Não que Michael não tentasse.
Na manhã seguinte estava esperando por mim no estacionamento enquanto Gina, Soneca, Dunga, Mestre e eu saíamos do Rambler e começávamos a ir para as várias filas antes da aula. Michael perguntou se poderia carregar meus livros. Dizendo a mim mesma que os Anjos da RLS poderiam aparecer a qualquer momento e tentar assassiná-lo de novo, consenti. Melhor ficar de olho nele, pensei, do que deixá-lo se meter em só Deus sabe o quê.
Mas não foi divertido. Atrás de nós Dunga ficava fazendo uma imitação muito convincente de alguém vomitando.
E mais tarde, no almoço, que eu tradicionalmente passava com Adam e Cee Cee - ainda que neste dia em particular, como Gina estava conosco, seus fãs houvessem se juntado a nós: Soneca, Dunga e meia dúzia de garotos que eu não conhecia, cada um disputando desesperadamente a atenção dela -, Michael perguntou se podia ficar com a gente. De novo não tive opção além de concordar.
E então, quando, indo para o Rambler depois da escola, foi sugerido que usássemos as próximas quatro horas de luz do dia fazendo o dever de casa na praia, Michael devia estar por perto. De que outro modo apareceria na praia de Carmel carregando uma cadeira de praia, uma hora depois?
- Ah, meu Deus - disse Gina deitada em sua toalha. - Não olhe agora, mas seu verdadeiro amor se aproxima.
Olhei. E contive um gemido. E rolei para abrir espaço para ele.
- Você pirou? - perguntou Cee Cee, o que era uma pergunta interessante vinda dela, considerando que estava sentada à sombra de uma barraca (o que não era grande coisa, e perfeitamente compreensível, considerando a quantidade de vezes em que fora levada ao hospital devido à insolação).
Mas além disso estava usando um chapéu de chuva - cuja aba havia puxado bem para baixo -, calça comprida e uma camiseta de manga comprida. Gina, esticada ao sol ao lado dela como uma princesa núbia, tinha levantado uma sobrancelha em tom casual e perguntado:
- Quem você é? Gilligan?
- Sério, Suze - disse Cee Cee enquanto Michael se aproximava. - É melhor você cortar isso pela raiz, e depressa.
- Não posso - grunhi, virando os livros na areia para abrir espaço para Michael e sua cadeira de praia.
- O que quer dizer com não pode? - perguntou Cee Cee. - Você não teve problema para mandar o Adam se catar nestes últimos dois meses. Não que eu não tenha apreciado isso - acrescentou ela com o olhar indo para as ondas onde todos os caras, inclusive Adam, estavam surfando.
- É uma longa história - disse eu.
- Espero que não esteja fazendo isso porque sente pena dele por causa do negócio com a irmã - disse Cee Cee mal-humorada. - Para não falar daqueles garotos mortos.
- Cale a boca, tá? Ele está vindo.
E então ele estava ali, largando suas coisas por todo canto, derramando refrigerante gelado nas costas de Gina e demorando um tempo incomensurável para deduzir como a cadeira de praia funcionava. Suportei isso do melhor modo possível, dizendo a mim mesma: você é a única que pode impedir que ele vire uma panqueca de nerd.
Mas vou contar, era meio difícil de crer, ali no sol, que qualquer coisa ruim - como fantasmas vingativos - sequer existissem. Tudo estava tão... certo.
Pelo menos até que Adam largou sua prancha, dizendo que precisava dar um tempo - mas notei que na verdade aproveitava a oportunidade para cair na areia perto de nós e mostrar seus cinco ou seis pêlos no peito. - Então Michael ergueu os olhos do livro de cálculo - ele estava fazendo aulas de matemática avançada e ciências - e disse:
- Posso pegar isso emprestado?
Adam, o cara mais tranqüilo do mundo, deu de ombros:
- À vontade. O mar está meio flat, mas de repente você consegue pegar alguma onda. Só que a água está fria. É melhor pegar meu neoprene.
Então, enquanto Gina, Cee Cee e eu olhávamos com um leve interesse, Adam abriu o zíper de sua roupa de neoprene, tirou-a e, vestido só de sunga, entregou aquele negócio de borracha preta a Michael, que imediatamente tirou os óculos e a camisa.
Uma das mãos de Gina saltou e pegou meu pulso. Suas unhas se cravaram na minha pele.
- Ah, meu Deus - ofegou ela.
Até Cee Cee, notei com um olhar rápido, estava espiando totalmente hipnotizada Michael Meducci vestir a roupa de neoprene de Adam e fechar o zíper.
- Pode tomar conta disso? - perguntou ele apoiando um dos joelhos na areia ao meu lado.
Michael colocou os óculos nas minhas mãos. Tive a chance de olhar seus olhos, e pela primeira vez notei que eram de um azul muito fundo, muito brilhante.
- Claro - me ouvi murmurando.
Ele sorriu. Depois se levantou de novo, pegou a prancha de Adam e, com um educado cumprimento de cabeça para nós, garotas, entrou nas ondas.
- Ah, meu Deus - disse Gina de novo.
Adam, que tinha desmoronado na areia ao lado de Cee Cee, apoiou-se num dos cotovelos e perguntou:
- O que é?
Quando Michael tinha se juntado a Soneca, Dunga e os outros amigos deles na água, Gina virou o rosto lentamente para mim e perguntou:
- Você viu aquilo?
Assenti entorpecida.
- Mas aquilo... aquilo... - gaguejou Cee Cee. - Aquilo desafia toda a lógica.
Adam sentou-se.
- Do que vocês estão falando?
Mas só podíamos balançar a cabeça. Era impossível falar. Porque, por acaso, por baixo do bolso cheio de canetas, Michael Meducci possuía uns peitorais de arrasar.
- Ele deve malhar umas três horas por dia – sugeriu Cee Cee.
- Na certa umas cinco - murmurou Gina.
- Ele poderia me levantar fazendo supino - falei, e Cee Cee e Gina concordaram.
- Vocês estão falando de Michael Meducci? – perguntou Adam.
Nós o ignoramos. Como poderíamos não ignorar, se tínhamos visto um deus - de pele macilenta, verdade, mas perfeito em todos os outros sentidos.
- Ele só precisa sair de trás daquele computador de vez em quando e pegar um pouquinho de cor - ofegou Gina.
- Não - falei. Não podia suportar a idéia daquele corpo perfeitamente esculpido danificado pelo câncer de pele. - Ele está ótimo como está.
- Só um pouquinho de cor - repetiu Gina. - Quero dizer, com filtro solar 15 ele ainda se bronzeia um pouco. Só precisa disso.
- Não - repeti.
- Suze está certa - disse Cee Cee. - Ele é perfeito como é.
- Ah, meu Deus - disse Adam, deixando-se cair de novo na areia, enojado. -Michael Meducci. Não acredito que vocês estão falando assim do Michael Meducci.
Mas como poderíamos evitar? Ele era a perfeição. Certo, não era o melhor surfista. Isso seria pedir demais, percebemos enquanto o víamos ser jogado da prancha de Adam por uma onda bem pequena, que Soneca e Dunga dominaram com facilidade.
Mas em todos os outros sentidos era um gato cem por cento genuíno.
Pelo menos até ser derrubado por uma onda de média para grande e não voltar à superfície.
A princípio não ficamos alarmadas. Surfar não era uma coisa que eu quisesse particularmente experimentar - apesar de adorar praia, não tenho a mínima atração pelo oceano. Na verdade é bem o oposto: a água me dá medo porque não dá para dizer o que mais está nadando em volta da gente naquela escuridão. Mas eu tinha visto Soneca e Dunga pegar ondas suficientes para saber que os surfistas costumam desaparecer por longo tempo, e aparecem a metros de distância, em geral com um riso enorme e um sinal de OK com o polegar para cima.
Mas a espera para Michael aparecer foi maior do que o normal. Vimos a prancha de Adam saltar de uma onda particularmente grande e vir sozinha até a praia. Ainda não havia sinal de Michael.
Foi então que o salva-vidas - o mesmo louro grandão que tentara resgatar Dunga (tínhamos parado perto de sua cadeira, como havia se tornado nosso costume) - empertigou-se e de repente levantou o binóculo ao rosto.
Mas eu não precisava de binóculo para ver o que vi em seguida. Michael finalmente rompeu a superfície depois de estar afundado por quase um minuto. Só que, nem bem apareceu, ele foi puxado para baixo de novo, e não por uma correnteza.
Não. Isso eu vi claramente: Michael foi puxado por uma corda de algas que, de algum modo, havia se enrolado em seu pescoço.
E então vi que não havia "de algum modo" naquilo. A alga estava sendo segura ali por duas mãos.
Duas mãos pertencentes a alguém que estava na água abaixo dele.
Alguém que não tinha necessidade de vir à superfície para respirar. Porque esse alguém já estava morto.
Bom, não vou dizer que fiz o que fiz em seguida com algum tipo de pensamento consciente. Se estivesse pensando, teria ficado exatamente onde estava e esperado o melhor. Só posso dizer em defesa de meus atos que, depois de anos e anos lidando com fantasmas, agi puramente por instinto, sem pensar em nada.
E foi por isso que, enquanto o salva-vidas disparava pelas ondas na direção de Michael, com o pequeno flutuador laranja na mão, saltei e fui atrás.
Bom, talvez eu tenha visto o filme Tubarão vezes demais, mas sempre fiz questão de nunca entrar em água mais funda do que a minha cintura - em nenhum oceano. Por isso, quando me vi partindo para o lugar onde tinha visto Michael pela última vez e senti o banco de areia em que estivera correndo desaparecer sob os pés, tentei dizer a mim mesma que a cambalhota que meu coração deu foi de adrenalina, e não de medo.
Tentei dizer isso a mim mesma, claro. Mas não acreditei. Quando percebi que teria de começar a nadar, pirei de vez. Nadei, certo - pelo menos isso eu sei fazer. Mas o tempo todo estava pensando: ah, meu Deus, por favor, não deixe que nada nojento, tipo uma enguia, toque qualquer parte do meu corpo. Por favor não deixe uma água-viva me atingir. Por favor, não deixe um tubarão vir nadando por baixo e me cortar ao meio.
Mas me dei conta de que eu tinha coisas muito piores do que enguias, águas-vivas ou tubarões com que me preocupar.
Atrás de mim podia escutar vozes gritando longe. Gina, Cee Cee e Adam, deduzi com a parte do cérebro que não estava paralisada de medo. Gritando para eu sair da água. O que eu pensava que estava fazendo? O salva-vidas tinha a situação sob controle.
Mas o salva-vidas não podia ver as mãos que puxavam Michael para baixo, nem lutar contra elas.
Vi o salva-vidas - que, tenho certeza, não fazia idéia de que uma garota maluca havia mergulhado atrás dele - deixar a enorme onda que se aproximava de nós levantar suavemente seu corpo e empurrá-lo para perto de onde Michael havia desaparecido. Tentei imitar sua técnica e acabei engasgando com a boca cheia de água salgada. Meus olhos estavam ardendo e os dentes começando a bater. Estava muito, muito frio na água sem uma roupa de borracha.
E então, a poucos metros de mim, Michael veio à superfície, ofegando e agarrando a corda de alga em volta do pescoço. O salva-vidas, em duas braçadas rápidas, chegou ao lado dele, jogando-lhe o flutuador laranja e dizendo para relaxar, que tudo ia ficar bem.
Mas nada ia ficar bem. Ao mesmo tempo em que o salva-vidas falava, vi uma cabeça surgir ao lado de Michael. Apesar de o cabelo molhado estar grudado no rosto, reconheci Josh, o líder dos Anjos da RLS - um grupinho fantasmagórico com uma decisão infernal de fazer maldades... e evidentemente coisas bem piores.
Eu não podia falar, claro - tinha certeza de que meus lábios estavam ficando azuis. Mas ainda podia dar socos. Puxei o braço e soltei um dos bons, carregado de todo o pânico por me sentir sem nada além de água sob os pés.
Josh não devia estar me reconhecendo do Jimmy's ou do shopping, ou não me reconhecia com o cabelo molhado. De qualquer modo, não estivera prestando atenção a mim.
Isto é, até que meu punho se ligou solidamente com sua cartilagem nasal.
O osso estalou satisfatoriamente e Josh soltou um grito cheio de dor, que só eu pude ouvir.
Ou pelo menos foi o que pensei. Tinha me esquecido dos outros anjos.
Pelo menos até que fui abruptamente puxada para baixo das ondas por dois pares de mãos que se enrolaram nos meus tornozelos.
Deixe-me esclarecer uma coisa aqui. Ainda que para o resto da humanidade os fantasmas não tenham matéria - a maioria de vocês anda através deles o tempo todo e nem sabe; talvez sinta um ponto frio, ou um arrepio estranho, como Kelly e Debbie no mercadinho -, para um mediador eles são definitivamente feitos de carne e osso. Como foi ilustrado pelo meu soco na cara de Josh.
Mas como não têm matéria em termos humanos, os fantasmas precisam contar com métodos mais criativos para fazer mal às suas vítimas do que, digamos, enrolar as mãos no pescoço delas. Por esse motivo Josh estava usando algas. Ele podia segurar a corda de algas - com algum esforço, como a cerveja no mercadinho. E podia enrolar a alga no pescoço de Michael. Missão cumprida.
Eu, por outro lado, sendo mediadora, não estava sujeita às leis que governam o contato entre humanos e fantasmas, e, assim, eles rapidamente fizeram uso de sua vantagem inesperada.
Certo, eu percebi naquela hora que tinha cometido um tremendo erro. Uma coisa é lutar contra os bandidos em terra, onde, devo admitir, tenho bastante recursos, e - sinto que posso dizer sem cantar vantagem - sou bem ágil.
Mas uma coisa totalmente diferente é tentar lutar contra algo embaixo d'água. Particularmente contra algo que não precisa respirar com tanta freqüência quanto eu. Os fantasmas respiram - alguns hábitos são difíceis de superar - mas não precisam, e algumas vezes, se estiverem mortos há tempo suficiente, percebem isso. Os Anjos da RLS não estavam mortos há muito tempo, mas tinham morrido embaixo d'água, de modo que podemos dizer que tiveram uma vantagem inicial sobre seus colegas espectrais.
Dadas essas circunstâncias, vi minha situação progredindo de dois modos possíveis: ou eu desistia, deixava os pulmões se encherem de água e afundava, ou ia pirar de vez, acertar qualquer coisa que se aproximasse de mim e fazer com que aqueles fantasmas lamentassem não terem ido para a luz.
Não creio que seja grande surpresa para ninguém - com a exceção de mim mesma, talvez - que eu tenha escolhido a segunda opção.
Percebi - apesar de ter demorado um pouco; eu estava bem desorientada - que as mãos envoltas nos meus tornozelos eram ligadas a corpos, os quais, presumivelmente, estavam ligados a cabeças. Não há nada tão desagradável, sei por experiência, como um pé na cara. E assim, prontamente, e com toda a força, chutei na direção em que eu supunha que esses rostos estariam, e me senti gratificada ao sentir os macios ossos faciais cederem sob meus calcanhares.
Então dei uma braçada forte, já que os braços ainda estavam livres, e rompi a superfície da água, engolindo um monte de ar - e verificando se Michael tinha se afastado em segurança. Vi que sim; o salva-vidas estava rebocando-o de volta à praia - antes de eu mergulhar de novo à procura dos agressores.
Achei-os facilmente. Ainda estavam usando roupa de baile, e os vestidos das garotas flutuavam em volta delas como algas. Agarrei um deles, puxei e vi, na água escura, o rosto espantado de Felicia Bruce. Antes que ela tivesse chance de reagir, enfiei um polegar em seu olho. Ela gritou, mas como estávamos embaixo d'água não ouvi nada. Só vi uma trilha de bolhas subindo para a superfície.
Então alguém me agarrou por trás. Reagi jogando a cabeça para trás com o máximo de força possível, e fiquei satisfeita ao sentir meu crânio fazer um contato muito duro com a testa do agressor. As mãos que estavam me segurando soltaram instantaneamente, e eu girei e vi Mark Pulsford nadando depressa para longe. Grande jogador de futebol americano ele tinha sido, se não conseguia suportar uma simples cabeçada.
Senti a necessidade urgente de respirar, por isso segui as últimas bolhas do grito de Felicia e cheguei à superfície no mesmo instante que os fantasmas.
Todos chegamos à tona: eu, Josh, Felicia, Mark e Carrie, de rosto muito branco.
- Ah, meu Deus - disse Carrie. Seus dentes, diferentemente dos meus, não estavam batendo. - É aquela garota. A garota do Jimmy's. Eu disse que ela consegue ver a gente.
Josh, cujo nariz quebrado tinha saltado de volta ao lugar, como num desenho animado, mesmo assim estava cauteloso comigo. Ainda que por acaso você esteja morto, ter o nariz quebrado dói de montão.
- Ei - disse ele enquanto eu boiava. - Essa guerra não é sua, certo? Fique fora dela.
Tentei dizer: "Ah, é? Bem, escutem. Eu sou a mediadora, e vocês têm uma opção: podem prosseguir para a próxima vida com os dentes no lugar ou sem dentes. O que vai ser?"
Só que meus dentes estavam chacoalhando tanto que só saiu um punhado de barulhos esquisitos que pareceram: "Aeh? Xcu. Esmedora e..."
Já deu para sacar.
Como a técnica do padre Dominic - o diálogo - não parecia estar funcionando naquela situação específica, abandonei-a. Em vez disso estendi a mão e peguei a corda de alga com a qual eles tinham tentado estrangular Michael e enrolei o pescoço das duas garotas, que estavam boiando perto uma da outra e de mim. Elas ficaram extremamente surpresas ao se verem laçadas como duas vacas.
E não posso dizer realmente o que eu estava pensando, mas provavelmente é seguro dizer que meu plano - ainda que bolado meio ao acaso - envolvia rebocar as duas de volta à praia onde pretendia enchê-las de porrada.
Enquanto as garotas agarravam o pescoço tentando escapar, os garotos partiram para mim. Não me importei. De repente estava furiosa. Eles tinham arruinado meu belo momento na praia e tentado afogar o cara com quem eu ia sair. Certo, eu não gostava particularmente de Michael, mas certamente não queria vê-lo afogado diante dos olhos - ainda mais agora que sabia como ele era um deus por baixo do suéter.
Segurando as garotas com uma das mãos, estendi a outra e consegui agarrar Josh pelos - o que poderia ser? - pêlos curtos da nuca.
Ainda que isso tenha se mostrado bastante eficaz - ele começou imediatamente a se sacudir com dor - eu tinha deixado duas coisas de lado. Uma era Mark, que continuava nadando livre. A outra era o oceano, que ainda jogava ondas para cima de mim. Qualquer pessoa sensata estaria observando essas coisas, mas eu, na fúria, não estava.
E foi por isso que, um segundo depois, fui prontamente sugada para baixo.
Vou lhe contar, provavelmente há modos mais agradáveis de morrer do que com os pulmões cheios de água salgada. Isso queima, sabe? Puxa, afinal de contas, é sal.
E engasguei com um bocado dela, graças primeiro à onda que me deu um caldo. E depois engoli muito mais quando Mark agarrou meu tornozelo e me manteve no fundo.
Uma coisa tenho de admitir sobre o oceano: lá embaixo é bem calmo. Verdade. Sem gaivotas gritando, ondas estourando, gritos dos surfistas. Não, embaixo do mar é só você, a água e os fantasmas que estão tentando lhe matar.
Porque, claro, eu continuava segurando as pontas da corda de alga usada para rebocar as garotas. E não tinha soltado o cabelo de Josh.
Descobri que meio que gostava ali de baixo. Não era tão ruim, verdade. Não fosse pelo frio, o sal e a percepção horrível de que, a qualquer momento, um tubarão de seis metros podia vir por baixo e arrancar minha perna, era, bem, quase agradável.
Acho que perdi a consciência por alguns segundos. Tipo, eu tinha de estar mesmo inconsciente para ficar segurando aqueles fantasmas estúpidos com tanta força e pensar que ser mantida sob toneladas e toneladas de água salgada era agradável.
A próxima coisa que eu soube foi que alguma coisa estava me puxando, e não era um dos fantasmas. Estava sendo puxada para a superfície, onde dava para ver os últimos raios do sol cintilando sobre as ondas. Olhei para cima e fiquei surpresa ao ver um clarão de laranja e um monte de cabelos louros. Ora, pensei, maravilhada, é aquele lindo salva-vidas. O que está fazendo aqui?
E então fiquei bastante preocupada com ele, porque, claro, havia um bocado de fantasmas sedentos de sangue por perto, e era totalmente possível que um deles tentasse machucá-lo.
Mas quando olhei em volta descobri, para minha perplexidade, que todos tinham desaparecido. Eu ainda estava segurando a corda de alga e minha outra mão continuava agarrando o cabelo de alguém. Mas não havia nada ali. Só água do mar.
Covardes, pensei. Covardes sujos. Enfrentaram a mediadora e descobriram que não agüentavam, não é? Bem, que isso sirva de lição! Ninguém mexe com uma mediadora.
E então eu fiz uma coisa que provavelmente será uma infâmia eterna para os mediadores.
Apaguei.
0 comentários:
Postar um comentário