7. Julho: Argh

DOMINGO, 2 DE JULHO

55,3 kg (continuo indo bem), 0 unidade alcoólica, 0 cigarro, 995 calorias, 0 bilhete de
loteria: perfeito.

7h45. Mamãe acaba de ligar.
— Alô, querida, adivinha o que aconteceu?
— Um instante, vou levar o telefone para o outro quarto - falei, olhando nervosa para
Daniel, deitado na cama. Desliguei o telefone na parede, saí do quarto sem fazer barulho,
liguei o telefone de novo e constatei então que minha mãe não tinha percebido nada e
continuava falando com o telefone desligado.
— Então, o que você acha, querida?
— Não sei, eu estava levando o telefone para o outro quarto, como eu disse - respondi.
— Ah, quer dizer que você não escutou nada?
— Não. - Houve um pequeno silêncio.
— Alô, querida, adivinha o que aconteceu? - começou ela outra vez. Às vezes acho que
minha mãe faz parte do mundo moderno; às vezes, que vive num outro planeta. Como quando
deixa recado na minha secretária eletrônica dizendo apenas, alto e bom som: "Aqui é a mãe de
Bridget Jones." — Alô? Alô, querida, adivinha o que aconteceu? - repetiu.
— O quê? - respondi, resignada.
— Una e Geoffrey vão dar uma festa à fantasia chamada Vigários e Vagabundas, no dia 29
de julho. Não acha ótimo? Vigários e Vagabundas! Imagina só!
Fiz um esforço para não imaginar nem ver Una Alconbury de botas justas, meias arrastão e
sutiã de strip-tease. Pessoas de sessenta anos organizando uma festa desse tipo me parecia
antinatural e errado.
— Mas achamos que seria o máximo se você e - seguiu-se um silêncio pudico e pesado -
Daniel viessem. Estamos loucos para conhecê-lo.
Quase desmaiei só de pensar na minha relação com Daniel sendo dissecada nos menores
detalhes pelos comensais da Associação Salva-Vidas de Northamptonshire.
— Não acredito que Daniel vá.
Exatamente quando eu disse isso, caiu a cadeira em que eu me balançava apoiada na mesa
com os joelhos. Fez um barulhão.
Quando peguei o telefone de novo, minha mãe continuava falando.
— Olha, vai ser ótimo. Parece que Mark Darcy também vai, acompanhado, assim...
Daniel apareceu na porta, completamente nu.
— O que houve? Com quem você está falando? - perguntou.
— Com minha mãe - respondi, desesperada, com o canto da boca.
— Dá aqui - disse ele, pegando o telefone. Gosto muito quanto ele demonstra autoridade,
mas sem estar irritado, como agora.
— Sra. Jones, aqui é Daniel - disse ele, com a voz mais charmosa possível.
Quase dava para eu ver mamãe, toda cheia de dedos.
— É um pouco cedo demais para ligar num domingo. É, está mesmo um lindo dia.
Podemos ajudar em alguma coisa?
Ele me olhou enquanto escutava mamãe falando por alguns minutos, depois voltou a
prestar atenção nela.
— Ah, seria ótimo. Vou anotar na agenda no dia 29 e procurar minha camisa de colarinho
duro. Agora, gostaríamos de voltar para a cama e dormir. A senhora se cuide. Até logo - disse
ele com firmeza e desligou. — Viu? Basta só um pouco de firmeza - garantiu, todo
presunçoso.

SÁBADO, 22 DE JULHO

55, 8 kg (hum, tenho de perder uns 500 gramas), 2 unidades alcoólicas, 7 cigarros, 1652
calorias.

Estou adorando a idéia de Daniel ir comigo à festa Vigários e Vagabundas, no próximo
sábado. Vai ser ótimo: uma vez na vida não terei de dirigir sozinha, chegar sozinha e enfrentar
aquela inquisição de por que não arrumei um namorado. Vai estar um lindo dia de verão.
Talvez a gente até possa dar uma paradinha no caminho e passar a noite numa pousada (ou
num hotel sem tevê no quarto. Estou louca para Daniel conhecer meu pai. Tomara que goste
dele.
Duas da manhã. Acordei aos prantos por causa de um sonho horrível que estou tendo no qual
estou fazendo uma prova de francês e enquanto olho as questões me dou conta de que esqueci
de estudar e estou vestida só com o jaleco de ciências, tentando desesperadamente amarrá-lo
na cintura para que a Srta. Chignall não perceba que estou sem nada por baixo. Pensei que
Daniel fosse pelo menos solidário. Sei que o pesadelo está relacionado com minhas
preocupações de trabalho, mas Daniel só acendeu um cigarro e pediu para repetir a parte do
jaleco de ciências.
— Você não sabe o que é isso, já que tem seu bendito diploma de Cambridge - murmurei,
fungando. — Mas jamais esquecerei quando vi no mural da escola minha nota cinco em
francês, o que significava que não poderia ir para Manchester. Aquela nota mudou minha
vida.
— Você devia agradecer a sua boa estrela, Bridge – disse ele, deitando de costas e
soprando a fumaça para o teto. — Você teria certamente se casado com algum chato chamado
Geoffrey Boycott e passaria o resto da vida limpando gaiola de passarinho. Mas - ele
começou a rir .- não tem nada de errado em ter um diploma de ... de... (ria tanto que mal
conseguia falar) Bangor.
— Agora chega. Vou dormir no sofá - gritei, pulando da cama.
— Ei, não faça isso, Bridge - disse ele, me puxando. — Você sabe que eu acho você uma
... grande intelectual. Só precisa aprender a interpretar sonhos.
— Então o que o sonho está querendo me dizer? - perguntei, mal-humorada. — Que não
correspondi à minha capacidade intelectual?
— Não exatamente.
— Então, o quê?
— Bom, acho que o jaleco sem nada por baixo é um símbolo meio óbvio, não?
— De quê?
— De que a busca inútil de uma vida intelectual está atrapalhando sua verdadeira meta.
— Que é qual?
— Ora, preparar todas as minhas refeições, claro - disse ele, não conseguindo disfarçar
como estava se divertindo. — E ficar andando pelo meu apartamento sem calcinhas.

SEXTA-FEIRA-FEIRA, 28 DE JULHO

56, 2 kg (preciso fazer uma dieta para amanhã), 1 unidade alcoólica (m.b.), 8 cigarros, 345
calorias.

Humm. Daniel estava muito carinhoso ontem à noite e passou horas me ajudando a escolher
uma fantasia para usar na festa Vigários e Vagabundas. Ficou sugerindo diversas
combinações, depois dizia o que achava. Gostou muito de uma blusa de colarinho duro e de
urna cinta-liga preta de renda, numa mistura de vigário com vagabunda e acabou resolvendo,
depois de me fazer andar um bocado, que a melhor roupa para mim era o corpete de renda
preta da Marks and Spencer com meias, ligas e um avental igual ao das arrumadeiras
francesas, que fizemos com dois lenços e umas fitas, uma gravata-borboleta e um rabo de
coelho. Daniel foi um amorzinho de me ajudar. Às vezes acho que ele é muito gentil. E estava
também particularmente inclinado a transar.
Ah, não agüento esperar até amanhã.

SÁBADO, 29 DE JULHO

55,8kg (m.b.), 7 unidades alcoólicas, 8 cigarros, 6.245 calorias (malditos Una Alconbury,
Mark Darcy, Daniel, mamãe, todo mundo).

14h. Não acredito no que aconteceu. À uma da tarde, Daniel ainda estava dormindo e eu
comecei a me preocupar porque a festa era às duas e meia. Resolvi acordá-lo, levei uma
xícara de café e disse:
— Acho melhor você levantar porque temos de estar lá às duas e meia.
— Lá onde? - perguntou ele.
— Na festa Vigários e Vagabundas.
— Ah, meu bem. Escuta, acabo de lembrar, tenho tanto trabalho neste fim de semana. Vou
ter de ficar em casa e fazer essa coisarada toda.
Eu não conseguia acreditar. Ele tinha prometido ir. Todo mundo sabe que quando você está
tendo um caso com alguém é obrigado a agüentar todas as terríveis festas familiares, mas ele
acha que basta citar a palavra trabalho para se safar de qualquer coisa. Todos os amigos dos
Alconbury vão ficar perguntando sem parar se já arrumei um namorado e ninguém vai
acreditar que arrumei.
22h. Não acredito no que passei. Dirigi duas horas, estacionei em frente à casa dos Alconbury
e, esperando estar bem na minha fantasia de coelhinha, entrei pela lateral da casa e fui até o
jardim, de onde vinha um vozerio danado.
Quando comecei a atravessar o gramado fez-se silêncio e percebi apavorada que, em vez de
Vigários e Vagabundas as mulheres estavam de esporte fino, usando duas-peças floridos
abaixo dos joelhos, e os homens e calça esporte e suéter de gola em V. Fiquei ali pasma como,
digamos, uma coelha. E enquanto todo mundo me olhava, Una Alconbury veio correndo pelo
gramado num vestido fúcsia plissado, segurando um cesto de plástico cheio de folhas e
maçãs.
— Bridget!!! Que ótimo ver você. Aceita um suco de maçã? - perguntou.
— Pensei que a festa se chamasse Vigários e Vagabundas - sussurrei.
— Ah, meu Deus quer dizer que Geoff não telefonou para você? - disse ela. Inacreditável:
será que ela perguntou isso porque achava que eu costumava andar vestida de coelhinha?
— Geoff, você não ligou para Bridget? - perguntou ela e completou, olhando em volta: —
Nós estávamos querendo conhecer seu novo namorado. Cadê ele?
— Teve de trabalhar - resmunguei.
— Como vai a minha queridinha? - perguntou tio Geoffrey, caindo de bêbado.
— Geoffrey - disse Una, gélida.
— Ombro, armas. Tudo certo, missão cumprida, sargento - disse ele, batendo continência,
depois desmontou no ombro dela, rindo. — Eu liguei para Bridget, mas atendeu uma daquelas
coisorrív falansozin.
— Geoffrey – ordenou Una, baixo. — Vá ver como está o churrasco. Desculpe, querida,
mas depois de todos os escândalos com os vigários da região, nós chegamos à conclusão de
que não seria conveniente dar uma festa chamada Vigários e Vagabundas porque - ela
começou a rir - todo mundo acha que os vigários já são vagabundos. Ah, querida - continuou,
enxugando os olhos, que lacrimejavam de tanto rir -, mas quem é esse novo namorado? Por
que fica trabalhando num sábado? Argh! Não é uma boa desculpa hein? Desse jeito, como
conseguiremos que você se case?
— Desse jeito, vou acabar como garota de programa - resmunguei, tentando descolar o
rabo de coelhinha.
Senti que alguém estava me observando e vi Mark Darcy olhando fixamente para o meu
rabo. Ao lado dele estava a alta, magra e charmosa grande advogada de família num recatado
vestido lilás com paletó, como Jackie O. usava, e óculos presos na cabeça.
A bruxa sorriu afetada para Mark e me olhou dos pés à cabeça, o que era uma grande falta
de educação.
— Você veio de outra festa? - perguntou ela com voz irritante.
— Não, estou indo para o trabalho - respondi. Mark Darcy ouviu, deu um meio sorriso e
desviou o olhar.
— Alô, querida, não posso falar com você. Estou gravando a festa em vídeo - informou
minha mãe, apressada, num esfuziante vestido turquesa plissado e segurando uma claquete. —
Querida, que roupa é essa? Você parece uma prostituta ordinária. Agora, por favor, ninguém
se mexa eeee - disse ela para Julio, que estava com uma câmera - ação!
Apavorada, olhei em volta à procura de papai, mas não o vi. Só vi Mark Darcy
conversando com Una e fazendo um gesto na minha direção. Una, parecendo muito decidida,
veio falar comigo.
— Bridget, estou tão sem graça com essa confusão à respeito da festa à fantasia -
desculpou-se ela. – Mark estava dizendo que você deve estar se sentindo horrível com todos
esses velhos em volta. Quer que eu empreste uma roupa minha?
Passei o resto da festa usando por cima da fantasia de coelhinha um vestido de Janine
quando foi dama de honra, de mangas bufantes e estampas florais estilo Laura Ashley, com a
Natasha do Mark Darcy achando graça e minha mãe de vez em quando passando por mim e
dizendo:
— Lindo vestido, querida. Corta!
Assim que me viu sozinha, Una Alconbury perguntou:
— Acho que a namorada dele não é grande coisa. - referindo-se a Natasha. — Faz muito o
tipo Jovem Senhora. Elaine acha que ela está louca para agarrar um marido. Ah, olá, Mark!
Quer mais um suco de maçã? Que pena Bridget não pôde trazer o namorado. Ele é um rapaz
de sorte, não? - Tudo isso foi dito de forma muito agressiva, como se Una tivesse considerado
uma ofensa pessoal o fato de Mark Darcy ter uma namorada que a) não era eu e b) não tinha
sido apresentada a ele por Una num bufê de peru ao curry.
— Bridget, como é mesmo o nome dele? Daniel, não'! Pam disse que ele é um daqueles
editores supersuperjovens.
— Daniel Cleaver? - perguntou Mark Darcy.
— É, é isso mesmo - concordei, empinando o queixo.
— É amigo seu, Mark? - perguntou Una.
— De jeito nenhum - negou ele.
— Ahh. Espero que esteja à altura da nossa pequena Bridget - insistiu Una, piscando para
mim como se tudo aquilo fosse muito engraçado e não horrível.
— Quero deixar bem claro, insisto, que não sou amigo dele. - repetiu Mark.
— Ah, olha só, Audrey está chegando. Audrey! – chamou Una, sumindo antes de ouvir o
que ele disse, graça a Deus.
— Você com certeza acha que está muito certo – disse eu, furiosa, quando ela se afastou.
— O quê? - perguntou Mark, parecendo surpreso.
— Por favor, não diga "o quê", Mark Darcy - murmurei.
— Você parece a minha mãe - disse ele.
— Dá a impressão que você acha muito certo falar pelas costas do namorado dos outros
para os amigos dos pais deles quando eles não estão presentes só porque você está com
ciúmes - critiquei.
Ele ficou me olhando, como se estivesse pensando em outra coisa.
— Desculpe, estava tentando entender o que você disse. Será que eu ...? Você está dando a
entender que tenho ciúme de Daniel Cleaver? Com você?
— Não, comigo não - falei, irritada, vendo que era isso que parecia. - Eu apenas concluí
que deve haver alguma razão para você ser tão crítico a respeito do meu namorado, além da
pura maldade.
— Mark, querido - miou Natasha, atravessando com graça o gramado e se aproximando.
Era tão alta e magra que não precisava usar saltos, por isso podia andar na grama sem se
afundar, parecia ter sido projetada para isso, como um camelo para o deserto. — Venha contar
para sua mãe dos móveis de sala de jantar que vimos na Conran.
— Eu só quero que você se cuide, é isso - disse ele calmamente.
— E seria bom que sua mãe também se cuidasse - acrescentou, fazendo um gesto com a
cabeça na direção de Julio enquanto Natasha o puxava.
Depois de mais 45 minutos de horror, achei que podia ir embora sem parecer indelicada
com Una. Dei a desculpa de que precisava trabalhar.
— Vocês, garotas que trabalham! Tem uma coisa que não podem ficar adiando para
sempre: tique-taque, tique-taque, tique-taque - avisou.
Antes de me acalmar o bastante para dirigir tive de fumar um cigarro no carro durante
cinco minutos. Aí, exatamente ao entrar na estrada principal, o carro do meu pai passou pelo
meu. No banco ao lado dele estava Penny Husbands-Bosworth, usando um corpete de renda
vermelho e orelhas de coelhinha.
Quando cheguei em Londres e saí da auto-estrada estava me sentindo muito confusa, além
de ter voltado mais cedo do que pensava. Então achei que, em vez de ir direto para casa, podia
procurar um pouco de apoio em Daniel.
Parei de frente com o carro dele. Toquei a campanhinha mas ninguém atendeu, esperei um
pouco e toquei de novo caso ele estivesse no meio de uma boa jogada de críquete ou algo
assim. Ninguém respondeu. Sabia que ele estava lá por causa do carro e porque tinha dito que
ia ficar trabalhando e assistindo ao jogo na tevê. Olhei para a janela do apartamento e lá
estava Daniel.
Acenei para ele e apontei a porta. Ele sumiu, pensei que fosse, apertar o botão para abrir a
porta, então toquei a campainha outra vez. Algum tempo depois ele respondeu:
— Olá, Bridge. Eu estava numa ligação para os Estados Unidos. Posso encontrar você no
bar daqui a dez minutos?
— Certo - respondi animada, sem pensar, e fui andando para a esquina. Mas quando dei
uma olhada lá estava ele de novo, não ao telefone, mas me olhando pela janela.
Esperta como uma raposa, fingi que não vi e fui andando, mas por dentro estava
transtornada. Por que ele estava me olhando? Por que não respondeu à campainha logo? Por
que não apertou o botão lá de cima e abriu a porta para eu entrar? De repente, a idéia me
atingiu como um raio: ele estava com uma mulher.
Com o coração aos pulos, dei a volta no quarteirão e, bem encostada na parede, olhei se ele
ainda estava na janela. Não vi ninguém. Voltei rápido e fiquei escondida na entrada do prédio
vizinho, observando entre as colunas se alguma mulher saía. Fiquei ali, mas depois comecei a
pensar: se sair uma mulher do prédio, como saber se estava no apartamento de Daniel e não
em outro? O que eu faria? Falava com ela? Dava voz de prisão? Além do mais, ele podia
muito bem dizer para a mulher ficar no apartamento enquanto ia me encontrar no bar.
Olhei meu relógio. Seis e meia. Ah! O bar ainda não estava aberto. Boa desculpa.
Confiante, voltei para a porta do prédio e apertei a campainha.
— Bridget, você outra vez? - protestou ele.
— O bar ainda não abriu.
Houve um silêncio. Será que ouvi uma voz ao fundo?
Negando a realidade, achei que ele estava apenas lavando dinheiro ou traficando drogas.
Vai ver que tentava esconder sacolas plásticas cheias de cocaína debaixo das tábuas do chão,
ajudado por um sul-americano esperto de rabo-de-cavalo.
— Deixa eu entrar - eu disse.
— Já disse, estou falando ao telefone.
— Deixa eu entrar.
— Como? - Uma coisa era certa: ele estava tentando ganhar tempo.
— Daniel, aperte o botão - mandei.
Não é interessante como você consegue sentir a presença de uma pessoa mesmo sem vê-la
ou ouvi-la? Ah, claro que eu dei uma olhada nos armários quando subi a escada, não tinha
ninguém neles. Mas eu sabia que tinha uma mulher na casa de Daniel. Talvez eu tivesse
sentido um leve perfume... ou alguma coisa no comportamento dele. Não importa como, eu
sabia.
Ficamos de frente um para o outro, desconfiados, na sala de estar. Eu estava louca para
começar a abrir e fechar todos os armários da casa, igual a minha mãe, e ligar para o 1471 e
perguntar se havia algum registro de ligação dos Estados Unidos.
— Que roupa é essa? - perguntou ele. Na confusão, esqueci que estava usando o vestido de
Janine.
— De dama de honra - expliquei, impávida.
— Quer um drinque? - perguntou Daniel. Pensei rápido. Tinha de fazer com que ele fosse
para a cozinha, assim eu poderia examinar todos os armários.
— Uma xícara de chá, por favor.
— Você está bem? - perguntou ele.
— Estou ótima! - garanti. — Adorei a festa. Eu era a única pessoa fantasiada, por isso tive
de colocar um vestido de dama de honra, Mark Darcy estava lá com Natasha, sua camisa é
muito bonita ... - parei, ofegante, percebendo que eu estava igual (não é que "estivesse
ficando") a minha mãe.
Ele me olhou, depois foi para a cozinha. Rápida, aproveitei para atravessar a sala e olhar
atrás do sofá e das cortinas.
— O que você está fazendo?
Daniel estava na porta da cozinha.
— Nada, nada. Achei que tinha esquecido uma saia atrás do sofá - expliquei, tirando as
almofadas, enlouquecida, como se estivesse numa cena de vaudeville.
Ele me olhou desconfiado e voltou para a cozinha.
Como concluí que não havia tempo para ligar para o 1471, olhei rapidamente no armário
onde ele guarda o cobertor do sofá-cama - não tinha ninguém dentro -, depois fui atrás dele
até a cozinha e abri a porta do armário do corredor, o que fez com que a tábua de passar
caísse, além de uma caixa de velhos elepês de vinil que se espalharam pelo chão.
— O que você está fazendo? - perguntou ele outra vez, saindo da cozinha.
— Desculpe, a porta prendeu na manga da minha blusa - expliquei. — Estava indo ao
banheiro.
Daniel ficou me olhando pasmo, como se eu fosse louca, então não dava para olhar no
quarto. Entrei no banheiro, tranquei a porta e comecei a remexer em tudo. Não sabia
exatamente o que estava procurando: fios de cabelo louro, lenços de papel com marcas de
batom, escovas de cabelo que eu não conhecia - qualquer coisa dessas seria uma pista. Nada.
Então, abri a porta devagar, olhei para os dois lados, fui me esgueirando pelo corredor,
empurrei a porta do quarto de Daniel e quase morri de susto. Tinha uma pessoa lá.
— Bridge. - Era Daniel, empunhando um jeans como se quisesse se defender com ele. —
O que está fazendo aqui?
— Ouvi você vindo para cá e aí, então, pensei num encontro secreto - falei, me
aproximando de uma forma que seria muito sexy, não fosse o meu vestido de florezinhas.
Encostei a cabeça no peito dele e abracei-o tentando cheirar a camisa para sentir resquícios de
perfume e dar uma olhada na cama, que estava desfeita, como sempre.
— Humm, você ainda está com aquela roupa de coelhinha por baixo, não? - perguntou ele,
começando a abrir o zíper do vestido de dama de honra e me apertando de um jeito que
deixava bem claro quais eram suas intenções. De repente, me ocorreu que aquilo podia ser um
truque e que ele ia me seduzir enquanto a mulher escapava tranqüilamente. — Ah, a chaleira
deve estar fervendo - disse Daniel de repente, fechando o zíper do meu vestido e me dando
uma palmadinha de um jeito que não era o dele.
Quando começa, ele costuma ir até o fim mesmo se houver um terremoto, maremoto ou
aparecer uma foto da ministra Virginia Bottomley nua na tevê.
— Ah, sim, é melhor fazer o chá - falei, achando que isso me daria a chance de dar uma
olhada no quarto e no escritório.
— Pode passar - disse Daniel, me empurrando para fora do quarto e fechando a porta de
forma que fui andando na frente dele até a cozinha. No meio do caminho, vi a porta que dava
para o terraço, na cobertura.
— Vamos sentar na sala? - perguntou Daniel.
Ela estava lá, no maldito terraço. Quando olhei desconfiada para a porta, ele perguntou:
— O que houve?
— Na-da - respondi numa vozinha cantante, indo para a sala. — Só estou um pouco
cansada da festa.
Me joguei no sofá parecendo muito à vontade e pensando se devia, mais rápido do que a
luz, ir até o escritório, derradeiro local onde ela devia estar, ou correr até o terraço. Achei que,
se não estivesse no terraço, estaria no escritório, no guarda-roupa do quarto ou embaixo da
cama. E portanto, se subíssemos para o terraço, ela poderia fugir. Mas se fosse esse o caso
Daniel já teria sugerido irmos para o terraço antes.
Ele me trouxe uma xícara de chá e sentou em frente ao seu laptop, que estava aberto e
ligado. Só então comecei a achar que talvez não existisse mulher nenhuma. Havia um texto na
tela - quando cheguei, talvez ele estivesse mesmo trabalhando e falando com alguém nos
Estados Unidos. E eu, idiota, estava me comportando como uma doida.
— Tem certeza de que está tudo certo com você, Bridge?
— Tudo ótimo. Por quê?
— Bom, você aparece na minha casa sem avisar, num vestido de coelha disfarçada de
dama de honra, e fuça todos os.quartos. Se não era para espionar alguma coisa, eu gostaria de
saber o porquê, só isso.
Fiquei me sentindo uma completa idiota. Era a droga do Mark Darcy tentando atrapalhar
minha relação fazendo com que eu ficasse desconfiada. Pobre Daniel, era tão injusto ficar
duvidando dele só por causa do que disse um sujeito arrogante, mal-humorado, grande
advogado de direitos humanos. Foi aí que ouvi alguma coisa sendo arrastada no terraço, em
cima.
— Acho que estou com um pouco de calor - falei, prestando atenção em Daniel. — Vou
subir e sentar no terraço um pouco.
— Pelo amor de Deus, será que você não pára um instante? - gritou ele, tentando impedir
que eu passasse, mas fui mais rápida. Passei, abri a porta, subi as escadas correndo e abri a
portinhola para o terraço ensolarado.
Lá, estirada numa espreguiçadeira, estava uma loura longilínea e bronzeada,
completamente nua. Fiquei paralisada,me sentindo um enorme pudim no vestido de dama de
honra. A mulher levantou a cabeça, tirou os óculos de sol e virou-se para mim, com um dos
olhos fechados. Ouvi Daniel subindo as escadas.
Olhando para ele, a mulher disse, com sotaque americano:
— Mas, meu bem, você não disse que ela era magra?

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