Capítulo 2 > (Querido, John)

Eu acho que deveria explicar porque pulei em direção as ondas para recuperar a bolsa dela. Não foi
porque pensei que ela iria me ver como algum tipo de herói, ou porque queria impressioná-la, ou
nem mesmo porque eu me importava com quanto dinheiro ela iria perder. Teve a ver com a
sinceridade do sorriso dela e pela amabilidade da sua risada. Até mesmo quando eu estava me
atirando em direção a água, sabia o quão ridícula minha reação tinha sido, mas aí era muito tarde.
Eu mergulhei, nadei pra baixo e emergi. Quatro rostos olhavam pra mim da grade. O camisa rosa
estava definitivamente irritado.
"Onde está?" Eu gritei pra eles.
"Bem ali!" a morena gritou. "Acho que ainda consigo ver. Está descendo..."
Eu levei um minuto para localizá-la no crepúsculo que escurecia e o ritmo do oceano estava fazendo
o que podia para me jogar contra o píer. Nadei para o lado, então segurei a bolsa fora da água do
melhor jeito que pude, apesar do fato de que ela já estava ensopada. As ondas fizeram com que o
nado de volta a costa fosse menos difícil do que eu temia, e de vez em quando eu olhava pra cima e
via as quatro pessoas me seguindo.
Finalmente senti o raso e me arrastei pra fora das ondas. Sacudi a água do meu cabelo, comecei a
andar na areia e encontrei com eles no meio da praia. Estendi a bolsa.
"Aqui está."
"Obrigada," a morena disse, e quando os seus olhos encontraram os meus eu senti um click, como
uma chave virando em uma fechadura. Acredite em mim, não sou romântico, e enquanto ouvia tudo
sobre amor à primeira vista, nunca acreditei, e ainda não acredito. Mas mesmo assim, havia algo ali,
algo reconhecidamente real, e eu não consegui desviar o olhar.
De perto ela era mais linda do que eu tinha me dado conta, mas tinha menos a ver com o que ela
aparentava do que com o que ela era. Não era só o seu sorriso com uma brecha nos dentes da frente,
era o jeito casual com que ela mechia em uma mexa de cabelo, o modo fácil com que ela abraçava a
si mesma.
"Você não precisava ter feito isso," ela disse com alguma coisa maravilhada em sua voz. "Eu teria
pego."
"Eu sei." eu afirmei. "Eu te vi se preparando para pular."
Ela inclinou a cabeça. "Mas você sentiu uma necessidade incontrolável de ajudar uma dama em
perigo?"
"Algo assim."
Ela avaliou minha resposta por um momento, então voltou sua atenção para a bolsa. Começou a
remover itens-carteira, óculos de sol, viseira, protetor solar-e estendeu tudo para a loira antes de
espremer a bolsa.
"Suas fotos molharam," a loira disse, olhando a carteira.
A morena a ignorou, continuando a espremer de um lado e depois do outro. Quando ela finalmente
estava satisfeita, pegou de volta os objetos e encheu a bolsa novamente.
"Obrigada de novo," ela disse. Seu sotaque era diferente daquele do leste da Carolina do Norte,
mais nasalado, como se ela tivesse crescido nas montanhas ou perto de Boone, ou perto da fronteira
da Carolina do Sul a oeste.
"Não foi grande coisa," eu murmurei, mas não me mexi.
"Ei, talvez ele queira uma recompensa," camisa rosa falou, com a voz alta.
Ela olhou pra ele e depois pra mim. "Você quer uma recompensa?"
"Não." Balancei uma mão. "Fico feliz em ajudar."
"Eu sempre soube que o cavalheirismo não estava morto," ela proclamou. Tentei captar uma nota de
provocação, mas não ouvi nada no seu tom que indicasse que ela estava zombando de mim.
Camisa laranja me olhou de cima a baixo, notando o meu crew-cut . "Você é da marinha?"
perguntou. Ele apertou seus braços ao redor da loira de novo.
Balancei a cabeça. "Eu não sou um dos poucos ou o orgulho. Eu queria ser tudo que podia, então
me juntei ao exército."
A morena riu. Diferente do meu pai, ela tinha na verdade visto os comerciais.
"Meu nome é Savannah," disse. "Savannah Lynn Curtis. E estes são Brad, Randy e Susan." Ela
estendeu a mão.
"Sou John Tyree," eu disse, apertando a mão dela. Sua mão era quente, macia como veludo em
alguns lugares, mas calejada em outros. Imediatamente tive consciência de quanto tempo fazia que
eu tinha tocado uma mulher.
"Bem, eu sinto como se devesse fazer algo por você."
"Você não precisa fazer nada."
"Você já comeu?" ela perguntou, ignorando meu comentário. "Estamos nos preparando para um
churrasco, e tem muita comida. Gostaria de se juntar a nós?"
Os garotos trocaram olhares. Randy de camisa rosa parecia desapontado e eu admito que isso me
fez sentir melhor. Ei, talvez ele queira uma recompensa . Que idiota.
"É, vamos," Brad finalmente apoiou, soando menos que animado. "Vai ser divertido. Nós alugamos
a casa perto do píer." Ele apontou para uma das casas na praia onde meia dúzia de pessoas
preguiçavam no deque.
Mesmo que eu não tivesse nenhum desejo de passar mais tempo com mais irmãos de fraternidade,
Savannah sorriu pra mim com tanta amabilidade que as palavras saíram antes que eu pudesse parálas.
"Parece legal. Deixa só eu pegar minha prancha lá no píer e logo estarei lá."
"Encontramos você lá," Randy falou. Deu um passo em direção a Savannah, mas ela o ignorou.
"Eu acompanho você," Savannah disse, se afastando do grupo, "É o mínimo que eu posso fazer."
Ela ajeitou a bolsa no ombro. "Vejo vocês daqui a pouco, ok?"
Começamos a andar em direção a duna, onde as escadas nos levariam ao píer. Seus amigos se
demoraram um pouco, mas quando ela chegou ao meu lado, eles se viraram lentamente e
começaram a andar pela praia. Do canto do olho, vi a loira virar a cabeça e nos olhar por entre os
braços de Brad. Randy também olhou, emburrado. Eu não estava certo que Savannah tinha notado
até nos andarmos alguns passos.
"Susan provavelmente pensa que eu sou louca por fazer isso," ela disse.
"Fazer o que?"
"Andar com você. Ela acha que Randy é perfeito pra mim, e vem tentando fazer com que a gente
fique junto desde que chegamos aqui essa tarde. Ele tem me seguido o dia todo."
Balancei a cabeça, sem saber como responder. À distância, a lua, cheia e brilhante, tinha começado
sua subida vagarosa do mar, e eu vi Savannah olhando pra ela. Quando as ondas arrebentavam e
transbordavam, brilhavam prateadas, como se tivessem sido pegas pelo flash de uma câmera.
Chegamos ao píer. A grade estava cheia de areia e sal e a madeira estava danificada pela maresia e
começava a se despedaçar. Os degraus rangiram enquanto subíamos.
"Onde é a sua estação?" ela perguntou.
"Na Alemanha. Estou em casa de licença por algumas semanas para visitar meu pai. E você é das
montanhas, eu presumo?"
Ela me olhou surpresa. "Lenoir." Ela me analizou. "Deixa eu adivinhar, meu sotaque, certo? Você
acha que eu falo como se fosse do interior, não é?"
"De jeito nenhum."
"Bem, eu sou. Do interior, quero dizer. Cresci numa fazenda e tudo. E sim, eu sei que tenho um
sotaque, mas me disseram que algumas pessoas acham charmoso."
"Randy parecia achar que sim."
Saiu antes que eu pudesse me segurar. No estranho silêncio, ela passou uma mão sobre os cabelos.
"Randy parece ser um jovem legal," ela comentou depois de um tempo, "mas eu não conheço ele
tão bem. Não conheço realmente a maioria das pessoas da casa, tirando Tim e Susan." Ela espantou
um mosquito. "Você vai encontrar o Tim mais tarde. Ele é um cara ótimo. Você vai gostar dele.
Todo mundo gosta."
"E você realmente está aqui de férias por uma semana?"
"Um mês, na verdade-mas não, não são realmente férias. Nós somos voluntários. Você ouviu falar
do Habitat para a Humanidade, certo? Nós estamos aqui para ajudar a construir algumas casas.
Minha família está envolviada nisso há anos."
Por cima de seus ombros a casa parecia se tornar viva no escuro. Mais pessoas tinham se
materializado, o volume da música tinha aumentado, e de vez em quando eu podia ouvir uma
risada. Brad, Susan e Randy já estavam rodeados por um grupo de jovens bebendo cerveja e
parecendo querer mais diversão e a chance de se agarrar com alguém do sexo oposto do que fazer
uma boa ação. Ela deve ter notado a minha expressão e seguido o meu olhar.
"Nós só começamos segunda. Eles vão logo descobrir que não se trata só de diversão e jogos."
"Eu não disse nada..."
"Não precisou. Mas você está certo. Pra maioria deles é a primeira vez que trabalham com a
Habitat, e só estão fazendo pra que tenham alguma coisa diferente para colocar no seu currículo
quando se formarem. Não têm idéia de quanto trabalho está envolvido. Mas, no fim, o que importa
é que as casas sejam construídas, e elas serão. Elas sempre são."
"Você já fez isso antes?"
"Todos os verões desde que eu fiz dezesseis anos. Costumava fazer com a nossa igreja, mas quando
fui para Chapel Hill, começamos um grupo lá. Bem, na verdade, o Tim começou. Ele também é de
Lenoir. Acabou de se formar e vai começar o mestrado esse outono. Conheço ele desde sempre. Ao
invés de passar o verão trabalhando em empregos estranhos em casa ou fazendo estágios, achamos
que porderíamos oferecer aos estudandtes uma chance de fazer a diferença. Todo mundo racha o
dinheiro da casa e paga as próprias despesas pelo mês, e não cobramos nada pelo trabalho que
fazemos nas casas. Era por isso que era tão importante eu pegar minha bolsa de volta. Não poderia
comer durante todo o mês."
"Tenho certeza que eles não deixariam você morrer de fome."
"Eu sei, mas não seria justo. Eles já estão fazendo algo que vale a pena, e isso é mais que o
bastante."
Eu podia sentir meu pés escorregando na areia.
"Por que Wilmington?" Eu perguntei. "Quero dizer, por que vir aqui construir casas ao invés de
algum lugar como Lenoir ou Raleigh?"
"Por causa da praia. Você sabe como as pessoas são. É muito difícil conseguir que elas cedam seu
tempo por um mês, mas é mais fácil se for em um lugar como este. E quanto mais pessoas você
tiver, mais você pode fazer. Trinta pessoas se inscreveram esse ano."
Eu assenti, consciente de quão perto um do outro nós caminhávamos. "E você também de formou?"
"Não, vou fazer o último ano. E vou me especializar em educação especial, se essa era a sua
próxima pergunta."
"Era."
"Eu previ. Quando se está na univesidade, é isso que todo mundo te pergunta."
"Todo mundo me pergunta se eu gosto de estar no exército."
"Você gosta?"
"Não sei."
Ela riu, e o som foi tão musical que eu sabia que queria ouví-lo novamente.
Alcançamos o fim do píer e eu peguei minha prancha. Joguei a garrafa vazia de cerveja na lixeira,
ouvindo-a se chocar com o fundo. As estrelas vinham à tona acima das nossas cabeças, e as luzes
das casas alinhadas ao longo das dunas me lembraram luminosas abóboras de Halloween.
"Você se importa se eu perguntar o que te levou a se juntar ao exército? Levando em conta que você
não sabe se gosta, quero dizer."
Me levou um segundo pra descobrir como responder àquilo, e eu mudei a prancha de surf pra o
outro braço. "Acho que o mais seguro é dizer que, naquele tempo, eu precisei entrar."
Ela esperou eu falar mais, mas quando eu não falei, simplesmente assentiu.
"Aposto que você está contente de estar de volta em casa por um tempo," ela disse.
"Sem dúvida."
"Aposto que seu pai está contente também, não é?"
"Acho que sim."
"Ele está. Tenho certeza de que tem muito orgulho de você."
"Espero que sim."
"Você fala como se não tivesse certeza."
"Você teria que encontrar meu pai para entender. Ele não é muito falante."
Eu podia ver a luz da lua refletida em seus olhos escuros, e sua voz era macia quando ela falou. "Ele
não precisa falar para ter orgulho de você. Ele deve ser o tipo de pai que demonstra isso de outras
maneiras."
Pensei sobre isso, esperando que fosse verdade. Enquanto considerava, ouvimos um grito alto vindo
da casa e eu avistei algumas garotas perto do fogo. Um dos caras tinha os braços ao redor de uma
garota e a empurrava pra frente; ela ria e lutava contra ele. Brad e Susan estavam agarrados ali
perto, mas Randy tinha sumido.
"Você disse que não conhece a maioria das pessoas com as quais vai morar?"
Ela balançou a cabeça, seus cabelos varrendo seus ombros. Ajeitou outra mecha. "Não tão bem. Nós
encontramos a maioria deles pela primeira vez na inscrição, e depois hoje quando chegamos aqui.
Quero dizer, podemos ter nos visto pelo campus uma vez ou outra e eu acho que muitos deles já se
conehcem, mas eu não. A maioria está em fraternidades. Eu ainda vivo em um dormitório. Mas eles
são um bom grupo."
Enquanto ela respondia, tive a sensação de que era o tipo de pessoa que nunca diria uma coisa ruim
sobre ninguém. Sua consideração com os outros me ocorreu como refrescante e madura, e ainda,
estranhamente, eu não estava surpreso. Era parte daquela qualidade indefinida que eu tinha sentido
nela desde o começo, um comportamento que a diferenciava.
"Quantos anos você tem?" eu perguntei enquanto nos aproximávamos da casa.
"Vinte e um. Fiz aniversário no mês passado. E você?"
"Vinte e três. Você tem irmãos ou irmãs?"
"Não. Sou filha única. Só eu e meus pais. Eles ainda vivem em Lenoir, e ainda estão felizes depois
de vinte e cinco anos. Sua vez."
"O mesmo. A não ser por mim, sempre fomos só eu e meu pai." Eu sabia que minha resposta levaria
a uma pergunta seguinte sobre o status da minha mãe, mas para a minha surpresa, ela não veio. Em
vez disso, ela perguntou, "Foi ele que lhe ensinou a surfar?"
"Não, isso eu aprendi sozinho quando era criança."
"Você é bom. Estava te observando mais cedo. Faz parecer tão fácil. Me faz querer saber como
surfar."
"Ficaria feliz em te ensinar se você quiser aprender," me ofereci. "Não é tão difícil. Vou estar aqui
amanhã."
Ela parou e fixou seu olhar em mim. "Agora, não faça ofertas que você não está certo se pretende
manter." Ela estendeu a mão para o meu braço, me deixando sem fala, então indicou a fogueira.
"Está pronto para conhecer algumas pessoas?"
Eu engoli, sentindo um secura repentina na minha garganta, o que foi siplesmente a coisa mais
estranha que já aconteceu comigo.
A casa era um daqueles monstros de três andares com uma garagem no térreo e provavelmente seis
ou sete quartos. Um deque imenso circulava o andar principal; toalhas estavam estendidas nas
grades, e eu podia ouvir o som de múltiplas conversas vindo de todas as direções. Havia uma
churrasqueira no deque eu eu podia sentir o cheiro de cachorro-quente e frango cozinhando; o cara
que estava debruçado em cima da churrasqueira estava sem camisa e vestia uma touca, tentando
parecer um urbano legal. Não estava funcionando, mas isso me fez rir.
Na areia em frente, a fogueira estava em um fosso, com várias garotas vestindo blusões de moletom
maiores que elas sentadas ao redor, todas fingindo não estarem conscientes dos garotos ao redor
delas. Enquanto isso, os garotos estavam em pé além delas, parecendo estar tentando posar de um
modo que acentuasse o tamanho de seus braços ou esculpisse seus abdômens e agindo como se não
notassem as garotas nem um pouco. Eu já tinha visto isso no Leroy's; cultas ou não, crianças ainda
eram crianças. Eles estavam no começo dos vinte, e a luxúria estava no ar. Jogados na praia e na
cerveja, e eu podia adivinhar o que aconteceria depois; mas eu já teria ido embora há muito tempo
até lá.
Quando Savannah e eu chegamos mais perto, ela diminuiu o passo antes de apontar. "Que tal ali, ao
lado da duna?" ela sugeriu.
"Claro."
Pegamos um lugar de frente para o fogo. Algumas outras garotas olharam, checando o cara novo,
antes de se recolherem em suas conversas. Randy finalmente andou em direção ao fogo com uma
cerveja, viu SAvannah e eu e rapidamente nos deu as costas, seguindo o exemplo das garotas.
"Frango ou cachorro-quente?" ela perguntou, parecendo indiferente a tudo isso.
"Frango."
"O que você quer beber?"
A luz do fogo fez do seu olhar quase misterioso. "Qualquer coisa que você for beber está bom.
Obrigado."
"Volto logo."
Ela foi em direção aos degraus, e eu me forcei a não seguí-la. Ao invés disso, caminhei em direção
ao fogo, tirei minha camisa e a coloquei em uma cadeira vazia, depois voltei para o meu lugar.
Olhando pra cima, eu vi o touca paquerando Savannah, senti uma onda de tensão, então me virei
para ter um controle melhor das coisas. Eu sabia pouco sobre ela e sabia menos ainda dobre o que
ela pensou de mim. Além disso, eu não tinha nenhum desejo de começar alguma coisa que não
poderia terminar. Iria embora em algumas semanas e nada disso ia chegar a alguma coisa; falei tudo
isso pra mim mesmo, e acho que parcialmente me convenci de que iria pra casa assim que
terminasse de comer, quando meus pensamentos foram interrompidos pelo som de alguém se
aproximando. Alto e magro, com cabelo escuro que já estava habilmente partido para o lado, ele me
lembrou daqueles caras que você conhece de tempos em tempos que parecem estar na meia-idade
desde que nasceram.
"Você deve ser o John," ele disse com um sorriso, agachando na minha frente. "Meu nome é Tim
Wheddon." Ele estendeu a mão. "Ouvi falar do que você fez por Savannah-sei que ela estava grata
por você estar lá."
Apertei sua mão. "Prazer em conhecê-lo."
Apesar da minha cautela inicial, seu sorriso foi mais veradeiro do que os de Brad e Randy tinham
sido. Ele nem mencionou minhas tatuagens, o que é incomum. Acho que devo mencionar que elas
não eram exatamente pequenas e cobriam a maior parte dos meus braços. As pessoas já me
disseram que vou me arrepender quando for mais velho, mas quando as fiz, eu realmente não me
importava. E ainda não me importo.
"Se importa se eu sentar aqui?" ele perguntou.
"À vontade."
Ele se sentou confortavelmente, nem em cima de mim nem muito longe. "Fico feliz que você possa
ter vindo. Quero dizer, não é muito, mas a comida é boa. Está com fome?"
"Na verdade, estou faminto."
"O surf faz isso com você."
"Você surfa?"
"Não, mas passar algum tempo no mar sempre me dá fome. Lembro disso das minhas férias quando
criança. Nós costumávamos ir a Pine Knoll Shores todo verão. Você já esteve lá?"
"Só uma vez. Tenho tudo de que preciso aqui."
"É, acho que você tem." Ele acenou para a minha prancha. "Você gosta das pranchas longas, né?"
"Gosto das duas, mas as ondas daqui são melhores com as longas. Você precisa surfar no Pacífico
para realmente aproveitar uma prancha pequena."
"Você já esteve lá? Havaí, Bali, Nova Zelândia, lugares assim? Eu li que eles são o ultimato."
"Ainda não," eu disse, surpreso que ele sabia sobre eles. "Uma dia, talvez."
Um pedaço de lenha estalou, mandando pequenas faíscas para o céu. Juntei minhas mãos, sabendo
que era a minha vez. "Ouvi dizer que você está aqui para construir algumas casas para os pobres."
"Foi Savannah que lhe disse? É, esse é o plano, de qualquer forma. Elas são para algumas famílias
realmente merecedoras, e com sorte, elas estarão em suas próprias casas no fim de julho."
"É uma boa coisa o que você está fazendo."
"Não sou só eu. Mas eu queria te perguntar uma coisa."
"Deixe-me adivinhar, você quer que eu seja voluntário?"
Ele riu. "Não, nada disso. Embora seja engraçado-eu já ouvi isso antes. As pessoas me vêem vindo e
geralmente elas correm pro outro lado. Acho que sou muito fácil de entender. De qualquer forma,
sei que é um chute de muito longe, mas eu estava me perguntando se você conhece meu primo. A
estação dele é em Fort Bragg."
"Sinto muito," eu disse. "Meu posto é na Alemanha."
"No Ramstein?"
"Não. Essa é a base da força aérea. Mas eu estou relativamente perto. Por que?"
"Eu estava em Frankfurt dezembro passado. Passei o natal lá com a minha família. É de onde nós
somos originalmente, e meus avós ainda vivem lá."
"Mundo pequeno."
"Você aprendeu alguma coisa em alemão?"
"Nada."
"Nem eu. A pior parte é que meus pais são fluentes e eu tenho ouvido alemão em casa por anos, e
até tive aulas antes de ir. Mas não entendia, sabe? Acho que fui sortudo de passar nas aulas, e tudo o
que eu podia fazer era balançar a cabeça na mesa do jantar e fingir que entendia o que todo mundo
dizia. A única coisa boa era que meu irmão estava no mesmo barco, então podíamos nos sentir
como idiotas juntos."
Eu ri. Ele tinha um rosto aberto, honesto e sem querer, eu gostei dele.
"Ei, posso pegar alguma coisa pra você?" ele perguntou.
"Savannah está tomando conta disso."
"Eu devia ter adivinhado. Anfitriã perfeita e tudo isso. Sempre foi."
"Ela disse que vocês dois cresceram juntos."
Ele assentiu. "A fazenda da família dela é logo ao lado da minha. Nós fomos as mesmas escolas e
frequentamos a mesma igreja por anos, e depois nós estávamos na mesma universidade. Ela é tipo
minha irmã caçula. Ela é especial."
Apesar do comentário sobre a 'irmã', eu tive a impressão pelo modo como ele falou "especial" que
seus sentimentos eram um pouco mais profundos do que ele deixava transparecer. Mas diferente de
Randy, ele não pareceu com ciúmes sobre o fato de que ela tinha me convidado pra vir aqui. Antes
que eu pudesse deixar minha imaginação vagar sobre isso, Savannah apareceu nas escadas e desceu
para a areia.
"Vejo que você conheceu o Tim," ela disse. Em uma mão estavam dois pratos com frango, salada de
batata e batatas fritas; na outra, duas latas de Pepsi Diet.
"É, eu só quis aparecer e agradecer pelo que ele fez," Tim explicou, "então decidi entediá-lo com
estórias de família."
"Bom. Eu estava esperando que vocês dois tivessem uma chance de se encontrar."
Ela ergueu suas mãos; como Tim, ela ignorou o fato de que eu estava sem camisa. "A comida está
pronta. Você quer meu prato, Tim? Eu posso ir lá e pegar outro."
"Não, eu vou pegar," Tim disse, se levantando. "Mas obrigado. Vou deixar vocês dois atacarem."
Ele sacudiu a areia dos shorts. "Ei, foi bom te conhecer, John. Se estiver na área amanhã, ou outro
dia, você é sempre bem-vindo."
"Obrigado. Foi bom te conhecer também."
Um tempo depois, Tim estava subindo as escadas. Ele não olhou pra trás, apenas soltou um
amigável olá para alguém vindo na direção oposta, depois seguiu o resto do caminho. Savannah me
estendeu o prato e alguns utensílios plásticos, trocou de mãos e me ofereceu um refrigerante, então
sentou ao meu lado. Perto, eu notei, mas não tão perto para tocar. Ela apoiou o prato no colo,
estendeu a mão para a lata antes de hesitar. Ela segurou a lata.
"Você estava bebendo cerveja mais cedo, mas disse pra pegar o que eu fosse pegar pra mim
também, então eu te trouxe um desses. Eu não estava certa do que você queria."
"O refrigerante tá bom."
"Tem certeza? Tem muita cerveja nos freezers e eu já ouvi falar de vocês, caras do exército."
Eu bufei. "Tenho certeza," disse, abrindo minha lata. "Presumo que você não beba."
"Não," ela disse. Nada de defensivo ou presunçoso em seu tom, eu notei, só a verdade. Gostei disso.
Ela mordeu um pedaço do frango. Eu fiz o mesmo, e no silêncio me perguntei sobre ela e Tim e se
ela sabia de como ele realmente se sentia em relação a ela. E me perguntei como ela se sentia em
relação a ele. Havia algo ali, mas eu não conseguia descobrir o quê, a menos que Tim estivesse
certo e fosse um negócio do tipo irmão. Eu de alguma forma duvidava que esse fosse o caso.
"O que você faz no exército?" ela perguntou, finalmente pousando o garfo.
"Sou sargento na infantaria. Esquadrão de armas."
"Como é? QUero dizer, o que você faz todo dia? Você atira, explode coisas ou o que?"
"Às vezes. Mas, na verdade, é bem entediante na maioria do tempo, pelo menos quando estamos na
base. Nos reunimos de manhã, geralmente por volta das seis, nos certificamos que todos estão lá,
então nos dividimos em batalhões para nos exercitarmos. Basquete, corrida, levantamento de peso,
o que for. Às vezes tem aula naquele dia, qualquer coisa sobre montar e montar de novo nossas
armas, ou uma aula de terreno noturno, ou nós vamos treinar tiros com fuzis, ou qualquer coisa. Se
nada estiver planejado nós só voltamos pro quartel e jogamos videogames, lemos, malhamos de
novo ou qualquer coisa pelo resto do dia. Depois nos reunimos de novo às quatro horas e
resolvemos o que faremos no outro dia. Então acabamos."
"Videogames?"
"Eu malho e leio. Mas meus colegas são especialistas nos jogos. E quanto mais violento o jogo for,
mais eles gostam."
"O que você lê?"
Eu disse a ela, e ela levou em consideração. "E o que acontece quando você é mandado a uma zona
de guerra?"
"Então," eu disse, acabando meu frango, "é diferente. Há dever de guarda, e as coisas estão sempre
quebrando e precisam ser consertadas, então você fica ocupado, mesmo que não esteja fora em
patrulha. Mas a infataria são as forças que ficam no chão, então nós passamos uma grande parte do
nosso tempo longe do campo."
"Você nunca fica com medo?"
Procurei pela resposta certa. "Sim. Às vezes. Não é como se você andasse por aí aterrorizado o
tempo todo, mesmo quando as coisas estão um inferno ao seu redor. É só que você está... reagindo,
tentando ficar vivo. As coisas acontecem tão rápido que você não tem tempo para pensar em muito
coisa a não ser fazer o seu trabalho e tentar não morrer. Geralmente te afeta mais tarde, quando você
está mais tranquilo. É aí que você se dá conta o quão perto esteve, e às vezes você tem tremedeiras e
vomita ou qualquer coisa."
"Não tenho certeza se conseguiria fazer o que você faz."
Não tenho certeza se ela esperava uma resposta pra isso, então eu mudei de assunto. "Por que
educação especial?" perguntei.
"É uma longa estória. Tem certeza de que quer escutar?" Quando eu assenti, ela deu um longo
suspiro.
"Tem esse garoto em Lenoir chamado Alan, e eu conheço ele por toda a minha vida. Ele é autista e
por um bom tempo ninguém sabia o que fazer com ele ou como chegar a ele. Isso me pegou, sabe?
Eu me sentia tão mal por ele, até mesmo quando era pequena. Quando perguntei aos meus pais
sobre ele, eles disseram que talvez o Senhor tinha planos especiais pra ele. Não fez nenhum sentido
no começo, mas Alan tinha um irmão mais velho que era tão paciente com ele o tempo inteiro.
Quero dizer, sempre. Ele nunca se frustrou com ele, e pouco a pouco, ele ajudou Alan. Alan não é
perfeito de maneira alguma-ele ainda vive com os pais, e nunca vai poder ficar sozinho-mas ele não
é tão perdido como era quando novo, e eu decidi que quero ser capaz de ajudar crianças como
Alan."
"Quantos anos você tinha quando decidiu isso?"
"Doze."
"E você quer trabalhar com eles em uma escola?"
"Não," ela disse. "Eu quero fazer o que o irmão do Alan fez. Ele usou cavalos." Ela pausou,
juntando os pensamentos. "Com crianças autistas... é como se elas estivessem trancadas no seu
próprio mundinho, então geralmente a escola e a terapia são baseadas na rotina. Mas eu quero
mostrá-los esperiências que podem abrir novas portas a eles. Eu já vi acontecer. Quero dizer, Alan
estava aterrorizado com os cavalos de início, mas seu irmão continuou tentando, e depois de um
tempo, Alan chegou ao ponto em que podia dar tapinhas neles, afagar seus fucinhos, e mais tarde
alimentá-los. Depois disso ele começou a montar, e eu lembro de olhar para seu rosto a primeira vez
que ele subiu... foi tão incrível, sabe? Quero dizer, ele estava sorrindo, tão feliz como uma criança
pode ser. E é isso que eu quero que essas crianças experienciem. Simplesmente... felicidade, mesmo
que seja por um pequeno tempo. Foi aí que eu soube exatamente o que queria fazer com a minha
vida. Talvez abrir um campo de montaria para crianças autistas, onde nós podemos realmente
trabalhar com elas. Então talvez elas possam sentir a mesma felicidade que o Alan sentiu."
Ela pousou seu garfo como se estivesse envergonhada, então deixou o prato ao seu lado.
"Isso parece maravilhoso."
"Vamos ver se acontece," ela disse, sentando de novo. "É só um sonho por enquanto."
"Presumo que você goste de cavalos também?"
"Toda garota gosta de cavalos. Você não sabia disso? Mas sim, eu gosto. Tenho um Arabian
chamado Midas, e às vezes me mata que eu esteja aqui quando eu poderia estar montando ele."
"A verdade vem à tona."
"Como deveria. Mas ainda planejo ficar aqui. Vou montar o dia todo, todos os dias quando voltar.
Você monta?"
"Montei uma vez."
"Você gostou?"
"Estava dolorido no dia seguinte. Andar doía."
Ela gargalhou e eu me dei conta que gostava de conversar com ela. Era fácil e natural, diferente de
tantas pessoas. Acima de mim, eu podia ver o cinturão de Órion; logo além do horizonte na água,
Vênus tinha aparecido e brilhava em um branco pesado. Garotos e garotas continuavam a correr
escada acima e abaixo, paquerando com a coragem proporcionada pela bebida. Eu suspirei.
"Eu acho devo ir andando pra ficar com meu pai um pouco. Ele provavelmente está se perguntando
onde eu estou. Isso se ele ainda estiver acordado."
"Você quer ligar pra ele? Pode usar o telefone."
"Não, acho que vou indo. É uma longa caminhada."
"Você não tem carro?"
"Não. Peguei uma carona de manhã."
"Quer que Tim te leve em casa? Tenho certeza que ele não se importaria."
"Não, tudo bem."
"Não seja ridículo. Você disse que era uma longa caminhada, certo? Vou pedir ao Tim para te levar.
Vou chamá-lo."
Ela correu antes que eu pudesse impedí-la, e um minuto depois Tim a seguia para fora da casa.
"Tim fica feliz em te levar," ela disse, parecendo muito contente consigo mesma.
Eu me virei para Tim. "Tem certeza?"
"Nenhuma problema," ele me assegurou. "Minha caminhonete está lá na frente. Você pode colocar
sua prancha atrás." Ele indicou a prancha com a mão. "Precisa de ajuda?"
"Não," eu disse, me levantando, "pode deixar." Eu fui até a cadeira e vesti a camisa, depois peguei a
prancha. "Obrigada, a propósito."
"O prazer é meu," ele disse. Bateu nos bolsos. "Volto em um segundo com as chaves. É a
caminhonete verde estacionada na grama. Te encontro lá na frente."
Quando ele se foi, eu me virei para Savannah. "Foi bom te conhecer."
Ela sustentou meu olhar. "Você também. Nunca tinha conversado com um soldado antes. Me senti
meio que... protegida. Não acho que Randy me dará nenhum problema esta noite. Suas tatuagens
provavelmente assustaram ele."
Achei que ela tinha notado. "Talvez te veja por aí."
"Você sabe onde eu estarei."
Eu não tinha certeza se isso significava que ela queria que eu viesse visitá-la de novo ou não. De
muitas formas, ela permanecia um completo mistério para mim. Então novamente, eu mal a
conhecia.
"Mas estou um pouco desapontada que você esqueceu," ela adicionou, quase como um segundo
pensamento.
"Esqueci o que?"
"Você não disse que ia me ensinar a surfar?"
Se Tim teve alguma suspeita do efeito que Savannah tinha em mim ou que eu estaria visitando de
novo no dia seguinte, ele não deu nenhuma indicação. Em vez disso se concentrou em dirigir, se
certificando de que estava indo na direção certa. Ela era o tipo de motorista que parava o carro
mesmo que a luz estivesse amarela e ele pudesse ter passado.
"Espero que você tenha se divertido," ele disse. "Eu sei que é sempre estranho quando você não
conhece ninguém."
"Eu me diverti."
"Você e Savannah realmente se deram bem. Ela é uma coisa, não é? Acho que gostou de você."
"Tivemos uma boa conversa," eu disse.
"Fico feliz. Estava um pouco preocupado sobre ela vir aqui. Ano passado os pais dela estavam
conosco, então essa é a primeira vez que ela está por conta própria assim. Sei que é uma grande
garota, mas esse não é o tipo de pessoa que ela geralmente convive, e a última coisa que eu queria
era que ela ficasse se defendendo de garotos a noite toda."
"Tenho certeza que ela aguentaria."
"Você provavelmente está certo. Mas eu tenho a sensação que alguns desses garotos são muito
persistentes."
"É claro que eles são. Eles são garotos."
Ele riu. "Acho que você está certo." Ele indicou a janela. "Pra onde agora?"
O direcionei através de uma série de viradas, então finalmente disse para diminuir a velocidade do
carro. Ele parou em frente a casa, onde eu podia ver a luz da toca do meu pai, brilhando amarela.
"Obrigada pela carona," eu disse, abrindo a porta.
"Sem problemas." Ele se debruçou sobre o assento. "E escute, como eu disse, sinta-se livre para
aparecer na casa a qualquer hora. Nós trabalhamos durante a semana, mas finais de semana e noites
geralmente são folgas."
"Vou manter isso em mente," eu prometi.
Uma vez dentro de casa, fui à toca do meu pai e abri a porta. Ele estava fitando o Greysheet e deu
um pulo. Me dei conta de que ele não tinha me ouvido entrar.
"Desculpe," eu disse, me sentando no único degrau que separava a toca do resto da casa. "Não quis
assustá-lo."
"Tudo bem," foi tudo o que ele disse. Debateu se colocaria o Greysheet de lado, então colocou.
"As ondas estavam ótimas hoje," eu comentei. "Tinha quase esquecido o quanto a água é
fantástica."
Ele sorriu mas não disse nada. Mudei ligeiramente de posição no degrau. "Como foi o trabalho?"
perguntei.
"O mesmo," ele disse.
Mergulhou novamente em seus próprios pensamentos e tudo em que eu podia pensar era que a
mesma coisa poderia ser dita de nossas conversas.

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