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A pior parte foi o começo - a parte do "Percy Jackson, o que você está pensando, você tem idéia de como eu fiquei preocupada por você ter fugido do acampamento, partindo para missões perigosas e me deixando morrendo de pavor?". Mas, finalmente, ela fez uma pausa para tomar fôlego. - Ah, eu só estou contente por você estar em segurança! Isso é o mais legal em minha mãe. Ela não é muito boa em ficar zangada. Ela tenta, mas simplesmente não é da natureza dela. - Desculpe, mamãe - disse a ela. - Não vou assustá-la de novo. - Não me prometa isso, Percy. Você sabe muito bem que tudo só vai piorar. - Ela tentou parecer despreocupada quanto a isso, mas pude perceber que estava bastante abalada. Eu quis dizer alguma coisa para fazê-la se sentir melhor, mas sabia que ela estava certa. Sendo um meio-sangue, eu estaria sempre fazendo coisas que a assustavam. E, à medida que fosse ficando mais velho, os perigos simplesmente ficariam maiores. - Eu poderia ir para casa por algum tempo - sugeri. - Não, não. Fique no acampamento. Treine. Faça o que tem de fazer. Mas você virá para casa para o próximo ano escolar? - Sim, é claro. Ahn, se houver alguma escola que vá me aceitar. - Ah, nós encontraremos alguma coisa, querido - suspirou minha mãe. - Algum lugar onde ainda não nos conheçam.
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- Agora. Tipo... agora, agora? - Agora. Olhei para as ondas no estreito de Long Island. A água brilhava em vermelho ao pôr-do-sol. - Estou feliz por você, grandão - consegui dizer. - Sério mesmo. - Difícil deixar meu novo irmão - disse ele com um tremor na voz. - Mas eu quero fazer coisas. Armas para o acampamento. Vocês vão precisar delas. Infelizmente, eu sabia que ele tinha razão. O Velocino não tinha resolvido todos os problemas do acampamento. Luke ainda estava lá fora, reunindo um exército a bordo do Princesa Andrômeda. Cronos ainda estava se reconstituindo em seu caixão de ouro. No fim, acabaríamos tendo de enfrentá-lo. - Você vai fazer as melhores armas que já existiram - disse a Tyson. Ergui meu relógio com orgulho. - Aposto que elas também vão mostrar a hora certa. Tyson deu uma fungada. - Irmãos ajudam um ao outro. - Você é meu irmão - disse eu. - Não há dúvidas a respeito disso. Ele me deu uma palmadinha nas costas tão forte que quase me derrubou na duna de areia. Então enxugou uma lágrima da bochecha e se levantou para partir. - Use bem o escudo. - Farei isso, grandão. - Vai salvar sua vida algum dia. O modo como ele disse isso, tão prático, me fez pensar se aquele seu olho de ciclope podia enxergar o futuro. Ele desceu para a praia e assobiou. Arco-íris, o cavalo-marinho, saltou das ondas. Observei os dois partindo juntos para os domínios de Poseidon. Depois que eles se foram, baixei os olhos para meu novo relógio. Apertei o botão e o escudo se expandiu em espiral até seu tamanho pleno. Marteladas no bronze, havia figuras em estilo grego antigo, cenas das nossas aventuras naquele verão. Lá estávamos Annabeth exterminando um lestrigão jogador de queimado, eu lutando contra os touros de bronze na Colina Meio-Sangue Tyson cavalgando Arco-íris rumo ao Princesa Andrômeda, o Birmingham disparando seus canhões contra Caríbdis. Passei a mão sobre uma figura de Tyson, lutando com a Hidra enquanto segurava alto uma caixa de donuts Monstro. Não pude deixar de sentir tristeza. Sabia que Tyson se divertiria um bocado embaixo do oceano. Mas eu sentiria saudades de tudo em relação a ele - seu fascínio por cavalos, o modo como conseguia consertar carruagens de guerra ou amarrotar metal com as mãos nuas, ou dar nós em caras malvados. Sentiria saudades até dos seus roncos de terremoto na cama ao lado a noite inteira. - Ei, Percy. Virei-me.
Annabeth e Grover estavam em pé no topo da duna. Acho que talvez eu tivesse um pouco de areia nos olhos, porque estava piscando muito. - Tyson... - falei. - Ele teve de... - Nós sabemos - disse Annabeth suavemente. - Quíron nos contou. - Forjas dos ciclopes. - Grover estremeceu. - Ouvi dizer que a comida da cantina de lá é horrível! Tipo, enchilada, nem pensar! Annabeth estendeu a mão. - Venha, Cabeça de Alga. Hora do jantar. Caminhamos de volta para o pavilhão do refeitório juntos, só nós três, como nos velhos tempos.
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Tentei perguntar to que estava acontecendo, mas Quíron me agarrou pelo braço e, sem esforço, me ergueu para suas costas. Juntos, subimos a Colina Meio-Sangue, onde uma pequena multidão começara a se reunir. Esperei não encontrar o Velocino no pinheiro, mas ele ainda estava lá, brilhando à primeira luz da madrugada. A tempestade havia se interrompido e o céu estava vermelho-sangue. - Maldito seja o senhor titã - disse Quíron. - Ele nos enganou outra vez, deu a si mesmo uma nova chance de controlar a profecia. O que você quer dizer? - perguntei. - O Velocino - disse ele. - O Velocino fez seu trabalho bem demais. Galopamos em frente, todo o mundo abrindo caminho para nós. Ali, na base da árvore, uma menina jazia inconsciente. Outra menina, de armadura grega, estava ajoelhada ao lado dela. O sangue retumbava em meus ouvidos. Eu não conseguia pensar direito. Annabeth tinha sido atacada? Mas por que o Velocino ainda estava lá? A própria árvore parecia perfeitamente bem, íntegra e saudável, permeada pela essência do Velocino de Ouro. - Ele curou a árvore - disse Quíron, com a voz áspera. - E o veneno não foi a única coisa expurgada. Então percebi que Annabeth não era a menina caída no chão. Era a de armadura, ajoelhada ao lado da menina inconsciente. Quando Annabeth nos viu, correu para Quíron. - Ela... ela... assim, de repente lá... Lágrimas corriam de seus olhos, mas eu ainda não entendia. Estava apavorado demais para ver sentido naquilo tudo. Pulei das costas de Quíron e corri na direção da menina inconsciente. - Percy, esperei - disse Quíron. Ajoelhei-me ao lado dela. Tinha cabelo preto curto e sardas no nariz. Tinha a constituição de uma corredora de longa distância, flexível e forte, e usava umas roupas que eram algo entre o punk e o gótico - camiseta preta, jeans pretos esfarrapados e uma jaqueta de couro com buttons de uma porção de bandas de que eu nunca ouvira falar. Não era uma campista. Não a reconheci de nenhum dos chalés. E, no entanto, estava com a mais estranha sensação de que já a tinha visto antes... - É verdade - disse Grover, esbaforido por causa da corrida colina acima. - Não posso acreditar... Ninguém mais se aproximou da menina. Pus a mão na testa dela. Sua pele estava fria, mas as pontas dos meus dedos formigaram como se estivessem queimando. - Ela precisa de néctar e ambrosia - disse eu. Era claramente uma meio-sangue, fosse ou não uma campista. Pude sentir isso só de tocá-la. Não entendia por que todos pareciam tão apavorados. Peguei-a pelos ombros e a coloquei sentada, com a cabeça apoiada em meu ombro.
- Venham! - gritei para os outros. - O que há de errado com vocês? Vamos levá-la para a Casa Grande. Ninguém se mexeu, nem mesmo Quíron. Estavam todos atordoados demais. Então a menina tomou fôlego, vacilante. Ela tossiu e abriu os olhos. Suas íris eram surpreendentemente azuis - um azul elétrico. A menina olhou para mim perplexa, tremendo e de olhos arregalados. - Quem... - Eu sou Percy - disse eu. - Você está em segurança agora. - O sonho mais estranho... - Está tudo bem. - Morrendo. - Não - assegurei-lhe. - Você está bem. Qual é seu nome? Foi quando eu soube. Antes mesmo de ela dizer. Os olhos azuis da menina se fixaram nos meus, e entendi o porquê da missão do Velocino de Ouro. O envenenamento da árvore. Tudo. Cronos fizera aquilo para colocar mais uma peça de xadrez em jogo - mais uma chance de controlar a profecia. Até Quíron, Annabeth e Grover, que deveriam estar celebrando aquele momento, estavam chocados demais, pensando no que aquilo poderia significar para o futuro. E eu amparava uma pessoa destinada a ser minha melhor amiga ou, possivelmente, minha pior inimiga. - Eu sou Thalia - disse a menina. - Filha de Zeus.
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