sua voz era mais profunda e ainda mais zangada que a de Luke. Só estou dizendo que se esse jogo não compensar... - Vai compensar - disparou Luke. - Eles vão morder a isca. Agora venha, temos de ir até a suíte do almirantado e verificar o caixão. As vozes se afastaram pelo corredor. Tyson choramingou. - Saímos agora? Annabeth e eu trocamos olhares e entramos num acordo silencioso. - Não podemos - disse a Tyson.
- Temos de descobrir o que Luke está aprontando - concordou Annabeth. - E, se possível, vamos lhe dar uma surra, acorrentá-lo e arrastá-lo para o Monte Olimpo.
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