Certo, eu saí com ele.
E daí?
O que isso faz de mim? Quero dizer, o cara perguntou se eu queria comer um hambúrguer com ele depois de eu deixar o irmão de volta com os pais às cinco horas, e eu disse que sim.
Por que não diria? O que tenho a me esperar em casa, hein? Certamente nenhuma esperança de jantar. Barata a milanesa? Fricassê de aranha?
Ah, sim, e um fantasma que mandou assassinar o noivo e estava tentando me apagar na oportunidade mais próxima.
Achei que talvez eu tivesse feito um mau julgamento de Paul. Talvez não tivesse sido justa. Quero dizer, é: ele havia bancado o perseguidor na véspera, mas tinha compensado tremendamente com o negócio de me resgatar da polícia.
E não deu em cima de mim nenhuma vez. Nenhuma. Quando falei que queria ir para casa, ele disse: sem problema, e me levou para casa.
Certamente não foi culpa dele que, quando chegamos a minha casa, não tenha podido chegar a entrada de veículos por causa de todos os carros da polícia e ambulâncias estacionados ali.
Juro, uma coisa que vou comprar com o dinheiro do trabalho de verão é um celular. Porque coisas vivem acontecendo e eu não tenho idéia, porque estou comendo hambúrgueres com alguém no Friday’s.
Pulei do carro e corri até onde todas aquelas pessoas estavam paradas. Quando cheguei ao cordão de isolamento estendido em volta do buraco onde a minipiscina quente ficaria, alguém me agarrou pela cintura e me fez girar antes que eu tivesse chance de fazer o que queria, que era – ainda que não tivesse muita clareza quanto a isso – pular no buraco e me juntar as pessoas que vi no fundo, curvadas sobre algo que eu tinha bastante certeza de que era um corpo.
Mas, como falei, alguém me impediu.
- Epa, tigresa – disse alguém, me girando. Por acaso era o Andy, extremamente sujo, suado e diferente de seu jeito normal. – Espera aí. Não -tem nada para ver.
- Andy. – O sol ainda não havia se posto, mas mesmo assim eu estava com problema para enxergar. Era como se estivesse num túnel, e só pudesse ver um ponto luminoso bem no final. – Andy, onde está minha mãe?
- Sua mãe está bem. Todo mundo está bem.
O ponto de luz começou a aumentar um pouco. Agora eu podia ver o rosto de minha mãe, olhando-me preocupada do deque, tendo Dunga ao lado com o riso de desprezo de sempre.
- Então o que... – Vi os homens no fundo do buraco levantando uma maca. Sobre a maca havia um saco plástico preto, para cadáveres, do tipo que a gente sempre vê na televisão. – Quem é aquele?
- Bem, não sabemos – respondeu meu padrasto. – Mas, quem quer que seja, estava aí há muito tempo, portanto as chances são de que não seja alguém que conhecemos.
O rosto de Dunga pairou grande em minha linha de visão.
- É um esqueleto – informou com enorme prazer. Parecia ter superado o fato de que, naquela manhã mesmo, tivera a boca cheia de besouros e tinha voltado a seu jeito insuportável. – Foi totalmente incrível, Suze, você deveria estar aqui. Minha pá atravessou direto o crânio. Ele estalou que nem um ovo ou sei lá o que.
Bem, para mim isso bastou. Minha visão de túnel voltou imediatamente, mas não o bastante para deixar de perceber algo que caiu enquanto a maca passa por mim. Meu olhar se fixou na coisa, acompanhando-a até pousar no chão perto dos meus pés. Era apenas um pedaço de material manchado e extremamente puído, não maior que minha mão. Parecia um trapo, mas dava para ver que já tivera renda nas bordas. Pedacinhos de renda ainda se grudavam como fiapos, em especial em volta do canto, onde, muito debilmente, dava pra ler três iniciais bordadas.
MDS.
Maria de Silva. Era o lenço que Jesse tinha usado na noite passada para secar minhas lágrimas. Só que era o lenço de verdade, puído e marrom devido ao tempo.
E tinha caído do amontoado de material podre que mantinha juntos os ossos de Jesse.
Virei-me e vomitei meu cheeseburger de bacon e batata frita do Friday’s na lateral da casa.
Não preciso dizer que ninguém, além de minha mãe, foi muito simpático com relação a isso. Dunga reclamou que era a coisa mais nojenta que já viu. Aparentemente havia esquecido do que tivera na boca há menos de doze horas. Andy simplesmente foi pegar a mangueira, e Soneca, igualmente sem se impressionar, disse que precisava ir, para não se atrasar na entrega das pizzas.
Minha mãe insistiu em me por na cama, mas a última coisa que eu queria era tê-la no meu quarto. Puxa, eu tinha acabado de ver a remoção do corpo de Jesse do quintal dos fundos. Gostaria de discutir com ele essa visão perturbadora, mas como poderia fazer isso com mamãe ali?
Achei que, se a deixasse cuidar de mim durante meia hora, ela sairia. Mas ficou muito mais que isso, obrigando-me a tomar um banho e vestir um pijama de seda que tinha comprado para mim no dia dos namorados (pateticamente foi o único presente do dia dos namorados que ganhei). Depois insistiu em pentear meu cabelo, como fazia quando eu era pequena.
Também queria falar, claro. Tinha muita coisa a dizer sobre o esqueleto que Andy e Dunga haviam descoberto, insistindo em que era “algum coitado” que tinha sido morto num tiroteio, na época em que nossa casa era pensão de mercenários, pistoleiros e um ou outro filho de fazendeiro. Disse que a polícia insistira em tratar o fato como homicídio até que o legista determinasse há quanto tempo o corpo estava ali, mas, continuou, como o cara ainda estava com as esporas (esporas!), presumia que eles chegariam a mesma conclusão que ela: que o fulano estava morto há muito mais tempo do que qualquer um de nós estava vivo.
Tentou fazer com que eu me sentisse melhor. Mas como poderia? Não tinha idéia do motivo para eu estar tão perturbada. Quero dizer, eu não sou Jack. Nunca falei com ela sobre meu talento secreto. Não sabia que há apenas doze horas ele estivera sentado no meu sofá-cama, rindo de As pontes de Madison. E que algumas horas antes disso tinha me beijado – no topo da cabeça, mas mesmo assim.
Quero dizer, qual é! Você também ficaria perturbada.
Finalmente, finalmente ela saiu. Dei um suspiro de alívio, achando que poderia relaxar, sabe?
Mas não. Ah, não, porque mamãe não saiu com a intenção de me deixar sozinha. Descobri do modo mais difícil, quando alguns minutos depois o telefone tocou e Andy subiu a escada dizendo que era para mim. Realmente não sentia vontade de falar com ninguém, mas o que podia fazer? Andy já havia dito que eu estava em casa. Por isso atendi, e imagina que vozinha animada escutei na outra ponta?
Isso mesmo.
A de Mestre.
- Suze, como vai? – perguntou meu meio-irmão mais novo. Ainda que sem dúvida eu já soubesse. Quero dizer, como eu estava. Obviamente mamãe tinha ligado para ele na colônia de férias e dito para ele me ligar (“quem recebe telefonemas da madrasta na colônia de férias?”, pergunto eu.) porque, claro, ela sabe. Sabe que ele é o único dos meus meio-irmãos que eu suporto, e tenho certeza de que ela achava que eu contaria a Mestre o que estava me incomodando, e depois ela poderia pressioná-lo em busca da informação.
Mamãe não é uma premiada jornalista de TV a toa, você sabe.
- Suze? – Mestre parecia preocupado. – Sua mãe me contou... o que aconteceu. Quer que eu vá para casa?
Afundei de volta nos travesseiros.
- Para casa? Não, não quero que você venha para casa. Por que ia querer isso?
- Bem. – Mestre baixou a voz como se suspeitasse que alguém estava escutando. – Por causa do Jesse.
De todas as pessoas com quem moro, Mestre era o único que fazia a mínima idéia de que não estamos sós. Mestre acreditava... e tinha bons motivos para isso. Uma vez, quando eu estava numa verdadeira encrenca, Jesse o procurou. Mesmo morrendo de pavor, Mestre foi me ajudar.
E agora estava se oferecendo de novo.
Mas o que poderia fazer? Nada. Pior do que nada, ele poderia se machucar. Quero dizer, olha o que aconteceu com Dunga de manhã. Você acha que eu queria ver Mestre com a cara cheia de insetos? Não.
- Não – respondi depressa. – Não, Mestr... quero dizer, David. Não precisa. Fique onde está. As coisas estão bem. Verdade.
Mestre pareceu desapontado.
- Suze, as coisas não estão bem. Você ao menos que conversar sobre isso?
- Na verdade, não.
- Olha, Suze. Eu sei que deve ser perturbador. Quer dizer, ver o esqueleto dele daquele jeito. Mas você tem de lembrar que nossos corpos são apenas a casca, e uma casca muito grosseira, que nossas almas ocupam enquanto esta mos vivos na Terra. O corpo de Jesse... bem, não tem mais nada a ver com ele.
“É fácil para ele dizer", pensei, arrasada. Ele nunca precisou olhar os músculos abdominais de Jesse.
Não que isso interessasse muito a Mestre, claro.
- Verdade - continuou ele. - Se você pensar bem, provavelmente não é o único corpo que Jesse vai ter. Segundo os hindus, nós trocamos as cascas, os corpos, várias vezes! De fato continuamos a fazer isso, dependendo do carma ate finalmente resolvermos as coisas, alcançando a libertação do ciclo de renascimento.
- É? - Olhei para o dossel da cama. Realmente não acreditava que estava tendo essa conversa. E com um moleque de doze anos. - mesmo?
- Claro. Pelo menos a maioria das pessoas. Quero dizer, a não ser que a gente acerte de primeira. Mas isso quase nunca acontece. Veja só, o que esta acontecendo com Jesse é que o carma dele está todo bagunçado, e ele tropeçou a caminho do nirvana. Só precisa achar a direção de volta ao corpo que ele deve ganhar depois, você sabe, do último, e aí vai ficar bem.
- David. Tem certeza de que esta numa colônia de férias de informática? Porque parece que mamãe e Andy talvez tenham largado você numa colônia de férias de ioga, por engano.
- Suze. - Mestre suspirou. - Olha. Só estou dizendo que esse esqueleto que você viu não era o Jesse, certo? Não tem mais nada a ver com ele. Portanto, não deixe isso chatear você. Certo?
Decidi que estava na hora de trocar de assunto.
- E aí? Tem alguma garota bonita na colônia?
- Suze - disse ele com severidade. - Não...
- Eu sabia. Qual é o nome dela?
- Cala a boca. Olha, eu preciso desligar. Mas lembre-se do que eu disse, certo? Vou estar em casa no domingo, ai a gente conversa mais.
- Ótimo. Vejo você no domingo.
- Até lá. E, Suze?
- Sim, Mestr... quero dizer, David.
- Tenha cuidado, certo? O tal de Diego,o cara daquele livro, que supostamente matou Jesse, parecia meio mau. Seria bom você vigiar as costas ou... bem, sei lá.
Sei lá estava certo.
Mas não confirmei. Em vez disso, falei tchau. O que mais poderia dizer? Que Felix Diego não é nem a metade, filhinho? Estava chateada demais ate mesmo para pensar que talvez tivesse de lidar com um segundo espírito hostil.
Mas nem sabia o que é ficar perturbada ate que Spike veio pela janela aberta, olhou em volta cheio de expectativa e miou ...
E Jesse não apareceu.
Nem mesmo depois de eu chamar seu nome.
Em geral não... quero dizer, os fantasmas... não vem quando a gente chama.
Mas na maior parte das vezes Jesse vem. Ainda que ultimamente aparecesse antes mesmo de eu ter a chance de chamar, quando só pensava em chamá-lo. Ai, bam!, quando me toco, ele estava ali.
Menos dessa vez. Nada. Nem um tremor.
Bem, falei comigo mesma enquanto dava a Spike sua lata de comida e tentava ficar calma. Tudo bem. Quero dizer, isso não significa nada. Talvez ele esteja ocupado. Quero dizer, aquilo lá embaixo era o esqueleto dele. Talvez ele o estivesse seguindo ate onde estava sendo levado. Para o necrotério ou sei lá onde. Provavelmente e muito traumático olhar pessoas desenterrando seu corpo. Jesse não fazia idéia sobre hinduísmo e carma. Pelo menos que eu soubesse. Para ele seu corpo era provavelmente muito mais do que uma casca para a alma.
Era onde ele estava. No necrotério. Olhando o que era feito com seus restos.
Mas quando as horas se passaram e ficou escuro, e Spike - que em geral sai a noite procurando pequenos animais e qualquer Chihuahua que possa encontrar - subiu na minha cama, onde eu estava sentada folheando revistas sem ver e encostou a cabeça na minha mão...
Foi então que eu soube.
Foi então que eu soube que alguma coisa estava errada, errada de verdade. Porque aquele gato me odeia de paixão, mesmo sendo eu quem o alimenta. Se esta subindo na minha cama e encostando a cabeça na minha mão, bem, sinto muito, isso significa que meu universo esta desmoronando.
Porque Jesse não vai voltar.
Só que, fiquei dizendo a mim mesma enquanto o pânico crescia, ele prometeu. Ele jurou.
Mas enquanto os minutos tiquetaqueavam e ainda não havia sinal dele, eu soube. Simplesmente soube. Jesse tinha ido embora. Haviam encontrado seu corpo, e isso significava que ele não estava mais desaparecido, e que não havia necessidade de ficar no meu quarto. Não mais, como eu tinha tentado explicar ontem a noite.
Só que ele havia parecido tão seguro... tão seguro de que não era isso. Tinha gargalhado. Tinha gargalhado quando eu disse pela primeira vez, como se fosse ridículo.
Mas onde ele estava? Se não tinha ido embora - para o céu ou para outra vida (não para o inferno; tenho certeza de que não há lugar no inferno para Jesse, se existe um inferno) -, então onde ele estava?
Tentei contatar meu pai. Não pelo telefone nem nada porque, claro, meu pai não pode ser contatado assim, já que está morto. Tentei chamá-lo onde quer que ele estivesse, lá no plano astral.
Porém, claro, ele também não veio. Mas, afinal de contas, ele nunca vem. Born, algumas vezes. Mas raramente, e, desta vez, não.
Só quero que você saiba que normalmente eu não piro desse jeito. Quero dizer, normalmente sou muito mais uma mulher de ação. Algo acontece e, bem, eu saio dando cacete. Geralmente é assim que funciona.
Mas isso...
Por algum motivo não conseguia pensar direito. Realmente. Só estava ali, sentada, com o pijama de seda, pensando: "O que eu deveria fazer? O que eu deveria fazer?"
Sério. Não adiantava.
Por isso fiz o que fiz em seguida. Se não conseguia deduzir sozinha o que fazer, bem, precisava de alguém que me dissesse. E sabia de alguém.
Tinha de falar baixo porque, claro, já passava das onze horas e todo mundo em casa, menos eu, estava dormindo. - O padre Dominic está? – perguntei.
A pessoa do outro lado da linha – um homem idoso, pela voz - falou:
- O que é, querida? Quase não estou ouvindo.
- O padre Dominic - falei o mais alto que ousei. - Por favor, preciso falar com o padre Dominic agora mesmo. Ele está?
- Claro, querida - disse o homem. Então o escutei gritar:
- Dom! Ei, Dom! Telefone para você!
Dom? Como você ousa chamar o padre Dominic de Dom?
Que falta de respeito!
Mas toda minha indignação se dissolveu quando escutei a voz suave e profunda do padre Dominic. Não tinha percebido quanto sentia falta dele, de não vê-lo todos os dias durante o verão, como acontecia nos períodos escolares.
- Alo?
- Padre Dom - falei. Não, não falei. Vou admitir. Chorei.
Eu era um caso perdido.
- Suzannah? - O padre Dominic pareceu em choque. O que há de errado? Por que está chorando? Você está bem?
- Estou - falei. Certo, não falei: solucei. - Não sou eu. É o J... Jesse.
- Jesse? - A voz do padre assumiu o tom de sempre que o assunto Jesse aparecia. Ele havia demorado um tempo para aceitar Jesse. Acho que dá para entender. O padre D. não é somente um padre, também é o diretor de uma escola católica. Não deveria aprovar coisas como garotas e rapazes dividindo um quarto... mesmo que o cara esteja, você sabe, morto.
E eu entendia, porque com os mediadores é diferente de com as outras pessoas. Todas as outras pessoas simplesmente atravessam os fantasmas. Fazem isso o tempo todo e nem percebem. Ah, talvez sintam um ponto frio, ou achem que vislumbraram alguma coisa com o canto dos olhos, mas quando se viram não há ninguém ali.
Para os mediadores é diferente. Para nós os fantasmas são feitos de matéria, e não de mortalhas de névoa. Eu não conseguia passar a mão através de Jesse, ainda que todas as outras pessoas pudessem. Bem, todas menos Jack e o padre Dom.
Por isso é compreensível o motivo para o padre Dom nunca ser muito louco pelo Jesse, mesmo que o cara tenha salvado minha vida mais vezes do que posso contar. Porque, independentemente do que ele seja, ainda é um cara, e está morando no meu quarto, e ... bem, você captou a idéia.
Não, claro, que tivesse acontecido alguma coisa - para meu dissabor.
O negócio é que agora jamais aconteceria. Quero dizer, agora eu nem vou saber se alguma coisa poderia ter acontecido. Porque ele foi embora.
Não falei nada disso ao padre Dom, claro. Só contei o que aconteceu, sobre Maria, a faca e os insetos, e sobre Clive Clemmings morto e o retrato desaparecido, e como tinham achado o corpo de Jesse e agora ele havia sumido.
- E ele me prometeu - terminei de modo um tanto incoerente, de tanto que estava chorando. - Ele jurou que não era isso, que não era isso que o estava segurando aqui. Mas agora ele se foi, e...
A voz do padre Dominic era tranqüilizadora e controlada, em comparação a minha arenga cheia de soluços.
- Certo, Suzannah. Eu entendo. Entendo. Obviamente há forças atuando que estão além do controle do Jesse e, bom, além do seu, também. Fico feliz por ter me ligado. Escute, agora faça exatamente o que eu digo.
Funguei. Era tão bom - nem posso descrever quanto - ter alguém me dizendo o que fazer! Verdade. Normalmente a ultima coisa que eu quero é que me digam o que fazer. Mas nesse caso eu realmente, realmente apreciei. Grudei-me ao telefone, esperando ofegante as instruções do padre Dom.
- Você está no seu quarto, não é? - perguntou ele. Confirmei com a cabeça, percebi que ele não podia me ver e falei:
- Estou.
- Bom. Acorde sua família e conte a eles exatamente o que acaba de me contar. Depois saiam de casa. Saiam dessa casa, Suzannah, o mais rápido que puder.
Afastei o telefone do ouvido e olhei para o aparelho como se ele tivesse começado a balir no meu ouvido como uma ovelha. Sério. Porque isso faria quase tanto sentido quanto o que o padre Dom tinha dito.
Encostei o fone de novo no ouvido.
- Suzannah? - estava dizendo o padre Dom. - Você me escutou? Estou falando totalmente sério. Um homem já morreu. Não duvido de que alguém de sua família seja o próximo se você não tirá-los daí.
Sei que eu estava arrasada e coisa e tal. Mas não tão arrasada.
- Padre D., não posso contar a eles.
- Pode sim, Suzannah. Sempre achei errado você manter seu dom em segredo para sua mãe durante tantos anos. Está na hora de contar.
- Até parece! - falei ao telefone.
- Suzannah. Os insetos foram só o começo. Se essa mulher está assumindo uma posse demoníaca de sua casa, horrores, como... bem, horrores como você e eu jamais poderíamos imaginar vão começar...
- Possessão demoníaca de minha casa? - Segurei o telefone com mais força. - Escute, padre D., ela pode ter levado meu namorado, mas não vai levar minha casa.
O padre Dominic parecia cansado.
- Suzannah. Por favor, faça o que eu digo. Saia com sua família daí antes que aconteça algo ruim a algum de vocês. Entendo que você esteja perturbada por causa do Jesse, mas o fato, Suzannah, e que ele está morto, e você, pelo menos por enquanto, ainda esta viva. Temos de fazer possível para que continue assim. Vou sair daqui agora, mas estou a seis horas de distancia. Prometo que chegarei aí de manhã. Uma administração meticulosa de água benta afastara qualquer espírito mau que ainda esteja na casa, mas...
Spike tinha atravessado o quarto em minha direção.
Achei que ele iria me morder, como sempre, mas não. Em vez disso veio direto ate meu rosto e soltou um grito muito alto muito lamentoso.
- Santo Deus - gritou o padre Dominic. - É ela? Ela já está aí?
Cocei Spike atrás da orelha que restava, espantada por ele me deixar tocá-lo.
- Não. Foi o Spike. Ele sente falta do Jesse.
- Suzannah, sei como isso deve ser doloroso para você. Mas saiba que, onde quer que Jesse esteja agora, está melhor do que nos últimos 150 anos, vivendo num limbo entre este mundo e o outro. Sei que é difícil, mas você deve tentar ser feliz por ele, e saiba que, acima de tudo, ele iria querer que você se cuidasse, Suzannah. Ele iria querer que você ficasse segura e mantivesse sua família segura...
Enquanto ouvia o padre Dom, percebi que ele estava certo. Era realmente isso que Jesse iria querer. E ali estava eu, sentada de pijama de seda quando havia trabalho a ser feito.
- Padre D. - falei interrompendo -, no cemitério da Missão há alguém da família Silva enterrado?
Arrancado de seu discurso sobre segurança, o padre Dominic disse:
- Eu... Silva? Realmente, Suzannah, não sei. Não creio que...
- Ah, espera. Vivo esquecendo que ela se casou com um Diego. Ha uma cripta dos Diego, não há? - Tentei visualizar o cemitério, que era pequeno, rodeado por muros altos, diretamente atrás da basílica da Missão onde o padre Dorn trabalha e eu estudo. Há apenas um pequeno número de sepulturas, principalmente dos monges que tinham trabalhado no início com Junipero Serra, o cara que fundou a Missão de Carmel em mil setecentos e pouco.
Mas alguns ricos proprietários de terras no século XIX tinham conseguido espremer um ou dois mausoléus doando uma parte considerável de sua fortuna para a igreja.
E o maior - se me lembro corretamente da vez em que o sr. Walden, nosso professor de história da civilização, nos levou ao cemitério para aprendermos um pouco da história local - tinha a palavra DIEGO esculpida na porta.
- Suzannah - disse o padre Dominic. Pela primeira vez havia algo diferente de urgência em sua voz. Agora ele estava apavorado. - Suzannah, sei o que esta pensando, e ... proíbo! Você não vai chegar perto daquele cemitério, entende? Não vai chegar perto daquela cripta! E perigoso demais ...
Exatamente como eu gosto.
Mas não foi isso que falei alto. Alto eu disse:
- Certo, padre D. O senhor esta certo. Vou acordar minha mãe. Vou contar tudo. E tirar todo mundo de casa.
O padre Dominic estava tão atônito que não falou nada durante um minuto. Quando finalmente pode encontrar a voz, disse:
- Bom. Bem... bom, então. É. Tire todo mundo da casa. Não faça nenhuma tolice, Suzannah, como invocar o fantasma dessa mulher, até eu chegar aí. Prometa.
Prometa. Como se as promessas ainda significassem alguma coisa. Olhe o Jesse. Tinha prometido que não ia embora, e onde estava?
Foi-se. Foi-se para sempre.
E eu tinha sido covarde demais para lhe dizer o que sentia.
E agora nunca terei a chance.
- Claro - falei ao padre Dominic. - Prometo. Mas acho que até ele sabia que não era a sério.
0 comentários:
Postar um comentário