Capítulo 14 > (Hora mais sombria)

Se você me perguntar, acho que o padre D. exagerou na reação.
Quero dizer, em primeiro lugar eu estava com a situação sob controle.
E em segundo, não era como se eu tivesse sacrificado animais ou sei lá o quê. Puxa, a galinha já estava morta.
De modo que todo o alarde e ficar xingando a gente foi realmente desnecessário.
Não que ele tivesse xingado Jack. Não, a maioria dos xingamentos foi contra mim. Parece que eu estar disposta a me destruir é uma coisa. Mas obrigar um menino a ajudar na minha destruição? É simplesmente desprezível.
E quando observei que o garotinho é que havia criado a necessidade de eu me comportar de modo destrutivo? É, não foi um argumento muito bom.
Mas o que todo esse negócio fez foi ilustrar ao padre Dominic como eu estava falando sério com relação ao plano. Acho que ele finalmente percebeu que eu ia fazer o máximo para encontrar Jesse, com ou sem sua ajuda.
Por isso decidiu que, nas circunstâncias, era melhor ajudar, nem que fosse para melhorar minhas chances e não me machucar nem machucar outras pessoas.
- E de jeito nenhum será uma operação escusa - disse ele, parecendo todo incomodado com isso enquanto abria as portas da basílica. - Nada desse negócio de macumba brasileira. Vamos fazer um exorcismo cristão decente, ou não vamos fazer nada.
Verdade, se você pensar bem, provavelmente eu tenho as conversas mais bizarras do planeta. Sério. Quero dizer, exorcismo cristão decente?
Mas não só minhas conversas são bizarras. As circunstâncias em que converso também são bem estranhas. Por exemplo, eu estava tendo essa conversa numa igreja escura e vazia. Escura porque passava da meia-noite, e vazia pelo mesmo motivo.
- E você terá a supervisão de um adulto - disse o padre Dominic enquanto me fazia entrar. - Simplesmente não posso imaginar como esperava que o menino pudesse fazer um procedimento tão complicado ...
Ele viera falando a tarde inteira nesse tom. Na verdade falou até que os pais de Jack - para não mencionar Paul - voltaram à suíte. O padre D., claro, não tinha conseguido me tirar imediatamente como queria, por causa do Jack.
Em vez disso Jack e eu fomos obrigados a limpar a sujeira que tínhamos feito - não é brincadeira limpar sangue de galinha entre os ladrilhos do banheiro usando esponja, vou lhe contar - e então tivemos de sentar e esperar o dr. e a sra. Slater voltarem da aula de tênis. Os pais de Jack ficaram meio surpresos ao encontrar nós três no sofá. Quero dizer, pense bem: uma babá, um garoto e um padre? Isso é que é se sentir doidona.
Mas o que eu podia fazer? O padre D. não sairia sem mim. Não confiava que eu não tentaria me exorcizar.
Por isso nós três ficamos ali sentados enquanto o padre D. fazia sermões sobre a bela arte da mediação. Falou por duas horas. Não estou brincando. Duas horas. Vou lhe contar, no fim, Jack provavelmente estava se arrependendo de ter me falado o negócio de "eu vejo gente morta". Provavelmente estava pensando tipo: "Ah, é, sabe a gente morta? Brincadeirinha, pessoal. Eu estava brincando ... "
Mas não sei, porque talvez fosse bom o moleque ficar sabendo o que se deve e o que não se deve fazer. Deus sabia que eu não fora muito lúcida com minha Introdução à Mediação. Quero dizer, se eu tivesse sido um pouco mais clara nos detalhes, talvez toda essa coisa com Jesse não ...
Mas tanto faz. A gente só consegue se censurar até certo ponto. Tinha toda a consciência de que a confusão era por minha culpa. Por isso estava tão decidida a consertar.
Ah. E a parte de eu estar apaixonada pelo cara? É, isso também tinha um pouquinho a ver.
De qualquer modo era isso que estávamos fazendo quando os pais de Jack entraram: ouvindo o padre D. arengar sobre responsabilidade e cortesia ao lidar com os defuntos. O padre Dominic parou quando o doutor e a sra. Slater, seguidos por Paul, entraram na suíte. Eles, por sua vez, pararam de papear sobre os planos do jantar e ficaram ali parados, olhando.
Foi Paul quem se recuperou primeiro.
- Suze - disse ele, sorrindo. - Que surpresa! Achei que você não estava se sentindo bem.
- Melhorei - respondi ficando de pé. - dr. e sra. Slater, este é ... bem ... o diretor da minha escola, o padre Dominic. Ele teve a gentileza de me dar uma carona para eu poder ... é ... visitar o Jack.
- Como vão? - O padre Dominic se levantou rapidamente. Como falei, o padre D. não é carente no departamento aparência. Tinha uma figura bem impressionante: todo o metro e noventa com topo nevado. Não parecia o tipo de sujeito que você acharia estranho encontrar em sua suíte de hotel com seu filho de oito anos e a babá. O que quer dizer muita coisa, você sabe.
Quando o doutor e a sra. Slater ficaram sabendo que o padre D. era ligado à Missão Junipero Serra, ficaram todos amigáveis e começaram a dizer como tinham feito o circuito turístico e como foi impressionante. Acho que não queriam que ele pensasse que eram do tipo de gente que ia a uma cidade com uma significativa fatia da história norte-americana e passavam o tempo todo jogando golfe e tomando coquetéis.
Enquanto os pais e o padre D. confraternizavam, Paul chegou perto de mim e sussurrou:
- O que você vai fazer esta noite?
Pensei em dizer a verdade: Ah, nada. Só exorcizar minha alma para poder percorrer o purgatório, procurando o fantasma do caubói morto que morava no meu quarto.
Mas isso, claro, poderia parecer petulante, ou como uma daquelas desculpas que as garotas inventam. Você sabe, tipo a velha dispensa do vou lavar meu cabelo. Por isso apenas falei:
- Tenho um compromisso.
- Que pena. Esperava que a gente pudesse ir ate Big Sur e olhar o pôr-do-sol, depois comer alguma coisa.
- Desculpe - falei sorrindo. - Parece ótimo, mas, como disse, tenho um compromisso.
A maioria dos caras teria parado por aí, mas Paul, por algum motivo, não parou. Até estendeu a mão e casualmente passou o brarço pelos meus ombros ... se é que se pode fazer isso casualmente. Mas, de algum modo, conseguiu. Talvez porque more em Seattle.
- Suze - disse ele, baixando tanto a voz que ninguém mais na sala podia ouvir, principalmente o irmãozinho, que claramente estava esticando o pescoço num esforço para escutar. - É sexta-feira. Nós vamos embora depois de amanhã. Talvez a gente nunca mais se veja. Anda. Dê uma chance, está bem?
Não tenho caras dando em cima de mim com tanta freqüência, pelo menos não gatos como Paul. Quero dizer, a maioria dos caras que gostaram de mim desde que me mudei para a Califórnia ... bem, tinham sérios problemas de relacionamento, como o fato de que acabaram cumprindo longas penas por assassinato.
De modo que isso era bem novo para mim. Apesar de contra a vontade, me impressionei.
Mesmo assim, não sou idiota. Ainda que eu não estivesse apaixonada por outro, Paul Slater era de outra cidade. É fácil para os caras que vão embora dali a dois dias dar em cima das garotas. Quero dizer, nem vem! Eles não precisam se comprometer.
- Nossa - respondi. - Isso é uma maravilha. Mas sabe de uma coisa? Eu tenho realmente outros planos. - Sai de baixo de seu braço e interrompi totalmente a detalhada descrição do dr. Slater sobre o golfe do dia. - Pode me dar uma carona para casa, padre D.?
O padre Dominic disse que podia, claro, e fomos embora.
Notei Paul me olhando de cima a baixo enquanto nos despedíamos, mas achei que era porque estava com raiva por eu ter recusado o convite.
Não sabia que os motivos eram totalmente diferentes.
Pelo menos na hora não sabia. Se bem que, claro, deveria saber. Deveria mesmo.
De qualquer modo, o padre D. fez sermão por todo o caminho até em casa. Estava muito furioso, mais do que jamais tinha estado comigo, e já fiz coisas que o deixaram bem pê da vida. Perguntei como ele deduziu que eu estava no hotel, e não no jornal ajudando Cee Cee a escrever a matéria, como tinha dito, e ele respondeu que não foi difícil: bastou lembrar que Cee Cee só tirava nota dez, e certamente não precisaria da minha ajuda para escrever nada, e deu a volta no carro. Quando descobriu que eu tinha saído havia dez minutos, tentou pensar onde iria em circunstâncias semelhantes, quando tinha a minha idade.
- O hotel era a opção óbvia - informou o padre Dominic enquanto parávamos diante de minha casa. Desta vez não havia ambulâncias, fiquei aliviada em notar. Só os pinheiros sombreados e o som baixo do radio que Andy ouvia nos fundos, trabalhando no deque. Era uma tarde sonolenta de verão. Nem um pouco do tipo em que você pensaria ao ouvir a palavra exorcismo.
- Você não é exatamente imprevisível, Suzannah.
Posso ser previsível, mas isso aparentemente deu resultado, já que, logo antes de eu sair do carro, o padre D. falou: - Vou voltar a meia-noite para levá-la à Missão.
Olhei-o, surpresa.
-À Missão?
- Se vamos fazer um exorcismo - disse tenso -, vamos fazer direito, numa casa do Senhor. Infelizmente o monsenhor, como você sabe, não gostaria de que uma propriedade da Igreja fosse usada desse modo. Portanto, mesmo não gostando de recorrer a um subterfúgio, vejo que você não será convencida a sair desse rumo, de modo que neste caso o subterfúgio será necessário. Quero garantir que não haverá chance de a irmã Ernestine ou mais alguém nos descobrir. Portanto, terá de ser à meia-noite.
E portanto era meia-noite.
Não consigo realmente dizer o que fiz no meio tempo.
Estava nervosa demais para fazer grande coisa. Jantamos comida para viagem. Não sei o que era. Mal provei. Éramos somente eu, mamãe e Andy, já que Soneca tinha um encontro com Caitlin e Dunga estava com sua última vagabunda.
A única coisa que sei com certeza é que Cee Cee ligou com a notícia de que a matéria sobre a conturbada família Silva/Diego seria publicada no jornal de domingo por causa das curiosidades e coisa e tal.
Segundo ela me informou, o legista tinha feito uma confirmação provisória do que eu havia contado: o esqueleto que acharam no quintal tinha entre 150 e 175 anos, e pertencia a alguém do sexo masculino, com idade entre vinte e vinte e cinco anos.
- A raça é difícil de determinar - continuou Cee Cee - devido ao dano no crânio causado pela pá de Brad. Mas eles têm certeza da causa da morte.
Grudei o fone no ouvido, consciente de que mamãe e Andy, à mesa de jantar, poderiam ouvir cada palavra.
- E? - perguntei, tentando manter o tom tranqüilo. Mas podia me sentir ficando com frio de novo, como acontecera naquela tarde, no cubículo da copiadora.
- Asfixia - disse Cee Cee. - Há um osso no pescoço, pelo qual dá para saber.
- Então ele foi...
- Estrangulado - confirmou Cee Cee, de modo casual. - Escute, o que você vai fazer esta noite? Quer vir aqui? Adam tem de fazer uma coisa para a família dele. A gente podia alugar um filme ...
- Não. Não, não posso. Obrigada, Cee Cee. Muito obrigada.
Desliguei o telefone.
Estrangulado. Jesse tinha morrido estrangulado. Por Felix Diego. Curioso, mas de algum modo sempre imaginei que ele tinha levado um tiro. Mas estrangulado fazia mais sentido: as pessoas ouviriam o tiro e iriam investigar. Então não haveria duvida quanta ao que havia acontecido com Hector de Silva.
Mas estrangulamento? Isso era bem silencioso. Felix poderia facilmente ter estrangulado Jesse enquanto ele dormia, depois levado o corpo para o quintal e enterrado, junto com seus pertences. Ninguém saberia ...
Acho que devo ter ficado parada olhando o telefone durante um tempo, porque minha mãe falou: - Suze? Você está bem, querida?
Dei um pulo.
- Estou, mãe. Claro. Estou ótima.
Mas não estava. E certamente não estou agora.
Só tinha ido umas duas vezes à Missão durante a noite, e o lugar ainda era tão assustador como antes ... sombras compridas, recessos escuros, ruídos esquisitos enquanto nossos pés ecoavam pelo corredor entre os bancos. Havia uma estátua da Virgem Maria perto da porta, e Adam tinha me dito uma vez que, se você passasse por ela enquanto pensava alguma coisa impura, e estátua chorava sangue.
Bom, meus pensamentos enquanto entrava na basílica não eram exatamente impuros, mas ao passar pela Virgem Maria notei que ela parecia mais particularmente propensa a chorar sangue do que o normal. Ou talvez fosse apenas o escuro.
De qualquer modo, eu estava me sentindo esquisitíssima.
Acima da cabeça abria-se a enorme cúpula que dava para ver da janela do meu quarto, luzindo vermelha ao sol e azul ao luar, e diante de mim se erguia o nicho onde ficava o altar banhado de branco.
O padre Dom estivera ocupado, deu para ver quando entrei na igreja. Velas tinham sido postas num grande círculo diante da balaustrada do altar. Ainda murmurando baixinho sobre minha necessidade de supervisão adulta, o padre Dominic se inclinou e começou a acender os pavios.
- É aí o que o senhor ... quero dizer, nós, vamos fazer? Perguntei.
O padre Dominic se empertigou e examinou o trabalho.
- É. - Então, não entendendo minha expressão, acrescentou secamente: - Não se engane com a ausência de sangue de galinha, Suzannah. Garanto que a cerimônia católica de exorcismo é altamente eficaz.
- Não - falei rapidamente. - É só que ...
Olhei para o chão no meio do círculo de velas. Parecia muito duro - muito mais do que o piso do banheiro no hotel. Lá era ladrilho. Aqui era mármore. Lembrando-me do que Jack tinha dito, falei:
- E se eu cair? Posso bater a cabeça de novo.
- Felizmente você estará deitada.
- Não posso ter um travesseiro ou algo assim? Quero dizer, puxa! Esse chão parece frio. - Olhei para a toalha do altar. - Que tal aquilo? Posso me deitar em cima?
O padre Dominic ficou bastante chocado para um cara que ia exorcizar uma garota que não estava possuída nem morta.
- Pelo amor de Deus, Suzannah. Seria sacrilégio.
Em vez disso foi pegar alguns mantos do coro para mim.
Fiz uma caminha no chão, entre as velas, e me deitei. Na verdade ficou bem confortável.
Uma pena meu coração estar batendo forte demais para eu ao menos conseguir cochilar.
- Certo, Suzannah - disse o padre D. Ele não se mostrava satisfeito comigo havia algum tempo. Mas estava cedendo ao inevitável.
Mesmo assim parecia achar necessário um ultimo sermão.
- Estou disposto a ajudá-la com esse seu plano ridículo, mas só porque sei que, se não fizer isso, você tentara fazer sozinha ou, que Deus não permita, com a ajuda daquele menino. - O padre D. estava me olhando muito serio. - Mas nem por um minuto pense que aprovo.
Abri a boca para argumentar, mas ele ergueu uma das mãos.
- Não. Deixe-me terminar, por favor. O que Maria de Silva fez foi errado. Mas não consigo ver nada disso terminando bem. Segundo minha experiência, Suzannah, e espero que você concorde que minha experiência é significativamente maior que a sua, assim que os espíritos são exorcizados, permanecem exorcizados.
Abri a boca de novo, e de novo o padre D. me calou:
- O lugar aonde você vai - prosseguiu ele - será como uma área de espera para os espíritos que passaram do plano astral, mas ainda não chegaram ao destino definitivo. Se Jesse ainda estiver lá e você conseguir encontrá-lo (e você entende que eu considero esse um "se" muito grande, porque não creio que vá conseguir), não fique surpresa se ele escolher continuar onde está.
- Padre D. - comecei, apoiando-me nos cotovelos, mas ele balançou a cabeça.
- Pode ser a única chance dele para ir em frente, Suzannah.
- Não. Não é verdade. Veja bem, há um motivo para ele ter ficado na minha casa durante tanto tempo. Ele só precisa descobrir qual é, e poderá ir em frente por conta própria e ...
- Suzannah - interrompeu o padre Dominic. - Tenho certeza de que não é tão simples ...
- Ele tem o direito de decidir sozinho - insisti com os dentes trincados.
- Concordo. É isso que estou tentando dizer, Suzannah. Se você encontrá-lo, deve deixar que ele decida. E não deve ... bem, não deve tentar usar qualquer tipo de ... e ...
Só pisquei para ele.
- Padre D., o que o senhor está falando?
- Bem, é só que ... - O padre Dominic pareceu mais sem graça do que eu jamais tinha visto. Eu não fazia a mínima idéia do que havia de errado com o sujeito. - Vejo que você trocou de ...
Olhei para mim mesma. Tinha trocado de roupa, substituí o vestido cor-de-rosa por um preto, com pequenos botões de rosa bordados. Combinei com uns sapatinhos Prada totalmente lindos. Tinha demorado um tempo enorme para escolher o conjunto. Quero dizer, o que a gente usa num exorcismo? Não precisava nem um pouco do padre D. detonando minha vestimenta.
- O que é? - perguntei na defensiva. - O que há de errado com ela? É fúnebre demais? É fúnebre demais, não é? Eu sabia que preto estava errado para a ocasião.
- Não há nada errado com ela - disse o padre Dominic. - É simplesmente que ... Suzannah, você não deve tentar usar seus artifícios sexuais para influenciar a decisão de Jesse.
Meu queixo caiu. Certo. Agora eu estava furiosa.
- Padre Dominic! - sentei-me e gritei. Mas depois fiquei totalmente sem fala. Não podia pensar em nada para dizer alem de: - Fala sério!
- Suzannah - insistiu o padre Dominic severamente. - Não finja que não sabe o que eu quis dizer. Sei que você gosta de Jesse. Só estou pedindo que não use seus - ele pigarreou - encantos femininos para manipular ...
- Como se eu pudesse – resmunguei.
- Sim. - o tom do padre era firme. - Pode. Só estou pedindo que não faça. Pelo bem de vocês dois. Não faça.
- Ótimo. Não vou fazer. Não estava planejando isso.
- Fico feliz em ouvir. - o padre Dominic abriu um pequeno livro encadernado em couro e começou a folhear. - Comecemos, então?
- Acho que sim. - Ainda resmungando, deitei-me. Não podia acreditar que o padre D. tinha acabado de sugerir aquilo: que eu usaria meu sex appeal para atrair Jesse de volta. Há! O padre D. estava deixando de ver duas coisas simples: uma que eu não sei se tenho sex appeal, e duas, que, se tenho, Jesse obviamente nunca notou.
Mesmo assim o padre Dominic tinha se sentido obrigado a dizer algo a respeito, o que deve significar que notou alguma coisa. Devia ser o vestido. Nada mau por 95 dólares e 95 centavos.
Enquanto estava ali deitada, um riso lento se esgueirou por meu rosto. O padre D. tinha usado a palavra sexual. Falando de mim!
Excelente.
O padre D. começou a ler seu livrinho. Enquanto lia, balançava a bola de metal de onde saia fumaça. A fumaça era do incenso que queimava dentro da bola de metal. Vou lhe contar: fedia.
Não dava para entender o que o padre D. estava dizendo, já que era em latim. Mas parecia legal. Fiquei ali deitada, no meu vestido pretinho básico, imaginando se deveria ter posto uma calça comprida. Quero dizer, quem sabe o que eu encontraria lá? E se tivesse de subir em alguma coisa? As pessoas veriam minha calcinha.
É de pensar que eu estaria tendo pensamentos mais profundos, mas lamento muito informar que a coisa mais profunda que pensei enquanto o padre Dominic exorcizava minha alma era que, quando tudo isso acabasse, com Jesse em casa e Maria e Felix trancados de volta na cripta que era o lugar deles, eu ia me encharcar durante um tempo enorme naquela mini-piscina quente que Andy estava instalando, porque, vou lhe contar, eu estava um caco.
E então uma coisa começou a acontecer acima da minha cabeça. Uma parte da cúpula desapareceu e foi substituída por um monte de fumaça. Então percebi que era a fumaça do incenso que o padre D. estava balançando. Ela se enrolava como um tornado acima da minha cabeça.
Em seguida, no centro do tornado, vi o céu noturno.
Como se a cúpula no topo da basílica não estivesse mais lá. Dava para ver estrelas piscando frias. Não reconheci nenhuma constelação, apesar de Jesse ter tentado me ensinar, antes. Lá no Brooklyn não era possível ver as estrelas tão bem por causa das luzes da cidade. De modo que, além da Ursa Maior, que sempre dá para ver, não sei o nome de nenhuma constelação.
Não importava. O que eu estava venda não era o céu.
Pelo menos não o céu da Terra. Era outra coisa. Outro lugar.
- Suzannah - disse o padre Dominic gentilmente. Levei um susto e olhei para ele. Percebi que tinha ficado meio adormecida, olhando aquele céu.
- O que é?
- Está na hora.

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