6. Junho: Oba! Um namorado

SÁBADO, 3 DE JUNHO

56,7kg, 5 unidades alcoólicas, 25 cigarros, 600 calorias, 45 minutos olhando folhetos de
turismo com lugares para longa temporada, 87 minutos com folhetos de curta temporada, 7
ligações para o 1471 (bom).

Acabo de concluir que, no calor, é impossível se concentrar em qualquer coisa exceto fazer
pequenas viagens a lugares paradisíacos com Daniel. Minha cabeça está repleta de imagens de
nós dois: deitados à margem de um riacho, eu usando um vestindo branco e vaporoso; Daniel
e eu de camisetas listradas sentados na calçada de um pub antigo na orla da Cornualha,
tomando cerveja, vendo o pôr-do-sol sobre o mar; Daniel e eu jantando num pátio à luz de
candelabros numa mansão-hotel histórica situada no campo e depois nos retirando para nossos
aposentos para transar a noite de verão toda.
Muito bem. Hoje à noite vamos a uma festa, na casa de Wicksy, amigo de Daniel. Amanhã
pretendo ir ao parque ou almoçar com Daniel em algum restaurante simpático, no campo.
Como é bom ter um namorado.

DOMING0, 4 DE JUNHO

57kg, 3 unidades alcoólicas (b.), 13 cigarros (bom), 30 minutos olhando folhetos de turismo
de longa temporada (b.), 52 minutos de folhetos para curta temporada, 3 ligações para o
1471(b.).

19h. Humm. Daniel acaba de ir para a casa dele. Estou um pouco chateada, para dizer a
verdade. Fez um lindo domingo de verão, mas ele não quis sair nem conversar a respeito de
pequenas viagens e insistiu em ficar a tarde inteira com as cortinas fechadas, assistindo a um
jogo de críquete na tevê. A festa ontem à noite estava ótima mas, quando fomos falar com
Wicksy, ele estava conversando com uma garota muito bonita. Nós nos aproximamos e
percebi que a garota ficou um pouco constrangida.
— Daniel, conhece Vanessa? - perguntou Wicksy.
— Não. Muito prazer - respondeu Daniel, estendendo a mão e fazendo o sorriso mais
sedutor.
— Daniel- disse Vanessa, cruzando os braços, lívida. — Nós dormimos juntos.
Puxa, como está fazendo calor. Dá vontade de só ficar na janela. Alguém toca saxofone,
tentando fingir que estamos num filme com locação em Nova York, e há um som alto de
vozes porque todas as janelas estão abertas e vem um cheiro de comida dos restaurantes.
Humm. Acho que gostaria de mudar para Nova York, mas não deve ser um lugar muito bom
para fazer pequenas viagens aos arredores. A menos que seja uma viagem para a própria Nova
York, o que seria inútil, se a pessoa já está lá.
Vou dar uma ligada para Tom e depois trabalhar.
20h. Vou passar na casa de Tom para tomar um drinque rápido. Só meia hora.

TERÇA FEIRA, 6 DE JUNHO

58kg, 5 unidades alcoólicas, 5 cigarros (m.b.), 1.326 calorias, nenhum bilhete de loteria
(excelente) 12 ligaçoes para o 1471 (ruim), 15 horas dormindo (ruim, a culpa não foi minha,
mas da onda de calor).

Consegui convencer Perpétua a permitir que eu trabalhasse em casa. Claro que ela só
concordou porque também quer tomar seu banho de sol. Humm. Consegui um ótimo folheto
para viagens de curta temporada. Chama-se Orgulho britânico: as melhores mansões-hotéis
campestres nas Ilhas Britânicas. Maravilhoso. Olhei página por página, imaginando Daniel e
eu alternando sexo e romantismo em todos os quartos e salões do local.
11h. Certo: agora vou me concentrar no trabalho.
11h25. Hum, estou com uma unha lascada, droga.
11h35. Nossa. Acabo de ter uma fantasia paranóica totalmente infundada de que Daniel está
tendo um caso e fiquei pensando em falar nisso com ele, de uma forma digna mas direta, para
que se sinta culpado. Por que tive essa fantasia? Será que pressenti com meu sexto sentido
feminino que ele tem outra pessoa?
O problema de sair com as pessoas quando você fica mais velha é que tudo fica muito
opressivo. Se você está sem companhia aos 30 anos, a chateação menor de não ter um
namorado - não ter sexo, ninguém para sair no domingo, chegar das festas sempre sozinha -
fica ligada à idéia paranóica de que você não tem namorado por causa da idade, já teve o
último namorado e a última transa da sua vida e é tudo culpa sua, por ser tão agressiva ou tão
teimosa e não ter sossegado o rabo quando era jovem.
Você esquece completamente que quando tinha 22 anos, e durante 23 meses não namorou
nem saiu com ninguém, pensava que era só um pouco chato. A situação fica complexa, e ter
uma relação parece complicado, como se fosse uma meta quase inatingível, e quando você
começa a sair com alguém isso nunca poderá corresponder às suas expectativas.
Será que é isso? Ou será que tem alguma coisa errada entre mim e Daniel? Será que ele
está tendo um caso?
11h50. Humm. A unha está mesmo lascada. Se não consertar, vou começar a roer e daqui a
pouco não tenho mais unha. Certo, é melhor achar uma lixa. Pensando melhor, esse esmalte
está um horror. É melhor tirar tudo e passar outro. E agora, já que estou pensando nisso.
Meio-dia. É horrível quando está fazendo tanto calor e o seu soi-disant namorado não quer ir
a nenhum lugar agradável.
Acho que ele pensa que estou tentando agarrá-lo para uma miniviagem como se no fundo
eu quisesse um casamento, três filhos e limpar o banheiro de uma casa cheia de móveis
coloniais em Stoke Newington. Acho que essa história está se transformando numa crise
psicológica. Vou ligar para Tom (dá para eu fazer à noite o tal catálogo da Perpétua).
12h30.
Humm. Tom diz que se você faz uma pequena viagem com quem está tendo um caso e
passa o tempo todo preocupada com a relação, é melhor ir com um amigo.
Fora o sexo, digo. Fora o sexo, concorda ele. Encontrarei Tom à noite e levarei os folhetos
para sonharmos com uma pequena viagem.
Por isso tenho de trabalhar duro esta tarde.
12h40. Estes shorts e camisetas são tão desconfortáveis no calor. Vou trocar por um vestido
longo e vaporoso.
Ai, Deus, minhas calcinhas aparecem por baixo desse vestido. É melhor usar calcinhas cor
da pele caso alguém bata na porta. Minhas calcinhas Gossard brilhantes ficariam perfeitas.
Onde estarão elas?
12h45. Melhor ainda seria usar o sutiã brilhante para combinar, se eu conseguir achá-lo.
12h55. Assim está melhor.
13h. Hora do almoço! Finalmente uma pausa no trabalho.
14h. Muito bem, esta tarde vou mesmo trabalhar e fazer tudo até a noite, assim posso sair.
Mas estou com um sono. Está tão quente. Vou fechar os olhos cinco minutos. Dizem que tirar
um cochilo é a melhor forma de recuperar as energias. Causava ótimo efeito em Margaret
Thatcher e Winston Churchill. Boa idéia. Talvez eu deite na cama.
19h30. Ai, droga.

SEXTA–FEIRA, 9 DE JUNHO

58 kg, 7 unidades alcoólicas, 22 cigarros, 2.145 calorias, 230 minutos examinando o rosto
para descobrir rugas.

9h. Oba! Hoje à noite vou sair com as garotas.
11h. Ai, não. O programa mudou: Rebecca também vai. Sair com ela é como nadar onde tem
água-viva: vai tudo muito bem até que, de repente, você é atacada e acaba toda a graça. O
problema é que as alfinetadas de Rebecca atingem direto o calcanhar-de-aquiles das pessoas,
como se fossem os mísseis da Guerra do Golfo fazendo fzzzzuuuuch pelos corredores dos
hotéis de Bagdá. Sharon diz que não tenho mais 24 anos e devia estar mais madura para lidar
com Rebecca. Tem razão.
Meia-noite. Ai, Deusé horrível. Tô velhe acabada. Endecomposição.

SÁBADO, 10 DE JUNHO

Argh. Acordei me sentindo feliz (ainda bêbada de ontem à noite) e, de repente, lembrei do
pavor que virou a noite passada com as garotas. Depois da primeira garrafa de Chardonnay,
eu ia tocar no tema da minha frustração constante de não conseguir passar um fim de semana
fora, quando Rebecca perguntou:
— Como vai Magda?
— Ótima - respondi.
— Ela é tão bonita, não?
— Ahn-ahn - concordei.
— E parece tão jovem, pode passar por 24 ou 25 anos. Vocês foram colegas de escola,
não? Ela era três ou quatro anos atrás de você?
— Ela tem seis meses mais que eu - falei, sentindo os primeiros sinais de alfinetada.
— É mesmo? - duvidou Rebecca, depois fez uma longa e constrangedora pausa. — Bom,
Magda tem sorte. A pele dela é maravilhosa.
Senti o sangue coagulando no cérebro ao perceber a horrível verdade que Rebecca tinha
dito.
— Quer dizer, ela não ri tanto quanto você. Talvez por isso não tenha tantas rugas.
Segurei na mesa para não cair, tentando continuar respirando.
Me dei conta de que estava ficando velha antes do tempo. Como num filme acelerado,
mostrando uma uva transformando em passa.
— Como vai sua dieta, Rebecca? - perguntou Sharon.
Argh. Em vez de contestar meu envelhecimento precoce, Jude e Sharon estavam aceitando
aquilo como fato consumado e tentando diplomaticamente mudar de assunto para me poupar.
Sentei, sentindo que entrava numa espiral de terror, e apoiei meu rosto decadente nas mãos.
— Vou ao banheiro - avisei, com a boca quase fechada como uma ventríloqua e o rosto
duro para impedir o aparecimento das rugas.
— Está tudo bem, Bridget? – perguntou Jude.
— Tá - respondi, rápido.
Quando olhei no espelho, fiquei pasma com a luz forte sobre minha cabeça mostrando
minha pele dura, marcada pelo tempo, derretendo. Fiquei imaginando as garotas na mesa
censurando Rebecca por dizer o que todo mundo comentava faz tempo, mas que eu não
precisava saber, de repente, tive uma vontade enorme de sair pelo restaurante perguntando a
todos os presentes que idade achavam que eu tinha. Fiz isso uma vez na escola, quando me
convenci de que era débil mental e fiquei perguntando para todas as colegas no recreio "Você
acha que sou débil?" e 28 delas responderam "Acho".
Quando você começa a pensar em envelhecimento, não tem jeito. A vida de repente fica
parecendo com as férias:da metade em diante, os dias voam rumo ao último dia. Preciso fazer
alguma coisa em relação ao processo de envelhecimento, mas o quê? Não tenho dinheiro para
cirurgia plástica. E fico numa situação tipo faca de dois gumes já que tanto engordar quanto
emagrecer provocam o envelhecimento.
Por que eu pareço velha? Por quê? Fico olhando as velhinhas na rua, tentando entender
todos os mínimos processos que fazem os rostos envelhecerem. Percorro os jornais
procurando a idade de todo mundo, querendo ver se as pessoas parecem com a idade que têm.
11h. O telefone tocou. Era Simon, querendo contar da garota na qual está interessado.
— Quantos anos ela tem? - perguntei, desconfiada.
— Vinte e quatro.
Aaargh, aaargh. Cheguei na idade em que os homens não acham mais as contemporâneas
atraentes.
16h. Vou tomar chá com Tom. Resolvi que preciso dedicar mais tempo à aparência, como
fazem as estrelas de Hollywood. Por isso fiquei horas passando creme antiolheiras, blush nas
maçãs do rosto e disfarçando tudo o que está ruim.
Quando cheguei, Tom exclamou, assustado:
— Meu Deus.
— O que foi? O quê? - perguntei.
— Sua cara. Você está parecendo a Barbara Cartland.
Comecei a piscar, tentando aceitar que alguma terrível bomba do tempo tinha
definitivamente se instalado sob minha pele. .
— Pareço mais velha do que sou, não? - perguntei, deprimida.
— Não, parece uma menina de cinco anos que usou todas as pinturas da mãe - disse ele. —
Olha ali no espelho.
Olhei no falso espelho vitoriano da casa de chá. Eu parecia um palhaço exagerado, de
bochechas vermelhas, olhos como dois corvos negros e mortos e, sob eles, uma mancha
branca como os rochedos de Dover. Só então compreendi por que as velhinhas usam tanta
maquiagem e todo mundo fica rindo delas. Resolvi que não riria mais.
— O que está acontecendo? - perguntou ele.
— Estou ficando velha antes do tempo - murmurei.
— Ah, pelo amor de Deus. Você está assim por causa da droga da Rebecca, não é? -
adivinhou ele. — Sharon me contou do comentário sobre a Magda. É ridículo. Você parece
ter 16 anos.
Adoro Tom. Desconfio que ele estava mentindo, mas fiquei bem feliz porque se eu
parecesse ter 45 anos ele não ia dizer que pareço ter 16.

DOMINGO, 11 DE. JUNHO

56,7kg (muito bom, está calor demais para comer), 3 unidades alcoólicas, 0 cigarro
(m.b.,está calor demais para fumar) 759 calorias (só de sorvete).

Mais um domingo perdido. Parece que estou condenada a passar o verão inteiro assistindo a
jogos de críquete com as cortinas da sala fechadas. Fico meio inquieta no verão, mas não é só
por causa das cortinas fechadas nos domingos e porque Daniel não quer passar um fim de
semana fora. À medida que os dias longos e quentes se seguem, um atrás do outro, sinto que
estou sempre fazendo uma coisa, mas,deveria estar fazendo outra. É um sentimento que faz
parte da mesma família daquele que te faz achar que, pelo fato de morar em Londres, deveria
estar assistindo a um espetáculo na Royal Shakespeare Company, um concerto no Albert Hall,
visitando a Torre de Londres, freqüentando a Royal Academy, indo ao Museu Madame
Tussaud, em vez de ficar de bar em bar se divertindo.
Quanto mais brilha o sol, mais óbvio fica que as outras pessoas estão sabendo como
aproveitar melhor o tempo em algum lugar - assistindo a um grande jogo de softball com todo
mundo lá, menos eu; passeando com seu amor num atalho da floresta, junto de uma cachoeira
onde muitos Bambis aparecem; participando de algum grande evento público com a presença
da Rainha-Mãe e de um daqueles tenores que cantam em estádios, para marcar este verão
intenso que não estou conseguindo aproveitar. Talvez seja culpa do nosso passado climático.
Talvez nós, ingleses, ainda não tenhamos adquirido a capacidade de conviver com sol e céu
azul sem nuvens, o que é mais do que um mero acaso. Ainda existe dentro de nós um instinto
de entrar em pânico, querer sair do escritório, ficar quase nu e correr para a saída de incêndio.
Mas esse ponto também está mal definido. Se não se deve mais expor o corpo a raios
causadores de câncer, então o que se pode fazer? Um churrasco na sombra, talvez? Matar seus
amigos de fome enquanto você fica às voltas com o carvão durante horas para depois
envenená-los com fatias malpassadas de leitão? Ou organizar piqueniques no parque que
terminam com todas as mulheres raspando restos de mozarela dos tabuleiros de alumínio e
berrando com as crianças com crises de asma causadas pela falta de ozônio, enquanto os
homens bebem vinho branco quente sob o sol do meio-dia, olhando os jogos de softball com
vergonha de não estar participando.
Tenho inveja do verão no resto da Europa, onde os homens usam ternos elegantes e leves,
óculos de sol de design e circulam tranqüilamente em belos carros com ar condicionado,
parando de vez em quando para tomar um citron pressé num café na calçada de uma praça
antiga, sentindo-se muito à vontade com o sol, sem se incomodar com ele porque sabem que
vai continuar brilhando no fim de semana, quando então irão para seus iates e ficarão
estirados no convés, calmamente.
Tenho certeza de que essa é a razão oculta da nossa falta de confiança nacional, que surgiu
a partir do momento em que começamos a viajar para o exterior e percebemos isso. Pode ser
que as coisas por aqui mudem. Há cada vez mais mesas nas calçadas. Os fregueses
conseguem se sentar nelas à vontade, só lembram do sol de vez em quando, então fecham os
olhos e viram o rosto para ele, dando grandes sorrisos para quem passa na calçada, como
quem diz: “Olha só, olha só, estamos tomando refrigerante num café de calçada, nós também
podemos fazer isso" com uma expressão meio angustiada e passageira que significa: "Ou
deveríamos estar assistindo a uma apresentação ao ar livre de Sonho de uma noite de verão?"
Em algum lugar no fundo do meu cérebro paira uma nova e tênue noção de que talvez
Daniel esteja certo: o melhor a se fazer quando está quente é dormir embaixo de uma árvore,
ou assistir a um jogo de críquete com as cortinas fechadas. Mas no meu modo de pensar, para
conseguir dormir era preciso ter certeza de que haveria sol no dia seguinte e no outro também,
e muitos dias de calor na sua vida, suficientes para praticar todas as atividades de dias quentes
de forma calma e sem pressa. Poucas chances.

SEGUNDA-FEIRA, 12 DE JUNHO

57.6kg, 4 unidades alcoólicas (m.b.), 13 cigarros (b.), 210 minutos tentando programar o
vídeo (ruim).

7h. Mamãe acaba de ligar:
— Olá, querida. Adivinha o que aconteceu? Penny Husbands-Bosworth vai aparecer no
Notícias da noite!!!
— Quem?
— Você conhece os Husbands-Bosworth, que-ri-da. Ursula era um ano mais adiantada que
você na escola. Herbert morreu de leucemia ...
— O quê?
— Bridget, não diga "o quê?", mas "desculpe, como disse?". O fato é que vou sair com
Una para assistir a uma projeção de slides do Nilo, mas Penny e eu gostaríamos de saber se
você pode gravar o programa para nós. Ah, esqueça, o açougueiro está tocando a campainha!
20h. Certo. É ridículo ter um vídeo há dois anos e nunca ter conseguido gravar nada. E o
modelo FV 67 HV VideoPlus é uma maravilha. Basta pegar as instruções, apertar os botões
certos etc. e pronto.
20h15. Humm. Não consigo achar as instruções.
20h35. Ah! As instruções estavam embaixo da revista Hello!. Certo. "Programar o seu vídeo é
tão simples quanto fazer uma ligação telefônica." Muito bem.
20h40. "Coloque o controle remoto na direção do aparelho." Bem simples. "Consulte o
Índice." Argh, uma lista enorme de "Gravações com controle de tempo sincronizadas com
som estéreo", "o decodificador necessário para programas codificados" etc. Eu só quero
gravar as abobrinhas que Penny Husbands-Bosworth vai falar e não passar a noite inteira
lendo um tratado sobre técnicas de espionagem.
20h50. Ah. Um gráfico. "Botões para funções do IMC." Mas o que são funções do IMC?
20h55. Resolvi ignorar aquela página. Passei para "Gravação com hora marcada no
VideoPlus". "Primeiro: siga as instruções do VideoPlus." Que instruções? Detesto esse vídeo
idiota. É a mesma coisa que acompanhar setas na estrada. No fundo, sei que as setas e os
manuais de vídeo não fazem sentido, mas não consigo acreditar que as autoridades sejam tão
cruéis a ponto de quererem enganar todo mundo de propósito. Fico me sentindo uma idiota
incompetente como se todos os demais soubessem uma coisa e não me contassem.
21h10. "Ao ligar seu gravador, acerte o relógio e o dia para fazer a gravação através do
dispositivo Timer (lembre de usar as opções de ajuste rápido para adaptar o horário de verão
ou de inverno). Para obter as informações sobre o relógio basta apertar o botão vermelho e o
número 6."
Aperto o vermelho e não acontece nada. Aperto todos os números e nada acontece.
Gostaria que esse estúpido vídeo nunca tivesse sido inventado.
21h25. Aargh. De repente, aparece o menu principal na tela e uma ordem: "Aperte o 6." Ai,
meu Deus. Percebi que estava usando o controle remoto por engano. Agora o noticiário já está
na tela.
Liguei para Tom e perguntei se podia gravar Penny Husbands-Bosworth para mim, mas ele
disse que também não sabe mexer com o vídeo.
De repente, ouço um som dentro do vídeo e o noticiário é substituído, não sei por quê, por
Encontro marcado.
Acabo de ligar para Jude e ela também não sabe mexer com isso. Aargh, Aaargh. São
10h15. da noite, o Notícias da noite começa daqui a 15 minutos.
22h17. A fita não entra.
22h.18. Ah, Thelma e Louise está lá dentro.
22h19. Thelma e Louise não sai.
22h21. Aperto todos os botões, desesperada. A fita sai e entra outra vez.
22h25. A fita certa entrou. Certo. Passo para "Gravar". "Para iniciar a gravação, colocar em
Modo Sintonia e apertar qualquer botão (exceto o Memória)." Mas o que é Modo Sintonia?
"Ao gravar de uma câmera portátil de vídeo ou similar, basta apertar AV três vezes. Se a
transmissão for bilíngüe, apertar 1/2 e segurar por três segundos para escolher a língua."
Ai, meu Deus. Este estúpido manual me lembra o professor de lingüística que tive na
escola Bangor, tão obcecado por filigranas de linguagem que não conseguia falar sem fazer
uma análise de cada palavra: "Hoje de manhã eu iria, mas vocês sabem que o verbo ir, em
1570..."
Aaargh, aargh. Notícias da noite está começando.
22h31. Muito bem, muito bem. Calma. Penny Husbands-Bosworth ainda não começou a falar
suas abobrinhas.
22h33. Siim, siiim. GRAVANDO O PROGRAMA NA TELA. Consegui!
Aargh. Ficou tudo louco. A fita começou a rebobinar, parou e pulou fora. Por quê? Merda.
Merda. Percebi que, de nervoso, sentei no controle remoto.
22h35. Pareço maluca. Já liguei para Sharon, Rebecca, Simon e Magda. Ninguém sabe como
programar o vídeo.
A única pessoa que conheço que sabe fazer isso é Daniel.
22h45. Ai, meu Deus. Daniel morreu de rir quando eu disse que não conseguia programar o
vídeo. Prometeu gravar para mim. Pelo menos fiz o que pude por mamãe. Quando um amigo
aparece na tevê é algo muito emocionante, um momento histórico.
23h15. Argh. Mamãe acaba de ligar.
— Desculpe, querida. O programa não é Notícias da noite, mas Notícias da manhã. Dá
para você programar para as sete da manhã na BBC1?
23h30. Daniel acaba de ligar.
— Ah, desculpe, Bridget. Não sei o que fiz de errado. Gravou o programa de entrevistas do
Barry Norman.

DOMINGO, 18 DE JUNHO

56,2 kg, 2 unidades alcoólicas, 17 cigarros.

Depois de ficar sentada na penumbra durante três fins de semana seguidos, com Daniel
passando a mão no meu peito como se fosse uma espécie de amuleto e eu perguntando ” Que
jogada foi essa?", de repente, explodi:
— Por que não podemos fazer uma viagem rápida? Por quê? Por quê? Por quê?
— É uma boa idéia - respondeu ele calmamente, tirando a mão do meu peito. — Por que
você não reserva um hotel para o próximo fim de semana? Uma boa mansão-hotel no campo.
Eu pago.

QUARTA-FEIRA, 21 DE JUNHO.

55,8kg (m.m.b.), 1 unidade alcoólica, 2 cigarros, 2 bilhetes de loteria (m.b.), 237 minutos
gastos olhando folhetos de turismo.

Daniel se recusa a comentar a viagem ou olhar o folheto e me proibiu de falar nisso até
sairmos, no sábado. Como ele pode achar que não vou ficar agitada, quando estou esperando
isso há tanto tempo? Por que os homens ainda não aprenderam a sonhar com as férias,
escolher um lugar num folheto de turismo, planejar e fantasiar, do mesmo jeito que
conseguem (alguns, pelo menos) aprender a cozinhar ou costurar? É horrível me
responsabilizar sozinha por uma viagem. A mansão-hotel Woving-Hall me parece perfeita:
elegante sem ser muito formal, com camas de dossel, um lago e até um centro de ginástica
(não vou), mas e se Daniel não gostar?

DOMING0 25 DE JUNHO

Ai, Deus. Assim que chegamos, Daniel achou que a mansão-hotel era brega porque tinha três
Rolls-Royces estacionados na porta, um dos quais amarelo. Constatei horrorizada que tinha
esfriado à beça e eu só tinha roupas para um calor de 40 graus. Eis o conteúdo da minha mala:
2 maiôs.
1 biquíni.
1 vestido branco, longo e vaporoso.
1 vestido leve para o dia.
1 sapato baixo, de borracha, rosa-claro.
1 minivestido de camurça rosa-claro.
1 camisola curta, preta e decotada.
sutiãs, calcinhas, meias, ligas (várias).
Ouvimos uma trovoada quando eu, tremendo de frio, entrei no hotel atrás de Daniel e o
saguão estava cheio de damas de honra e homens de ternos claros. Concluímos que éramos os
únicos hóspedes não-convidados para uma festa de casamento.
— Argh! Não é horrível a situação em Srebrenica? - perguntei, só para tentar relativizar
nosso problema. — Para dizer a verdade, eu nunca entendi direito o que está acontecendo na
Bósnia. Achava que os bósnios eram os habitantes de Sarajevo, que estavam sendo atacados
pelos sérvios, mas então quem são os sérvios-bósnios?
— Bom, você saberia isso se, em vez de ficar horas lendo folhetos, passasse a ler jornais -
alfinetou Daniel com um sorriso.
— Mas então o que está acontecendo na Bósnia?
— Nossa, que peitos tem aquela dama de honra.
— E quem são os muçulmanos bósnios?
— Não dá para acreditar no tamanho da lapela daquele homem.
De repente, tive certeza absoluta de que Daniel estava tentando mudar de assunto.
— Os sérvios-bósnios são da mesma raça daqueles que atacaram Sarajevo? - perguntei.
Silêncio.
— Então a quem pertence Srebrenica?
— Srebrenica é uma área de segurança - informou Daniel com uma voz bem antipática.
— Mas então por que as pessoas da área de segurança estavam atacando antes?
— Cala a boca.
— Explique só uma coisa: os bósnios de Srebrenica não são os mesmos de Sarajevo?
— São muçulmanos - disse Daniel triunfante.
— Sérvios ou bósnios?
— Escuta, você não pode calar a boca?
— Você também não entende nada do que está acontecendo na Bósnia.
— Entendo.
— Não entende.
— Entendo.
— Não entende.
Nesse momento, o porteiro do hotel - que usava calça amarrada na altura dos joelhos,
meias brancas, sapatos de couro com fivela, sobrecasaca e uma peruca empoada - aproximouse
e disse, baixo:
— Acho que os primeiros habitantes de Srebrenica e também de Sarajevo eram
muçulmanos bósnios, senhor. - E acrescentou, bem a propósito: - Não gostariam de receber os
jornais pela manhã no apartamento?
Pensei que Daniel fosse dar um soco nele. Afaguei seu braço e falei:
— Está bem, vamos, vamos, não tem problema – como se ele fosse um cavalo de corrida
que se assustou com uma Kombi passando.
17h30. Brrr. Em vez de ficar com Daniel ao sol quente à beira do lago, usando meu vestido
longo e vaporoso, fiquei azul de frio num barco, enrolada numa toalha do hotel. Acabamos
voltando para o quarto para tomar um banho quente e uma cerveja e descobrimos que outro
casal não-convidado para o casamento nos faria companhia na sala de jantar aquela noite. A
porção feminina do casal era uma moça chamada Eileen com quem Daniel tinha dormido
duas vezes, mordido sem querer o peito dela com muita força e depois nunca mais falado.
Quando saí do banho, Daniel estava deitado na cama rindo.
— Arrumei uma dieta nova para você - informou.
— Quer dizer que você acha que estou gorda.
— Está bem, é assim. É muito simples. Basta você não comer nada que precise pagar.
Então, no início da dieta você está gordinha como uma porquinha e ninguém a convida para
jantar. Depois emagrece, fica um pouco mais esbelta e famélica, e as pessoas começam a
levar você para jantar. Aí você engorda um pouco, os convites somem e você começa a
emagrecer de novo.
— Daniel! - explodi. — Essa é a coisa mais sexista, gordofóbica e cínica que já ouvi.
— Ah, não precisa exagerar, Bridge - disse ele. – Essa idéia é o prolongamento lógico do
que você mesma acha. Eu sempre digo que ninguém gosta de mulher com pernas de
gafanhoto. Os homens querem que a mulher tenha um traseiro onde possam encostar uma
bicicleta e colocar uma caneca de cerveja em cima.
Fiquei dividida entre a imagem grotesca de uma bicicleta encostada na bunda e uma caneca
em cima, fúria contra Daniel por seu sexismo totalmente irritante e a idéia repentina de que
talvez ele tivesse razão sobre o conceito que eu fazia do meu corpo em relação aos homens e,
nesse caso, se eu precisava de alguma coisa deliciosa para comer imediatamente e o que
poderia ser.
— Vou dar uma ligada na tevê - disse Daniel, aproveitando que fiquei temporariamente
muda para apertar o controle remoto e fechar as cortinas que eram daquelas grossas, forradas
de preto. Segundos depois a sala ficou completamente escura, exceto pela chama do isqueiro.
Daniel tinha acendido um cigarro e estava pedindo à copa seis latas de cerveja Fosters.
— Quer alguma coisa, Bridge? - perguntou, rindo afetado. — Chá com creme, por
exemplo? Eu pago.

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