12. Dezembro: Ai, Deus

SEGUNDA-FEIRA, 4 DE DEZEMBRO

58kg (hum, tenho de emagrecer antes que chegue a comilança natalina), 3 modestas unidades
alcoólicas, 7 beatíficos cigarros, 3.876 calorias (ai), 6 ligações para o 1471 para saber se
Mark Darcy tinha ligado (b.).

Fui ao supermercado e, não sei por quê, fiquei pensando sem parar em árvores de Natal,
lareiras, cânticos de Natal, pasteizinhos de carne etc. Depois percebi por quê. Os
respiradouros do supermercado costumam soltar um cheiro de pão assado, mas hoje o cheiro
era de pasteizinhos natalinos. É incrível como os comerciantes são descarados. Lembrei do
meu poema preferido de Wendy Cape, que diz:
No Natal, as crianças cantam, os sinos tocam.
O ar frio do inverno faz nossas mãos e rostos ficarem gelados.
Felizes,as famílias vão para a igreja, se envolvem na alegria.
E a coisa toda vira um horror se você está sozinha.
Até agora, nada de Mark Darcy.

TERÇA-FEIRA, 5 DE DEZEMBRO

58kg (certo, vou começar mesmo uma dieta hoje), 4 unidades alcoólicas (início da estação
festiva), 10 cigarros (excelente), 3.245 calorias (melhor), 6 ligações para o 1471 (franco
progresso).

É uma distração olhar os catálogos de roupas e acessórios que vêm encartados dentro dos
jornais. Gostei principalmente do apoiador de metal prateado para óculos, justificado com a
seguinte legenda: "Os óculos costumam ser colocados de qualquer jeito sobre a mesa, o que é
um convite para acidentes." Concordo plenamente. Outro acessório é o interessante chaveiro
Gato Preto, com um mecanismo simples que, "ao acender uma luzinha vermelha, ilumina a
fechadura de toda pessoa que adore gatos". E os conjuntos de bonsai! Que graça. "Pratique a
antiga arte bonsai com esta caixinha de mudas de árvores-da-seda rosa originárias da Pérsia."
Lindo, lindo demais.
Fico triste porque meu romance com Mark Darcy, que brotava como uma muda de árvoreda-
seda rosa, foi arrancado pela raiz por Marco Pierre White e minha mãe. Mas estou
tentando encarar tudo de uma ótica filosófica. Talvez Mark Darcy seja perfeito e certinho
demais para mim, com sua competência e inteligência. Além de não ser fumante, não bebe e
tem carros com motorista. Pode ser desígnio de Deus: vou acabar achando um homem mais
extravagante, mais mundano e mais light. Como Marco Pierre White, por exemplo, ou, só
para citar um nome completamente ao acaso, Daniel. Humm. É. Tenho de seguir em frente,
não posso ficar com pena de mim.
Liguei para Sharon, que disse que não é desígnio nenhum que eu tenha de ficar com Marco
Pierre White e muito menos com Daniel. A única coisa de que uma mulher moderna e atual
precisa é dela mesma. Viva!
2h. da manhã. Por que Mark Darcy não me ligou? Por quê? Por quê? Vou acabar sendo
devorada por um pastor- alemão, apesar de todos os esforços para evitar que isso ocorra.
Deus, por que eu?

SEXTA-FEIRA, 8 DE DEZEMBRO

59,4kg (desastre), 4 unidades alcoólicas (b.), 12 cigarros (excelente), 0 presente de Natal
comprado (ruim), 0 cartão enviado, 7 ligações para o 1471.

16h. Humm. Jude acaba de telefonar e, quando nos despedimos, disse:
— Vejo você domingo, na casa de Rebecca.
— Rebecca? Domingo? Que Rebecca? Onde?
— Ah, você não foi...? Ela está só reunindo alguns ... Acho que é uma espécie de jantar
pré-Natal.
— De todo jeito, já tenho compromisso no domingo - menti. Finalmente, uma boa
oportunidade para espanar todos os cantinhos de casa. Eu pensava que Jude e eu tivéssemos a
mesma amizade em relação a Rebecca, mas então por que ela convidou Jude e não eu?
21h. Fui ao bar 192 tomar um vinho com Sharon e ela perguntou:
— O que você vai usar na festa de Rebecca?
Festa? Então é uma festa mesmo.
Meia-noite. Deixa para lá. Melhor não me chatear com isso. É o tipo da coisa que não tem
mais importância na vida. As pessoas deviam convidar quem elas querem e os outros não
devem ficar de mau humor por causa disso.
5h30. da manhã. Por que Rebecca não me convidou para a festa dela? Por quê? Por quê? Para
quantas outras festas todo mundo foi convidado menos eu? Aposto que neste exato momento
estão todos numa festa, rindo e bebendo champanhe caro. Ninguém gosta de mim. O Natal vai
ser um deserto de festas, exceto as três festas que tenho no mesmo dia, 20 de dezembro,
quando vou passar a noite inteira na sala de edição.

SÁBADO, 9 DE DEZEMBRO

0 convites para festas de Natal.
7h45. Mamãe me acordou.
— Alô, querida. Estou ligando rápido porque Una e Geoffrey perguntaram o que você quer
de presente de Natal e eu pensei numa sauna facial.
Como é que minha mãe pode – depois de cair em desgraça e por pouco não ser condenada
a muitos anos de prisão - ficar exatamente como era antes, flertando com policiais e me
torturando.
— Por falar nisso, você vai ... - por um segundo, tive um sobressalto só de pensar que ela
ia dizer "ao bufê de peru ao curry e com isso trazer à baila o nome de Mark Darcy. Mas não:
ela queria saber se terça-feira vou a festa da TV Vibrante. — Vai? - quis saber, entusiasmada.
Fiquei morta de humilhação. Meu Deus, eu trabalho na TV Vibrante.
— Não fui convidada - murmurei. Não há nada pior do que ter de admitir para sua mãe que
você não é uma pessoa popular.
— Ah, querida, claro que você foi convidada. Todo mundo foi.
— Eu não fui.
— Bom, vai ver que é porque você trabalha lá há pouco tempo.
— Mas mamãe, você nem trabalha lá.
— Meu caso é diferente, querida. Bom, estou com pressa. Tchau!
9h. Breve oásis emocional ao receber um envelope pelo correio, mas trata-se de uma
miragem: convite para a venda especial de maquiagem de olhos.
11h30. Liguei para Tom em desespero paranóico para ver se ele queria sair à noite.
— Sinto muito, Jerome e eu vamos numa festa no Clube Groucho - desculpou-se, com uma
vozinha cantante.
Ai, Deus, detesto quando Tom está feliz, seguro e de bem com Jerome. Prefiro muito mais
quando está péssimo, inseguro e deprimido. Como ele sempre diz: "É tão bom quando tudo
vai mal com os outros."
— Vejo você amanhã, então - disse ele, tentando compensar -, na casa de Rebecca.
Tom só viu Rebecca duas vezes na vida, ambas na minha casa, e eu a conheço há nove
anos. Resolvi fazer compras e parar de pensar nisso.
14h. Dei de cara com Rebecca na Graham and Greene, comprando uma echarpe por 169
libras. (O que está acontecendo com as echarpes? Uma hora elas são vendidas por quilo e
custam 9,99 libras; outra hora, são de um veludo divino e têm o mesmo preço de um aparelho
de televisão. No ano que vem isso decerto vai acontecer com as meias ou as calças e vamos
nos sentir por fora se não estivermos com calcinhas de veludo negro que custaram 145 libras
na loja English Eccentrics.)
— Olá - cumprimentei, animada, achando que finalmente ia acabar com o problema da
festa e ela também diria: "Vejo você no domingo."
— Ah, oi - respondeu ela, friamente, sem me olhar. — Não posso conversar, estou com
muita pressa.
Ela saiu da loja, onde estava tocando a música “Castanhas assando na fogueira", e fiquei
olhando para um fantástico coador do famoso designer Phillipe Starck que custava 185 libras,
mal contendo as lágrimas. Detesto Natal. Tudo é programado para a família, o afeto, o
aconchego, o sentimento, os presentes, e se você não tem namorado nem dinheiro, se sua mãe
está saindo com um português ladrão e foragido, e seus amigos não querem mais ser seus
amigos, dá vontade de emigrar para um desses horríveis países muçulmanos onde pelo menos
todas as mulheres são consideradas párias. Não tem problema. Vou passar o fim de semana
lendo um livro tranqüilamente e ouvindo música clássica. Talvez leia Estrada dos famintos.
20h30. Encontro marcado estava ótimo. Vou pegar mais uma garrafa de vinho.

SEGUNDA-FEIRA, 11 DE DEZEMBRO

Cheguei do trabalho e encontrei um recado ríspido na secretária.
— Bridget. Aqui é Rebecca. Sei que você está trabalhando na tevê. Sei que agora tem
grandes festas para ir todas as noites mas, mesmo assim, acho que poderia ter a gentileza de
responder ao convite de uma amiga, apesar de você estar importante demais para se dignar a ir
à festa dela.
Liguei para Rebecca na mesma hora, mas nem a secretária eletrônica atendia. Resolvi ir até
a casa dela deixar um bilhete e, descendo a escada do meu prédio, encontrei Dan, o
australiano que mora no andar de baixo e do qual escapei em abril.
— Oi. Feliz Natal - disse ele, animado. — Você pegou sua correspondência?
Olhei-o sem entender o que estava dizendo.
— Tenho colocado embaixo da sua porta para você não ter de descer de camisola para
pegar de manhã, morrendo de frio.
Subi a escada correndo, levantei o capacho e embaixo dele, como um milagre natalino,
havia uma pilha de cartões, cartas e convites todos endereçados a mim. A mim, a mim, a mim.

QUINTA-FEIRA, 14 DE DEZEMBRO

58,5kg, 2 unidades alcoólicas (ruim, pois não bebi nada ontem – amanhã tenho que
compensar o que já bebi para evitar um ataque cardíaco), 14 cigarros (será ruim? Ou bom?

Dizem que uma pequena quantidade de nicotina no sangue pode ser bom, desde que a pessoa
não fume sem parar), 1.500 calorias (excelente), 4 bilhetes de loteria (ruim, mas seria bom se
o dono da Virgin Store, Richard Branson, tivesse ganhado sua fortuna numa loteria sem fins
lucrativos), 0 cartão enviado, 0 presente comprado, 5 ligações para o 1471 (excelente).
Festas, festas, festas! E Matt, colega da redação, acaba de ligar perguntando se vou ao almoço
de Natal na terça-feira. Não pode estar interessado em mim, tenho idade para ser tia-avó dele,
mas então por que ligou à noite para me convidar? E por que perguntou com que roupa eu
estava? Não devo ficar muito animada e nem deixar que a festa e o telefonema do rapaz me
subam à cabeça. É melhor lembrar do velho ditado que diz que gato escaldado tem medo de
água fria e também que onde se ganha o pão não se come a carne. E recordar o que aconteceu
na última vez em que me meti com um frangote: passei pela humilhação de ouvir Gav dizer:
"Ah, você é toda fofa." Humm. O sexualmente emocionante almoço de Natal será seguido de
uma noite numa discoteca (para o editor, é esse o ideal de diversão). O fato exige uma
criteriosa escolha de roupa. Acho melhor ligar para Jude.

TERÇA-FEIRA, 19 DE DEZEMBRO

60,3kg (mas tenho quase uma semana para perder 3 quilos até o Natal), 9 unidades
alcoólicas (sofrível), 30 cigarros, 4.240 calorias, 1 bilhete de loteria (excelente), 0 cartão
enviado, 11 cartões recebidos, incluindo 1 do jornaleiro, 1 do gari, 1 dos funcionários da
garagem Peugeot e 1 do hotel onde passei uma noite, quatro anos atrás, em uma viagem de
trabalho. Sou uma pessoa pouco popular, ou vai ver que este ano todo mundo está enviando
seus cartões mais tarde.

9h. Ai, Deus, estou me sentindo horrível: com uma acidez no estômago causada pela ressaca e
hoje é o dia do almoço na discoteca. Não posso ficar assim. Vou explodir por causa de tantas
obrigações que deixei de cumprir, parece até revisão para provas de final de ano. Não
consegui mandar os cartões nem fazer as compras de Natal, exceto as coisas que comprei
correndo ontem na hora do almoço, quando vi que aquela noite na casa de Magda e Jeremy
seria a última vez que eu ia encontrar as garotas antes do Natal.
Detesto troca de presentes entre amigos porque, ao contrário da família, não há como saber
quem vai ou não dar presentes e se estes devem ser uma lembrancinha ou um presente
mesmo, então tudo se transforma numa terrível troca de cartas marcadas. Há dois anos,
comprei para Magda uns brincos lindos na Dinny Hall e ela ficou sem graça porque não tinha
comprado nada para mim. No ano passado, então, não comprei nada para ela e ela me
comprou um vidro do caríssimo perfume Coco Chanel.
Este ano comprei para ela um vidro grande de óleo de açafrão com champanhe e uma
saboneteira de arame trançado e ela ficou gaguejando aquelas mentiras de sempre, de ainda
não ter feito as compras de Natal. No ano passado, Sharon me deu uma espuma de banho
numa embalagem em forma de Papai Noel, então na noite passada dei para ela um vidro de
algas marinhas da Body Shop e uma geléia para passar no banho e ela me deu uma bolsa. Eu
tinha levado um embrulho extra com um vidro de azeite fino como presente neutro de
emergência mas ele caiu do meu casaco e quebrou em cima do tapete da Magda da loja
Conran.
Argh. Seria ótimo se o Natal apenas fosse, sem trocas de presentes. É uma coisa tão idiota,
todo mundo se estressando, gastando rios de dinheiro em coisas inúteis que as pessoas jamais
usarão: os presentes deixaram de ser provas de afeto para virarem uma angustiada solução
para problemas. (Humm. Mas tenho de admitir que adorei ganhar uma bolsa nova.) O que
adianta o país inteiro ficar correndo durante seis semanas, de mau humor, preparando-se para
um inútil teste sobre qual será o gosto dos outros, no qual o país inteiro é reprovado e depois
fica com coisas horrendas e indesejadas? Se acabassem com os presentes e os cartões, então o
Natal passaria a ser como um animado festival pagão para distrair as pessoas do inverno
deprimente.
Mas se o governo, as instituições religiosas, os pais, a tradição etc. insistem que se não
houver recolhimento do imposto sobre presentes de Natal o país vai se arruinar, por que não
obrigar cada pessoa a sair e gastar 500 libras em presentes para si mesma, depois distribuir
para os parentes e amigos embrulharem e darem para elas, em vez desse tormento
psicológico?
9h45. Mamãe ligou.
— Querida, estou telefonando para dizer que este ano resolvi não dar presentes para
ninguém. Você e Jamie agora já sabem que Papai Noel não existe e todos nós estamos muito
ocupados. Este ano vamos apenas ter o prazer de nos reunir.
Mas sempre ganhamos presentes de Papai Noel em sacos colocados na beira da cama. O
mundo agora ficou sem graça e cinzento. Não vai parecer o mesmo Natal de sempre.
Ai, Deus, melhor eu ir trabalhar - mas não vou beber nada no almoço na discoteca, só vou
ser simpática e profissional com Matt, ficar lá até as 15h30, depois sair e voltar para escrever
meus cartões de Natal em casa.
2h. da manhã. Clarque tudo bem - todo mundo bebe nas festas de Natal do trabalho. Bem
divertido. Tende dormi nvonem tirarrop.

QUARTA-FEIRA, 20 DE DEZEMBRO

5h30. da manhã. Ai, Deus. Ai, Deus. Onde estou?

QUINTA-FEIRA, 21 DE DEZEMBRO

58,5kg (na verdade, não tenho motivo de emagrecer até o Natal já que estou tão
empanturrada – em qualquer momento a partir da ceia de Natal é perfeitamente aceitável
recusar comida, já que está todo mundo empanturrado. Aliás, acho que é a única época do
ano em que comer não é problema).

Passei os últimos dez dias num estado de permanente ressaca e levando uma subvida, sem
fazer as refeições direito nem comer pratos quentes.
O Natal é uma espécie de guerra. Fazer compras na Oxford Street é algo que me ameaça.
Será que a Cruz Vermelha ou os alemães vão chegar e me descobrir? Argh. São 10 horas da
manhã. Não fiz as compras de Natal. Não mandei os cartões. Tenho de ir trabalhar. Certo,
nunca, mas nunca mais na vida eu vou beber. Argh, telefone.
Argh. Era mamãe, mas podia muito bem ser Goebbels tentando me convencer a invadir a
Polônia.
— Querida, estou ligando só para saber a que horas você vai chegar na sexta à noite.
Com incrível competência, mamãe planejou um Natal familiar cheio de afeto: ela e papai
estão fazendo de conta que nada aconteceu o ano inteiro, uma atitude "para o bem das
crianças", isto é, eu e Jamie, que tem 37 anos.
— Mãe, acho que já falamos sobre isso: não vou para sua casa na sexta-feira, vou na noite
de Natal. Lembra que combinamos tudo? Naquela primeira vez que você ligou, em agosto ...
— Ah, não seja boba, querida. Você não vai ficar sozinha no seu apartamento o fim de
semana inteiro quando estamos em época de Natal. O que vai comer?
Argh. Detesto essas coisas. Como se, pelo simples fato de ser solteira, você não tivesse um
lar, amigos ou compromissos, e é considerada egoísta por se recusar a ficar à disposição de
todos o Natal inteiro e feliz porque vai dormir torta num saco de dormir no quarto dos
adolescentes, descascar batatas o dia inteiro para 50 pessoas e ser gentil com pervertidos a
quem chama de tios, enquanto eles ficam olhando seus peitos.
Já meu irmão pode ir e vir quando bem entende, todo mundo acha ótimo e compreensível
só porque ele consegue viver com uma eco-chata praticante de tai chi chuan. Honestamente,
eu preferia tocar fogo no meu apartamento a ficar nele com Becca, a namorada de Jamie.
É espantoso minha mãe não demonstrar gratidão a Mark Darcy por ele ter resolvido tudo
para ela. Pelo contrário: ele passou a fazer parte daquele assunto que não deve ser comentado,
isto é, o grande drama do condomínio, e ela se comporta como se ele jamais tivesse existido.
Tenho certeza de que ele teve um bocado de trabalho para conseguir recuperar o dinheiro de
todo mundo. Mark Darcy é uma pessoa ótima. Boa demais para mim, claro.
Ai, Deus. Tenho de colocar um lençol na cama. É horrível dormir num colchão todo cheio
de botões. Mas onde estão os lençóis? Gostaria de comer alguma coisa.

SEXTA-FEIRA, 22 DE DEZEMBRO

Agora que o Natal está chegando, sinto uma espécie de ternura em relação a Daniel. É
inacreditável eu não ter recebido um cartão de Natal dele (embora eu também não tenha
conseguido mandar nenhum até agora). Parece estranho ter estado tão próxima dele o ano
inteiro e não ter mais nenhum contato. Isso é muito triste. Talvez Daniel tenha virado um
judeu ortodoxo. Talvez amanhã Mark Darcy telefone para me desejar Feliz Natal.

SÁBADO, 23 DE DEZEMBRO

58,9kg, 12 unidades alcoólicas, 38 cigarros, 2.976 calorias, 0 amigo ou pessoa querida para
me cumprimentar nessa época festiva.

18h. Resolvi ser uma solteira sozinha em casa, igualzinha à princesa Diana depois do
divórcio.
18h05. Onde estão as pessoas? Imagino que estejam todas com seus namorados ou em casa,
confraternizando com a família. Mas é uma oportunidade para fazer tudo o que preciso ... ou
eles têm suas próprias famílias. Bebês. Criancinhas de pijamas, rechonchudas, bochechas
rosadas, olhando animadas para a árvore de Natal. Ou vai ver que estão todos numa grande
festa, menos eu. Não tem importância, tenho um monte de coisas a fazer em casa.
18h15. Não tem importância. Falta só uma hora para começar o Encontro marcado.
18h45. Ai, Deus, estou tão sozinha. Até Jude me esqueceu. Ela ligou a semana inteira,
apavorada porque não sabia o que comprar para Richard o Vil. Não quer nada muito caro
porque dá a impressão de que o caso está ficando sério ou que ela está tentando humilhá-lo
(boa idéia, se ela quer saber). O presente também não pode ser nada para vestir, já que essa
área é um convite aos problemas, podendo fazer Richard o Vil se lembrar da última
namorada, Jilly a Vil (para quem ele não quer voltar, mas finge ainda gostar para não ter de
ficar com Jude - verme). A última idéia dela era dar uma garrafa de uísque junto com outros
presentinhos para não parecer pão-dura ou neutra - talvez junto com moedas de chocolate e
tangerinas. Tudo depende da forma como Jude encara a cena Meias Dependuradas na Lareira:
uma coisa tão exageradamente chata que chega a dar náusea ou, pelo contrário, algo muito
elegante em sua pós-modernidade.
19h. Situação de emergência: Jude telefonou chorando. Vem para cá. Richard o Vil voltou
para Jilly a Vil. Jude culpa os presentes. Ainda bem que fiquei em casa. Devo ser uma
emissária do Menino Jesus para ajudar os perseguidos no Natal por essa espécie de Herodes,
isto é, Richard o Vil. Jude vai chegar às sete e meia.
19h15. Droga. Tom telefonou e com isso perdi o começo de Encontro marcado. Está vindo
para cá. Jerome, que tinha voltado para ele, terminou o caso e voltou para o ex-namorado que
faz parte do coro do musical Cats.
19h17. Simon vem para cá. A namorada dele voltou para o marido. Graças a Deus fiquei em
casa, assim posso receber os amigos chutados por seus respectivos casos como se eu fosse a
Rainha de Copas ou a Deusa da Bondade. Mas sou uma pessoa assim mesmo: gosto de gostar
dos outros.
20h. Viva! Um milagre natalino. Daniel acaba de ligar dizendo com a voz enrolada:
— Jonesh. Eu te amo, Jonesh. Cometi um erterrível. A idiota da Suki é de plástico. Peitos
sempre apontando para o norte. Eu te amo, Jonesh. Vou aparecer na sua casa para dar uma
olhada na sua saia.
Daniel: o maravilhoso, confuso, sexy, maravilhoso, engraçado. Daniel.
Meia-noite. Argh. Nenhum deles apareceu. Richard o Vil mudou de idéia e voltou para Jude.
O mesmo em relação a Jerome e à namorada de Simon. Tudo não passou de uma exasperação
emocional do espírito natalino que fez todo mundo ficar inseguro a respeito de ex-casos.
Melhor nem falar em Daniel, que ligou às dez da noite para dizer:
— Escute, Bridge. Você sabe que todo sábado à noite eu assisto ao jogo na tevê, não?
Posso ir amanhã antes do jogo?
Incrível? Fantástico? Extraordinário?
1h. da manhã. Estou completamente só. O ano foi um fracasso total.
5h. da manhã. Droga, não tem importância. Talvez o Natal não vá ser uma chatice. Talvez
meus pais apareçam na manhã seguinte, de mãos dadas, meio sem graça, dizendo: "Crianças,
precisamos conversar uma coisa com vocês", e eu poderia ser dama de honra na cerimônia de
confirmação de votos conjugais.

24 DE DEZEMBRO

NOITE DE NATAL

58,9kg, 1 mísera taça de xerez, 2 cigarros sem a menor graça, já que fumados escondido, na
janela, cerca de um milhão de calorias, 0 pensamento festivo.

Meia-noite. Estou meio confusa sobre o que é real ou não. Tem uma fronha de travesseiro na
beira da minha cama que mamãe colocou antes de ir dormir, dizendo: "Vamos ver se Papai
Noel vem." A fronha agora está cheia de presentes. Mamãe e papai estão separados e
pensando em se divorciar, mas dormindo na mesma cama. Por outro lado, meu irmão e a
namorada, que moram juntos há quatro anos, estão em quartos separados. Não sei direito por
que tudo isso, a não ser que seja para não preocupar a vovó que a) está maluca e b) ainda não
chegou. A única coisa que me mantém ligada ao mundo real é que, mais uma vez, estou
passando o Natal de um jeito humilhante: dormindo sozinha numa cama de solteiro na casa de
meus pais. Talvez papai esteja neste instante tentando transar com mamãe. Argh, argh. Não,
não. Por que o cérebro da gente pensa essas coisas?

SEGUNDA-FEIRA, 25 DE DEZEMBRO

59,4kg (ai, Deus, virei um Papai Noel, um pudim de Natal, ou similar), 2 unidades alcoólicas
(completa vitória), 3 cigarros (idem), 2.657 calorias (quase só molhos), 12 presentes de Natal
sem nada a ver comigo, 0 presente de Natal com alguma coisa a ver comigo, 0 reflexão
filosófica a respeito de uma Virgem dar à luz, número de anos desde que não sou mais
virgem, hum.

Desci para a sala, esperando que meu cabelo não estivesse com cheiro de cigarro. Mamãe e
Una trocavam opiniões políticas e punham enfeites na ponta das couves-de-bruxelas.
— Ah, sim, eu acho aquele homem - como é que ele se chama? – muito bom.
— É, quer dizer, mas ele se meteu naquela - como é que se chama? - maracutaia que
ninguém esperava, não?
— Ah, mas então é melhor você tomar cuidado porque pode acabar tendo um problema
como aquele - como é mesmo o nome dele? - que costumava perseguir os mineiros. Mas sabe
de uma coisa? Salmão defumado não me faz bem, sinto uma azia, principalmente depois que
comi muita castanha-do-pará com cobertura de chocolate. Ah, olá, querida - disse mamãe,
quando apareci. — O que você vai usar no Dia de Natal?
— Isto aqui - murmurei, de mau humor. .
— Ah, não seja boba, Bridget. você não pode usar isso no Dia de Natal. Não vai aparecer
na sala para cumprimentar tia Una e tio Geoffrey antes de mudar de roupa? - perguntou, com
aquela vozinha especial de não-está-tudo-ótimo? que significa "Faça o que estou dizendo ou
passo o espremedor elétrico Magimix em você".
— Olá, como está, Bridget? Como vão os namorados? - brincou Geoffrey, dando um
daqueles abraços especiais, ruborizando e puxando o cós da calça para cima.
— Ótimos.
— Quer dizer que você ainda não arrumou um namorado. Arre! O que a gente faz com
você?
— Isso é um biscoito de chocolate? - perguntou vovó, olhando para mim.
— Levante os ombros, querida - segredou mamãe.
Meu Deus, por favor, me ajude. Quero ir para casa. Quero minha vida de volta. Não me
sinto adulta, parece que sou uma adolescente que todo mundo fica irritando.
— Então como é que vai fazer em relação a bebês, Bridget? - quis saber Una.
— Ah, olha só, um pênis - disse vovó, segurando um tubo gigante de chocolate Smarties.
— Vou trocar de roupa - avisei, sorrindo sem graça para mamãe. Corri para o quarto, abri a
janela e acendi um Silk Cut. Vi a cabeça de Jamie na janela do andar de baixo, também
fumando. Dois minutos depois a janela do banheiro abriu e uma cabeça ruiva apareceu e
acendeu um também. Era a droga da mamãe.
Meia-noite e meia. A troca de presentes foi um pesadelo. Faço sempre uma festa com cada
presente horrível que recebo, dou gritinhos de alegria, por isso a cada ano recebo mais
presentes horrendos. Quando eu trabalhava na editora, a namorada de meu irmão me deu uma
série de terríveis escovas de roupa, calçadeiras e enfeites de cabelo em forma de livro. Este
ano ela me deu uma claquete magnética para geladeira. Una, para quem cada tarefa doméstica
exige uma engenhoca útil e prática, me deu uma série de minichaves de fenda que cabem em
diversos tipos de tampas de jarro ou garrafas na cozinha. E mamãe, que me dá presentes para
tentar fazer com que minha vida fique mais parecida com a dela, me deu um fogareiro de uma
boca.
— Basta você refogar os temperos antes de ir para o trabalho e colocar alguns legumes na
panela. (Será que ela tem idéia que há certas manhãs em que é difícil tomar um copo d'água
sem vomitar?)
— Ah, olha só. Não é um pênis, é um biscoito comprido - constatou vovó.
— Pam, acho que vamos ter de passar esse molho na peneira - disse Una, saindo da
cozinha com uma panela na mão.
Ai, não, por favor. Agora chega.
— Acho que não precisa, querida - disse mamãe, falando cuspindo. — Você já mexeu bem
o molho?
— Não fique me ensinando, Pam - disse Una, sorrindo de um jeito ameaçador. Elas se
posicionaram como se fossem dois lutadores. Essa história do molho se repete todo ano.
Felizmente, algo interrompeu a luta iminente: um barulho e um grito quando uma pessoa
entrou pela porta envidraçada. Era Julio.
Todo mundo se assustou e Una deu um grito.
Ele estava barbado, segurando uma garrafa de xerez. Foi cambaleando até papai e
levantou-o do chão.
— Você dormiu com minha mulher.
— Ah, Feliz Natal, ahn ... Posso lhe oferecer um xerez? - cumprimentou papai. — Ah, vejo
que já tem. Muito bem. Aceita um pastelzinho de carne?
— Você dormiu com minha mulher - disse Julio, ameaçador.
— Ele é tão latino, rá-rá-rá - comentou mamãe de um jeito coquete enquanto todo mundo
ficava olhando apavorado. Sempre vi Julio limpo, bem penteado e com uma bolsa masculina.
Agora estava desarrumado, bêbado e, para ser sincera, exatamente do jeito que eu gosto. Não
era de estranhar que mamãe parecesse mais excitada do que constrangida.
— Julio, seu bobo - arrulhou ela. Ai, Deus, ela ainda gostava dele.
— Você dormiu com ele - disse Julio, dando uma cuspida no tapete chinês e subindo para
o primeiro andar.
Mamãe foi atrás, dando um gritinho para nós:
— Papai, por favor, pode trinchar o peru e chamar as pessoas para a mesa?
Ninguém se mexeu.
— Muito bem, gente - disse papai, com uma voz tensa, séria e máscula. — Tem um
criminoso perigoso lá em cima fazendo Pam de refém.
— Ah, se quer saber, acho que ela não está ligando – opinou vovó num raro e inadequado
instante de lucidez. — Ah, olha só, tem um biscoito no meio das dálias.
Olhei pela janela e quase caí dura. Lá estava Mark Darcy, firme como uma autoridade,
atravessando o gramado e entrando pela porta envidraçada. Estava suado, sujo, com o cabelo
desgrenhado, a camisa aberta. Opa, opa!
— Fiquem todos calmos e quietos, como se estivesse tudo normal - disse, tranqüilo.
Estávamos todos tão apalermados e ele tão seguro que fizemos o que disse, parecendo
zumbis hipnotizados.
— Mark - sussurrei, quando passei por ele com o molho. — O que você está dizendo? Não
tem nada normal.
— Não sei se Julio é uma pessoa violenta. A polícia está lá fora. Se conseguirmos fazer
com que sua mãe desça e ele fique lá, a polícia pode subir e pegá-lo.
— Está bem, deixa comigo - falei, e fui para o primeiro degrau da escada.
— Mamãe! - gritei. — Não consigo achar os guardanapinhos de aperitivos.
Todo mundo ficou em suspense. Não houve resposta.
— Chame outra vez - disse Mark, baixinho, me olhando com admiração.
— Diga para Una levar o molho para a cozinha - murmurei.
Ele fez um sinal positivo com a mão. Respondi com o mesmo sinal e tomei fôlego.
— Mamãe? - gritei para cima outra vez. — Sabe onde está a peneira? Una está preocupada
com o molho.
Dez segundos depois ouviu-se um barulho pela escada e mamãe apareceu, afogueada.
— Os guardanapinhos de aperitivos estão dependurados no gancho de guardanapinhos de
aperitivos, sua boba.Mas o que Una aprontou com esse molho? Arre! Vamos ter de usar o
espremedor elétrico Magimix!
Quando ela falou, ouvimos passos lá em cima e um tumulto.
— Julio! - gritou mamãe e foi correndo para a porta.
O detetive que eu tinha conhecido na delegacia estava na porta da sala.
— Muito bem, fiquem calmos. Está tudo sob controle garantiu.
Mamãe deu um grito quando Julio, algemado a um jovem policial, apareceu no corredor e
foi levado pela porta da frente, atrás do detetive.
Fiquei olhando enquanto ela se recompunha e dava uma olhada em volta da sala, avaliando
a situação.
— Bom, graças a Deus eu consegui acalmar Julio – concluiu ela, aliviada, depois de um
silêncio. — Não foi fácil! Você está bem, papai?
— Mamãe, sua blusa está do lado do avesso - disse papai.
Olhei aquela cena terrível, sentindo como se o mundo estivesse caindo à minha volta. Senti
então uma mão forte segurando meu braço.
— Vamos - disse Mark Darcy.
— O quê? - perguntei.
— Bridget, não diga "o quê", diga, "desculpe, como disse?" - sussurrou mamãe.
— Sra. Jones - disse Mark, sério. — Vou levar Bridget comigo para comemorar o resto do
aniversário do Menino Jesus.
Dei um grande suspiro e agarrei a mão de Mark Darcy.
— Feliz Natal para todos - falei, com um sorriso simpático. — Espero que a gente se veja
no bufê de peru ao curry.
Eis o que aconteceu a seguir:
Mark Darcy me levou para o Hintlesham Hall para tomar champanhe e ter um almoço de
Natal atrasado, que estava m. b. Gostei principalmente da liberdade de colocar molho no peru
de Natal pela primeira vez na vida sem me preocupar. Natal sem mamãe e Una era uma coisa
diferente e maravilhosa. Foi muito fácil conversar com Mark Darcy, principalmente porque
podia comentar sobre o cerco festivo da polícia a Julio.
Mark tinha ficado quase o mês inteiro em Portugal, como se fosse um eficiente detetive
particular. Ele me contou que seguiu Julio até Funchal e descobriu onde estava o dinheiro,
mas não conseguiu convencer nem ameaçar Julio para que ele devolvesse nada.
— Acho que agora ele vai devolver - disse ele, rindo.
Mark Darcy é mesmo uma pessoa maravilhosa, além de ser bonito à beça.
— Como é que ele voltou para a Inglaterra?
— Bom, desculpe usar um lugar-comum, mas descobri seu calcanhar-de-aquiles.
— O quê?
— Bridget, não diga "o quê", diga, "desculpe" – consertou ele. Eu ri. — Percebi que,
embora sua mãe seja a mulher mais impossível do mundo, Julio a ama. De verdade.
Maldita mamãe, pensei. Como é que ela consegue ser uma irresistível deusa do sexo?
Talvez eu devesse pintar o cabelo.
— E aí, o que você fez? - perguntei, me contendo para não começar a gritar: "E eu? E eu?
Por que ninguém me ama?"
— Eu apenas avisei a ele que sua mãe ia passar o Natal com seu pai e que eles iam dormir
na mesma cama. Desconfiei que ele era maluco e burro o suficiente para tentar, digamos,
impedir isso.
— Como você sabia?
— Palpite. Faz parte do meu trabalho - explicou Mark.
Nossa, como ele é incrível.
— Mas você foi maravilhoso, largou seu trabalho para fazer tudo isso. Por quê?
— Bridget, não acha bem óbvio?
Ai, meu Deus.
Quando subimos, ele tinha reservado uma suíte. Foi incrível, muito elegante e uma delícia
e mexemos em tudo e tomamos mais champanhe e ele disse como gostava de mim: tipo da
coisa, aliás, que Daniel jamais faria.
— Então por que você não me ligou antes do Natal? perguntei, desconfiada. — Deixei dois
recados na sua secretária eletrônica.
— Eu não queria falar com você antes de terminar meu trabalho. E não achava que você
gostasse de mim.
— O quê?
— Bom, você não saiu comigo porque estava secando o cabelo. E quando nos
conhecemos, eu estava com aquele ridículo suéter e as meias com estampas de abelhinhas que
minha tia tinha me dado, parecia um completo idiota. Achei que você tinha pensado que eu
era um pateta.
— Bom, um pouco, mas ...
— Mas o quê?
— Não está querendo dizer "mas desculpe"?
Aí ele tirou a taça de champanhe da minha mão, me beijou e disse:
— Certo, Bridget Jones, vou perdoar você por isso.
Me carregou nos braços e me levou para o quarto (que tinha cama de dossel!) e fez todo
tipo de coisas que farão com que, no futuro, sempre que eu vir um suéter de losangos com
gola em V, vou entrar em combustão espontânea de tanta vergonha.

TERÇA-FEIRA, 26 DE DEZEMBRO

4h. da manhã. Finalmente descobri o segredo da felicidade com os homens e, com grande
pesar, raiva e enorme senso de derrota, coloco esse segredo nas palavras de uma adúltera,
cúmplice de um criminoso e celebridade:
— Querida, não diga "o quê", diga "desculpe" e faça o que sua mãe mandar.

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