5. Maio: Futura mamãe

SEGUNDA-FEIRA, 1º DE MAIO

0 unidade alcoólica, 0 cigarro, 4.200 calorias (estou comendo por dois)
Tenho certeza de que estou grávida. Como pudemos ser tão idiotas? Daniel e eu ficamos
numa tal euforia por estarmos juntos outra vez que a realidade pareceu esvanecer-se e depois
que você ... bem, não quero falar nesse assunto. Hoje de manhã senti os primeiros sinais de
enjôo, mas podia ser porque fiquei na maior ressaca depois que Daniel finalmente foi embora
e comi o seguinte para ver se melhorava:
2 pacotes de queijo emental em fatias.
1 litro de suco de laranja natural.
1 batata assada, fria.
2 fatias de bolo de limão cru (muito leve, mas isso também deve ser porque estou comendo
por dois).
1 barra de chocolate (só 125 calorias. Meu corpo teve uma reação muito positiva ao bolo
de limão, o que prova que o bebê estava precisando de açúcar).
1 sobremesa tipo torta vienense, de chocolate com creme (o bebê esfomeado fica pedindo).
brócolis cozidos no vapor (tentativa de fazer com que o bebê não fique com maus hábitos
alimentares).
4 salsichas frias (só tinha uma lata no armário e a gravidez me deixa cansada demais para
sair e fazer compras outra vez).
Ai, Deus. Estou começando a me entusiasmar com a idéia de ser uma mãe como aquelas que
saem nos anúncios de Calvin Klein, fico pensando em usar cabelo curto e levantar o bebê nos
braços, rindo muito, como no anúncio do fogão de design especial ou um anúncio de cinema
mostrando estilo de vida sadia ou coisa que o valha.
Hoje no trabalho, Perpétua estava mais chata do que nunca, passou 45 minutos ao telefone
com Desdêmona discutindo se as paredes ficariam bem pintadas de amarelo com cortinas
rosa-acinzentadas, ou se ela e Hugo deviam escolher vermelho e um friso floral. Ficou 15
minutos dizendo só "Certamente, não, certamente, certamente" e terminou a conversa com:
"Mas claro, pode-se usar exatamente o mesmo argumento em defesa do vermelho."
Em vez de ter vontade de jogar coisas na cabeça dela, fiquei sorrindo de um jeito elevado
pensando que, dentro de pouco tempo, todas essas coisas ficariam supérfluas para mim,
comparadas com cuidar de um pequenino ser humano. Depois, fiquei fazendo uma série de
fantasias em relação a Daniel: ele carregando o bebê no ombro, chegando em casa do trabalho
e nos encontrando - o bebê e eu - no banho e, mais tarde, tendo participação muito ativa na
reunião de pais e mestres.
Mas aí Daniel apareceu. Jamais o vi com uma cara daquelas. A única explicação era que,
ao sair da minha casa ontem, ele continuou bebendo. Deu uma olhada para mim com uma
expressão de assassino sanguinário. De repente, as fantasias foram substituídas pelas imagens
do filme Condenados pelo vício, em que o casal fica o tempo todo completamente bêbado,
gritando e jogando garrafas um no outro, ou do seriado Os relaxados, de Harry Enfield, com
Daniel gritando: "Bridge, o bebê. Está gritando. Arranca a cabeça dele."
E eu respondendo: "Daniel, estou fumando um cigarro."
QUARTA-FEIRA, 3 de maio.
58kg* (Argh. O bebê está crescendo numa rapidez incrível), 0 unidade alcoólica, 0 cigarro,
3.100 calorias (principalmente de batatas, ai, meu Deus).
* Tenho que ficar de olho na balança outra vez por causa do bebê.
Socorro. Passei a segunda-feira toda e a terça quase inteira achando que estava grávida mas,
na verdade, sabendo que não estava. Como se você estivesse voltando para casa à noite e
achasse que estava sendo seguida, sabendo que não estava. Aí, de repente, alguém a agarra
pelo pescoço - e eis que minha menstruação está atrasada dois dias. Daniel nem olhou para o
meu lado na segunda-feira inteira, só apareceu às seis da tarde e disse:
— Olha, vou ficar em Manchester até o final da semana. Encontro você no sábado à noite,
certo? - Ele não me telefonou. Sou uma mãe solteira.

QUINTA-FEIRA, 4 DE MAIO
 
58,5kg, 0 unidade alcoólica, 0 cigarro, 12 batatas.

Fui à farmácia para, discretamente, comprar um teste de gravidez. De cabeça baixa, estava
tentando dizer à balconista o que eu queria, achando que devia ter colocado meu anel no
anular esquerdo, quando o farmacêutico perguntou bem alto:
— Teste de gravidez, não?
— Pssiu - fiz, olhando para trás.
— Há quantos dias sua menstruação está atrasada? berrou ele. — É melhor levar o teste
azul. Ele acusa gravidez a partir do primeiro dia de atraso.
Agarrei o tal teste azul, paguei as malditas oito libras e 95 centavos e saí rápido.
Na agência, passei duas horas olhando para minha bolsa como se ela fosse uma bomba
prestes a explodir. As 11h30 não agüentei mais, agarrei a bolsa, entrei no elevador, desci dois
andares e fui ao banheiro para evitar o perigo de alguma conhecida minha ouvir um ruído
suspeito. Não sei por quê, aquilo tudo me deixou com raiva de Daniel. Era responsabilidade
dele também, mas não precisou gastar oito libras e 95 centavos e se esconder no banheiro
tentando fazer xixi num bastão. Desembrulhei o pacote com raiva, joguei a caixa na cesta de
lixo e consegui fazer o que devia, depois coloquei o bastão de cabeça para baixo e não olhei
para ele. O resultado demorava três minutos. Não tinha jeito de eu ficar olhando meu destino
ser selado por uma tênue risca azul que se formaria aos poucos. Não sei como consegui
vencer aqueles 180 segundos, meus últimos 180 segundos de liberdade: peguei o bastão e
quase dei um grito. Lá estava uma fina linha azul, brilhando como metal. Aaargh! Aargh!
Depois de passar 45 minutos olhando distraída para o computador, fazendo de conta que
Perpétua era um cacto mexicano toda vez que ela perguntava o que eu tinha, corri para uma
cabine telefônica para falar com Sharon. Maldita Perpétua. Se ela tivesse uma surpresa dessas,
é tão cheia de princípios morais britânicos que em dois minutos estaria entrando na igreja num
modelo Amanda Wakeley para noivas. O trânsito estava tão barulhento que Sharon não
conseguia entender o que eu estava dizendo.
— O quê? Bridget? Não estou ouvindo. Você está discutindo com um policial de uniforme
azul?
— Não - expliquei - Estou falando da linha azul do teste de gravidez.
— Meu Deus. Encontro você no Café Rouge daqui a quinze minutos.
Embora fosse apenas quinze para a uma, achei que não tinha problema algum tomar uma
vodca com suco de laranja, já que se tratava de uma emergência real, mas lembrei que o bebê
não devia tomar vodca. Esperei, me sentindo como uma espécie de hermafrodita fazendo um
jogo contraditório em que tinha sentimentos simultâneos de pai e mãe em relação ao bebê. Por
um lado, eu estava toda encantada e dengosa em relação a Daniel, contente de ser uma mulher
de verdade - de uma fertilidade tão avasaladora! - e imaginando a pele rosada e macia do
bebê, uma coisinha tão linda, usando elegantes roupinhas de bebê da Ralph Laurent. Por outro
lado, eu pensava, ai, meu Deus, minha vida acabou, Daniel é um alcoólatra maluco e quando
souber da gravidez vai me matar e me dar o fora. Acabaram-se as noites de papo com as
garotas, as compras, a azaração, o sexo, as garrafas de vinho e os cigarros. Vou virar uma
horrenda máquina de ordenha na qual ninguém vai achar graça e que não vai caber em
nenhuma calça, principalmente no meu jeans verde ácido novo da Agnés B. Acredito que esta
confusão é o preço que tenho a pagar por ser uma mulher moderna, em vez de seguir o curso
da natureza e ter casado aos 18 anos com Abnor Rimmington, recém-chegada de
Northampton.
Quando Sharon chegou, mostrei por baixo da mesa, fazendo uma cara feia, o bastão do
teste com sua denunciadora linha azul.
— É isso? - perguntou ela.
— Claro - respondi. — O que você acha que é? Um telefone celular?
— Você é ridícula - disse ela. — Não leu as instruções de uso? Precisa ter duas linhas
azuis. Essa linha é só para mostrar que o teste está funcionando. Uma linha quer dizer
que você não está grávida, sua boba.
Quando cheguei em casa, a secretária eletrônica tinha um recado da minha mãe dizendo:
— Querida, ligue já. Meus nervos estão em frangalhos.
Os nervos dela estão em frangalhos!
SEXTA-FEIRA, 5 DE MAIO
57kg (ah, maldição, não consigo vencer o hábito secular de me pesar, principalmente depois
do trauma da gravidez - um dia faço algum tipo de terapia por causa disso), 6 unidades
alcoólicas (viva!), 25 cigarros, 1.895 calorias, 3 bilhetes de loteria.

Passei a manhã toda devaneando, com pena de não estar grávida, e só me animei um pouco
quando Tom ligou e sugeriu um bloody mary no almoço para começar um fim de semana
saudável. Quando voltei para casa, encontrei um recado zangado de minha mãe dizendo que
ia para um spa e na volta me ligava. Me pergunto qual é o problema. Ela deve estar soterrada
por caixas e caixas de jóias da Tiffany's enviadas pelos admiradores e cheia de ofertas de
emprego das emissoras rivais.
23h45. Daniel acaba de ligar de Manchester.
— Como foi a sua semana? Boa? - perguntou.
— Ótima, obrigada - garanti, alegre. Ótima, obrigada. Argh! Li em algum lugar que o
melhor presente que urna mulher pode dar para um homem é sossego. Então eu não podia
admitir que, assim que ele saiu de perto de mim depois de começarmos a sair direito, eu virei
urna neurótica om mania de gravidez.
Bem, não importa. Vamos nos encontrar amanhã à noite. Oba!

SÁBADO, 6 DE MAIO, DIA DA VITÓRIA DA EUROPA (VE)

57,6kg, 6 unidades alcoólicas, 25 cigarros, 3.800 calorias (comemorando o fim do
racionamento de comida durante a guerra), 0 acerto na loteria (ruim).

Hoje, Dia VE, acordei sentindo uma onda de calor fora de hora, tentando compartilhar a
emoção do fim da guerra, a Iiberdade da Europa, que coisa maravilhosa, incrível etc., etc.
Para ser sincera, não estou nada bem em relação a essa história toda. A palavra mais adequada
deve ser "largada". Não tenho avós maternos nem paternos. Papai já combinou ir a uma
reunião no jardim dos Alconbury onde, por razões ignoradas, ele vai virar as panquecas.
Mamãe vai voltar à rua onde morou quando criança, em Cheltenham, para uma festa de
bolinho de carne de baleia, provavelmente acompanhada de Julio. (Graças a Deus, ela não
fugiu com um alemão.)
Nenhum dos meus amigos está organizando nada. Mas participar das comemorações seria
constrangedor e pouco adequado, um excesso de otimismo, parece que estamos querendo
festejar uma coisa que não tem nada a ver conosco. Pois é claro que eu não era nem um ovo
quando a guerra terminou, não era nada, enquanto todas as pessoas da época lutavam e faziam
geléia de cenoura ou sei lá o quê.
Detesto pensar nisso e cogito ligar para mamãe perguntando se ela já ficava menstruada
quando a Guerra terminou. Será que os óvulos são produzidos um de cada vez, ou ficam
armazenados em microfôrmas uterinas até serem ativados? Será que, sendo eu um óvulo
armazenado, pude perceber que a guerra tinha acabado? Se ao menos eu tivesse um avô,
poderia participar dessa história, fazendo de conta que estava sendo gentil em acompanhá-lo
nas comemorações. Ah, dane-se, melhor ir às compras.
19h. O calor fez meu corpo dobrar de tamanho, juro. Nunca mais vou experimentar roupa
numa cabine coletiva. Quando tentei enfiar um vestido na loja Warehouse, ele ficou preso nos
braços e virou do avesso, meus braços ficaram abanando, a barriga e as coxas à mostra para
garotas de 15 anos, que disfarçaram para não rir de mim. Tentei tirar a droga do vestido pelas
pernas, mas ficou preso no quadril.
Detesto cabines coletivas. Cada garota dá uma olhada disfarçada no corpo das outras e
sempre tem umas que sabem que ficam ótimas com qualquer roupa e ficam dando voltas
muito felizes, balançando o cabelo e fazendo pose de modelo no espelho, dizendo "Será que
essa roupa me engorda?" para sua amiga gorda obrigatória que parece uma vaca com qualquer
roupa.
As compras foram um desastre. Sensato, eu sei, seria apenas comprar algumas coisas
essenciais na Nicole Farhi, Whistles e Joseph, mas os preços estavam tão assustadores que
voltei rápido para a Warehouse e a Miss Selfridge, onde consegui achar uns vestidos por 34
libras e 99 centavos, fiquei presa neles e acabei comprando na Marks and Spencer porque lá
não preciso experimentar, e assim pelo menos não voltei para casa de mãos abanando.
Comprei quatro coisas, todas feias e sem graça. Uma vai ficar atrás da cadeira do quarto
numa sacola da Marks & Spencer durante dois anos. As outras três serão trocadas por vales da
Boules, Warehouse etc., que depois eu perco. Assim, acabo de gastar 119 libras, que davam
muito bem para comprar alguma coisa ótima na Nicole Farhi, como uma camisetinha de
algodão.
Eu sei que estou fazendo isso apenas para me punir, por ter mania de comprar de uma
forma fútil e consumista, em vez de vestir o mesmo vestido sintético o verão todo e pintar
uma linha atrás das pernas, como faziam as mulheres durante a guerra para fingir que estavam
de meias. Compro também por não conseguir participar das comemorações do Dia Vitória da
Europa. Talvez fosse bom eu ligar para Tom e sugerir uma boa festa para o feriado de
segunda-feira. Será que dá para fazer uma festa cafona no Dia VE - como no casamento real?
Não, não se pode brincar com mortos. E é preciso considerar também o problema da bandeira
britânica. A metade dos amigos de Tom participou da liga antinazista e acharia que usar a
bandeira britânica na festa ia parecer que esperávamos a presença de skinheads. Fico
imaginando como seria se nossa geração tivesse passado por uma guerra. Bom, hora de um
drinquezinho. Daniel chega daqui a pouco. É melhor começar os preparativos.
23h59. Droga. Estou escondida na cozinha fumando um cigarro. Daniel dorme. Aliás, acho
que está fingindo. Passamos uma noite completamente esquisita. Percebi que, até o momento,
nossa relação baseou-se no fato de um de nós estar resistindo a fazer sexo. Ontem, ficamos
juntos, com a suposta idéia de que obviamente faríamos sexo no final da noite. Sentamos na
frente da televisão e assistimos às comemorações do Dia VE. Daniel colocou o braço no meu
ombro de um jeito incômodo, como se fôssemos dois adolescentes no cinema. O braço ficou
enfiado na minha nuca. Mas não tive coragem de pedir para tirar. Depois, quando foi
impossível não falarmos em ir para a cama, ficamos muito formais, bem britânicos. Em vez
de um tirar a roupa do outro de um jeito selvagem, entabulamos o seguinte diálogo:
— Pode usar o banheiro primeiro.
— Não! Por favor, vou depois de você!
— Não, eu insisto.
— De jeito nenhum. Vou pegar uma toalha de visita para você e um sabonetinho em forma
de concha.
Acabamos dormindo na mesma cama sem nos tocarmos, como se fôssemos Joãozinho e
Maria ou a bela adormecida e o sapo. Se Deus existe, eu gostaria de, primeiro, deixar bem
claro que estou muito grata por Ele fazer com que, de repente, a relação com Daniel se
transformasse numa coisa normal, depois de tanta babaquice. A seguir, eu humildemente
pediria para Ele não deixar Daniel ir para a cama de pijama e óculos, passar 25 minutos lendo
um livro, desligar o abajur e virar de lado - mas que Deus faça com que Daniel volte a ser
aquele animal desembestado, louco por sexo, que eu conhecia e gostava.
Senhor, agradeço antecipadamente Suas providências em relação ao tema.

SÁBADO, 13 DE MAIO

57,8kg, 7 cigarros, 1,145 calorias, 5 bilhetes de loteria (ganhei 2 libras, portanto, perdi
apenas 3, m.b.), 2 libras gastas na loteria, números certos: 1 (melhor).

Como posso ter engordado só 200 gramas depois da orgia astronômica da noite passada?
Pode ser que a comida e o peso tenham a mesma relação que alho e bafo insuportável: se
você come vários dentes de alhos, não fica com o hálito ruim, da mesma forma que se comer
muito não engorda. É uma tese estranha e animadora, mas cria uma tremenda confusão na
cabeça. Gostaria que me fizessem uma faxina completa. Mas a noitada valeu a pena, com uma
maravilhosa discussão feminista e bêbada com Sharon e Jude.
Comemos à beça e tomamos muito vinho, já que cada uma das generosas garotas trouxe
uma garrafa de vinho, além de umas comidinhas da Marks and Spencer. Assim, além de um
jantar de três pratos, duas garrafas de vinho um espumante e um branco) e mais o que eu já
tinha comprado na M&S (quer dizer, preparado depois de um dia inteiro em volta do forno),
comemos:
1 pacote de pasta de grão-de-bico e minipães árabes.
12 rolinhos de salmão defumado com queijo cremoso.
12 minipizzas.
1 torta de amora.
1 tiramisu (tamanho festa).
2 barras de chocolate suíço.
Sharon estava muito inspirada. Às 8h35 da noite já estava xingando" Malditos!" e tomando
num só gole mais de meia taça de Kir Royale.
— Burros, arrogantes, interesseiros, comodistas. Agem de acordo com uma cultura de
Direitos Adquiridos. Passa uma minipizza, por favor?
Jude estava deprimida porque Richard o Vil, com quem está rompida, continua ligando
para ela, lançando pequenas iscas verbais dando a entender que quer voltar e assim manter o
interesse dela, mas se protegendo atrás da desculpa de querer ser apenas "amigo" (conceito
enganoso e perigoso). Na noite passada, ligou de repente, perguntando se ela ia a uma festa de
amigos em comum.
— Ah, bom, então eu não vou - avaliou ele. — Não seria legal para você. Sabe, é que eu
iria com uma moça que, estou meio namorando. Quer dizer, o caso não é nada. E só uma
garota boba, que deixa eu ficar transando com ela um pouco...
— Como? - explodiu Sharon, rubra de raiva. — Essa é a coisa mais odiosa que já ouvi
alguém dizer de uma mulher. Que biltrezinho arrogante! Por que se dá ao direito de tratar
você como quer, apenas amigos, depois se sente muito esperto irritando você com essa nova
namorada idiota? Se ele se preocupasse em não ferir seus sentimentos, ficava quieto e ia à
festa sozinho, em vez de passar essa droga de namorada no seu nariz.
— Amigos? Essa não! Melhor dizer inimigos! – concluí animada, acendendo mais um Silk
Cut e comendo um rolinho de salmão. — Maldito!
Lá pelas 11h30 da noite, Sharon estava completamente inflamada:
— Dez anos atrás, quem se preocupava com o meio ambiente era ridicularizado como
esquisito, gente que usava sandália de couro e barbicha. Hoje, basta ver a força do
consumidor ecológico - gritava ela, pegando um pouco de tiramisu com a mão. — De agora
em diante, vai ser a mesma coisa com o feminismo. Não vai mais ter homem deixando seus
filhos e sua mulher na pós-menopausa em troca de uma amante jovem, ou tentando
engambelar as mulheres mostrando que todas as outras estão dando em cima deles, nem
tentando fazer sexo sem ter qualquer consideração ou interesse pela mulher. Isso tudo porque
as jovens amantes e as mulheres vão virar as costas e se lixar para eles. Os homens não terão
mais sexo nem mulheres - a menos que aprendam a se comportar adequadamente, em vez de
atravancar a vida das mulheres com seu comportamento NOJENTO, HORRÍVEL,
EGOÍSTA!
— Malditos! - berrou Jude, dando um gole no seu Pint Grigio.
— Malditos! - concordei, com a boca cheia de torta de amora com tiramisu.
— Malditos sacanas! - gritou Jude, acendendo um Silk Cut com a guimba do anterior.
Foi aí que a campainha tocou.
— Aposto que é o Daniel, aquele bobo! -falei. – Quem é? - gritei no interfone.
— Ah, olá, querida - respondeu Daniel com a voz mais simpática e suave possível. —
Desculpe incomodar. Telefonei antes e deixei um recado na sua secretária. O problema é que
fiquei preso numa reunião chatíssima a tarde inteira e queria muito ver você. Só para dar um
beijinho e sair, se concordar. Posso subir?
— Arrgh. Pode subir, então – resmunguei de mau humor e voltei para a mesa. — Maldito
sacana.
— A cultura dos direitos adquiridos - rosnou Sharon. — Querem comida, ajuda e lindos
corpos jovens quando eles ficam velhos e gordos. Acham que as mulheres estão aí para lhes
dar o que é um direito deles. Escuta, o vinho acabou?
Daniel apareceu na escada, com um belo sorriso. Parecia cansado, mas simpático, de barba
feita e num terno muito elegante. Trazia três caixas de chocolate Milk Tray.
— Comprei um de cada sabor - disse ele, levantando a sobrancelha de um jeito sensual -
para você comer com café. Não quero atrapalhar. Fiz as compras para o fim de semana.
Levou oito sacolas da Cullens para a cozinha e começou a tirar as coisas de dentro.
Aí o telefone tocou. Era a empresa de táxi que as garotas tinham chamado meia hora antes,
com a funcionária explicando que havia um enorme engarrafamento na Ladboke Grove, todos
os carros da empresa estavam em serviço e só seria possível nos atender dentro de três horas.
— Vocês vão para onde? - perguntou Daniel. — Eu levo. Não podem ficar pela rua
esperando um táxi a essa hora da noite.
Enquanto as garotas foram pegar suas bolsas e ficaram sorrindo sem graça para Daniel,
comecei a comer todos os chocolates de castanhas, amêndoas e caramelo das caixas de Milk
Tray, sentindo uma mistura confusa de carinho e orgulho por meu maravilhoso namorado
com quem as garotas bem que gostariam de dar um amasso, e furiosa por aquele normalmente
desagradável sexista bêbado vir atrapalhar nosso discurso feminista apenas por tentar ser o
homem perfeito. Argh.
Vamos ver quanto tempo dura isso, não?, pensei, enquanto esperava ele voltar.
Quanto voltou, subiu a escada correndo, me segurou nos braços e me carregou para o
quarto.
— Vai ganhar um chocolate a mais por ser maravilhosa até quando está de porre - disse
ele, tirando um coração de chocolate do bolso. E aí... Mmmmmm.

DOMINGO, 14 DE. MAIO

19h. Detesto domingo à noite. Parece hora de fazer o dever de casa: Perpétua me mandou
escrever o catálogo para amanhã. Acho que vou primeiro ligar para Jude.
19h05. Ninguém atende. Humm. Então, ao trabalho.
19h10. Acho que vou ligar para Sharon.
19h45. Sharon não gostou de eu ligar porque tinha acabado de chegar em casa e queria
telefonar para o serviço de recados 1471 para saber se o cara com quem ela está saindo tinha
ligado enquanto ela estava fora e agora meu número vai ficar gravado no lugar do dele.
Acho que o 1471 é uma grande invenção, dizendo na hora o número da última pessoa que
ligou. Mas era uma situação irônica porque, quando nós três descobrimos esse serviço, Sharon
foi a primeira a ser totalmente contra, considerando que a Companhia Telefônica Britânica
estava explorando as pessoas, viciando-as em ligar depois de terem rompido com alguém,
provocando uma doença na população inglesa. Tem gente que liga mais de vinte vezes por
dia. Jude é a favor do 1471, mas concorda que se você acaba de brigar com o namorado ou
dormir com alguém, o serviço dobra o desespero potencial de chegar em casa: é infernal
ninguém-ter-ligado somar-se a nenhum-recado-na-secretária, mais o fato de o número
arquivado ter sido da sua mãe.
Consta que, nos Estados Unidos, o serviço similar ao 1471 lista todos os números que
ligaram e quantas vezes, desde a última vez que você perguntou. Fico horrorizada ao pensar
no início da minha relação com Daniel, se ele soubesse quantos milhares de vezes liguei. A
única coisa boa aqui é que, se você acrescentar o número 141 antes de ligar para uma pessoa,
seu número não fica arquivado na lista dela. Jude diz que é preciso cuidado porque, se você
está obcecada por alguém e por acaso liga numa hora em que a pessoa está em casa, depois
desliga e o número não é arquivado, essa pessoa pode adivinhar que foi você. Preciso garantir
que Daniel não vai descobrir isso.
21h30. Resolvi ir até a esquina comprar cigarros. Quando estava subindo a escada do prédio,
ouvi o telefone tocando.
De repente, lembrei que tinha esquecido de ligar a secretária depois que falei com Tom,
então subi correndo, esvaziei a bolsa no chão para achar a chave e me joguei para o telefone
exatamente na hora em que ele parou de tocar.
Acabava de entrar no banheiro quando tocou de novo.
Parou quando tirei do gancho. Começou a tocar quando me afastei. Finalmente, consegui
atender.
— Alô, querida, adivinha o que aconteceu? – Minha mãe.
— O quê? - perguntei, desolada.
— Vou levar você para pintar o cabelo! E não venha me perguntar "o quê?", por favor,
querida. Não agüento mais ver você usando esses tons sem graça, cor-de-burro-quando-foge.
Parece que você segue o estilo do Camarada Mao.
— Mãe. Não posso falar agora, estou aguardando ...
— Escuta, Bridget. Não quero ouvir nenhuma desculpa - disse ela, com sua voz de Gengis
Khan. — Mavis Enderby vivia triste com suas cores amarelo-hepatite e ficou outra pessoa
depois que pintou o cabelo e mudou para rosa-shocking e verde-garrafa, parecendo vinte anos
mais jovem.
— Mas eu não quero usar rosas-shocking e verdes-garrafa - falei, entre dentes.
— Bom, querida, Mavis usa Inverno. Eu também, mas você poderia usar Verão como Una,
e se vestir em tons pastel. Você não pode dizer nada antes de ver o resultado da tinta.
— Mãe, não vou pintar o cabelo - falei, desesperada.
— Não quero ouvir mais nada. Tia Una outro dia disse que, se você tivesse um toque de
brilho e cor no dia do bufê de peru ao curry, Mark Darcy teria ficado um pouco mais
interessado. Ninguém quer uma namorada que parece ter saído do campo de concentração de
Auschwitz, querida. - Pensei em contar vantagem e dizer que eu tinha um namorado, apesar
de usar cor de tijolo dos pés à cabeça, mas desisti só de pensar em transformar Daniel num
bom assunto de conversa, que poderia desencadear a enorme sabedoria de mamãe a respeito
de homens.
Consegui que ela parasse de falar na tinta dizendo que ia pensar no assunto.

TERÇA-FEIRA, 17 DE MAIO

58kg (viiiva), 7 cigarros (m.b.), 5 unidades alcoólicas (bom demais estou bastante sóbria).

Daniel continua maravilhoso. Como as pessoas podiam estar tão enganadas a respeito dele?
Minha cabeça está cheia de fantasias românticas com ele: ficar passeando por praias desertas
com os filhinhos, como nos anúncios de Calvin KIein; ser uma Bem-Casada em vez de uma
humilde solteira. Vou sair com Magda.
23h. Humm. Tive um jantar instigante com Magda, que está mto deprimida por causa de
Jeremy. Aquela noite do alarme contra roubo e da gritaria na minha rua foi porque Sloaney
Woney disse que tinha visto Jeremy com uma garota no Harbour Club, bem parecida com
aquela bruxa que vi com ele semanas atrás. Depois disso, Magda me perguntou à queimaroupa
se eu sabia ou tinha visto alguma coisa, então contei da bruxa com o vestido da
Whistles.
Jeremy acabou admitindo que ficou muito atraído pela garota. Mas não tinha dormido com
ela, garantiu. Mesmo assim, Magda estava uma fera.
— Você deve aproveitar ao máximo a vida de solteira, Bridge - disse ela. — Depois de ter
filhos e parar de trabalhar, a gente fica numa situação muito vulnerável. Tenho certeza de que
Jeremy acha que minha vida é um mar de rosas, mas é duro cuidar de uma criança pequena e
um bebê o dia inteiro. Quando ele chega em casa depois do trabalho, só quer colocar os pés
para cima e comer – agora acho que quer também ficar pensando nas garotas de malha justa
que circulam no Harbour Club.
"Eu tinha um emprego ótimo. Agora sei que é muito mais divertido sair para o trabalho,
bem-arrumada, fazer um charme para os homens no escritório e ter almoços divertidos do que
ir à droga do supermercado e pegar Harry na creche. Mas sempre fica a impressão de que não
passo de uma horrorosa freqüentadora assídua da Harvey Nichols, que fico me divertindo em
almoços enquanto ele trabalha para ganhar dinheiro".
Magda é tão bonita. Fiquei observando enquanto ela brincava com sua taça de champanhe
e pensando qual a solução para nós, garotas. Não adianta dizer que a galinha do vizinho é
sempre mais gorda do que a nossa. Quantas vezes fiquei deprimida, chateada, pensando na
minha vida inútil, passando as noites de sábado bebendo e reclamando para Jude, Shanon e
Tom por não ter namorado.
Batalho para fechar o mês e riem de mim porque sou uma maluca solteira, enquanto
Magda mora numa casa enorme, com jarros com oito tipos diferentes de macarrão, e faz
compras o dia inteiro. Mesmo assim, está tão deprimida e insegura, achando que eu sou uma
sortuda....
— Ah, aliás, por falar na Harvey Nicks - disse ela, animando-se -, comprei um vestido
lindo lá hoje, da Joseph, vermelho com dois botões laterais na gola, um caimento perfeito, 280
libras. Puxa, gostaria tanto de ser como você, Bridge, e poder ter um caso com algum homem.
Passar duas horas tomando banho de espuma no domingo de manhã. Ficar a noite inteira na
rua sem ter que explicar nada para ninguém. Você não gostaria de fazer compras amanhã de
manhã?
— Bom, tenho de trabalhar - expliquei.
—Ah - fez ela, surpresa, enquanto brincava com a taça de champanhe. — Você sabe,
quando a gente vê seu marido preferindo outra mulher, é muito ruim ficar em casa
imaginando todos os tipos de mulheres que ele deve estar correndo atrás. Você fica sem saber
o que fazer.
Pensei na minha mãe.
— Tem um jeito de você melhorar rápido. Volte a trabalhar. Arrume um amante. Vire o
jogo com Jeremy.
— É impossível fazer isso com dois filhos de menos de três anos - resignou-se ela. —
Acho que cavei minha própria sepultura.
Ai, Deus. Como Tom sempre diz, numa voz sepulcral, colocando a mão no meu ombro e
olhando nos meus olhos de um jeito apavorante: "Só as mulheres sangram."

SEXTA-FEIRA, 19 DE MAIO

56,5kg (perdi 2,5 kg da noite para o dia, literalmente: devo ter comido alguma coisa que
contém mais calorias que queimam, como alface crespa, por exemplo), 5 unidades alcoólicas
(modesto), 21 cigarros (ruim), 4 bilhetes de loteria (não m.b.).

16h30. O telefone tocou exatamente quando Perpétua estava me apressando porque não
queria se atrasar para o fim de semana no Trehearnes, em Gloucestershire.
— Alô, querida! - era minha mãe. — Imagina só: consegui uma oportunidade ma-ra-vi-
Iho-sa para você.
— O quê?
— Você vai aparecer na televisão - informou, animada, enquanto eu batia a cabeça na
mesa.
— Vou chegar na sua casa com a equipe amanhã às dez horas. Ah, querida, você não está
achando o máximo?
— Mãe. Se você vier para o meu apartamento com uma equipe de tevê, eu não vou estar
aqui.
— Ah, mas você tem que estar - disse ela, com uma voz gélida.
— Não. — Mas a essa altura senti uma ponta de vaidade. — Por que vou aparecer na tevê?
— Ah, querida - arrulhou ela. — A produção do programa quer que eu entreviste uma
pessoa mais jovem no De repente, solteira. Alguém pré-menopausa, que tenha se separado há
pouco tempo e possa falar sobre, digamos, as pressões que sofre pelo fato de não ter filhos e
tal.
— Mas eu não estou na pré-menopausa, mãe! - explodi.
— E não sou De repente, solteira. De repente, tenho um namorado.
— Ah, não seja boba, querida - disse ela, baixinho. Dava para ouvir o barulho da redação
atrás dela.
— Eu tenho um namorado.
— Quem é?
— Não interessa - falei, olhando para trás e vendo Perpétua dar um sorriso afetado.
— Ah, por favor, querida. Eu já disse para a produção que tinha conseguido uma pessoa.
— Não.
— Ah, pooor favooor. Nunca tive uma profissão e agora estou no outono da vida e preciso
de alguma coisa minha - disse ela, sem parar, como se estivesse lendo num papel.
— Tenho medo que algum conhecido meu veja o programa. E você não acha que vão
perceber que sou sua filha?
Houve um silêncio. Ouvi quando ela falava com alguém ao lado. Depois, voltou para o
telefone e disse:
— Podemos esconder seu rosto.
— Como? Enfiando minha cabeça numa sacola? Muito obrigada.
— Não, mostramos só seu perfil. Perfil. Ah, por favor, Bridget. Lembre-se de que eu lhe
dei a dádiva da vida. Onde você estaria se não fosse eu? Em lugar nenhum. Não seria nada.
Um ovo morto. Um nada, querida.
O caso é que, no fundo, eu sempre sonhei em aparecer na televisão.

SÁBADO, 20 DE MAIO

58,5kg, (por quê? De onde?) 7 unidades alcoólicas (sábado), 17 cigarros (consegui diminuir
a quantidade), 0 número certo na loteria (mas me distraí na filmagem).

Menos de trinta segundos depois que a equipe de televisão entrou na minha casa, já tinham
derramado dois copos de vinho no carpete, mas eu não ligo muito para essas coisas. Só
percebi o que estava acontecendo quando dos homens carregando um imenso holofote gritou
“Cuidado com as costas" e perguntou para outro "Trevor, onde quer que ponha essa tralha?"
pouco antes de se desequilibrar e quebrar a lâmpada do holofote na porta de vidro do armário
da cozinha, derrubando uma garrafa de azeite extravirgem sobre meu livro de cozinha River
Café.
Três horas depois, a gravação ainda não tinha começado e eles continuavam circulando
pela casa dizendo "Estou atrapalhando, linda?" Já era quase uma e meia da tarde quando
finalmente começamos a entrevista, com minha mãe e eu sentadas frente a frente, na
penumbra.
— Diga - disse ela, numa voz carinhosa e compreensiva, como nunca ouvi antes -, quando
seu marido a largou, você chegou a pensar - a essa altura, ela quase sussurrava - em suicídio?
Fiquei olhando para ela, pasma.
— Sei que é doloroso para você lembrar. Se acha que não vai agüentar, podemos parar um
pouco - falou, solidária.
Eu estava tão surpresa que não conseguia dizer nada. Que marido?
— Sei que deve ter sido uma época horrível sem ter um companheiro ao lado e com o
relógio biológico continuando a correr - disse ela, me chutando por baixo da mesa.
Chutei-a de volta e ela deu um gritinho.
— Você não quer filhos? - perguntou, me entregando um lenço.
Nesse momento, ouviu-se uma gargalhada nos fundos da sala. Eu tinha pensado que o fato
de Daniel estar dormindo no quarto não daria problema com a gravação: aos sábados ele só
levanta depois do almoço e eu tinha deixado os cigarros dele no travesseiro ao lado.
— Se Bridget engravidasse, perderia o filho - disse, rindo sem parar. — Prazer em
conhecê-Ia, Sra. Jones. Bridget, por que nos sábados você não se arruma, como sua mãe faz?

SEGUNDA-FEIRA, 21 DE MAIO

Minha mãe não fala comigo nem com Daniel porque nós a humilhamos e mostramos, na
frente de toda a sua equipe que era tudo uma farsa. Assim pelo menos nos deixa em paz por
um tempo. Estou louca para que chegue o verão.
Vai ser ótimo ter um namorado no calor. Poderemos dar umas fugidinhas românticas. Mto
feliz.

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