1. Janeiro: Um péssimo começo

DOMINGO, 1º DE JANEIRO

58,5 kg (mas pós-Natal), 14 unidades alcoólicas (na verdade somando dois dias, já que quatro horas
da festa foram antes da meia-noite), 22 cigarros, 5.424 calorias.

Comida ingerida hoje:
2 pacotes de queijo emental em fatias 14 batatinhas frias.
2 bloody marys (conta como comida, já que contém molho inglês e tomates)
1/3 de pão ciabatta com queijo brie
folhas de coentro — meio pacote.
12 barras de chocolate com leite (é melhor acabar logo com tudo que é doce de Natal e
começar amanhã a dieta para valer)
13palitinhos de queijo com abacaxi
Uma porção do peru ao curry de Una Alconbury, com ervilhas e bananas
Uma porção de Torta Surpresa de frambroesa de Una Alconbury feita com biscoitos
champanhe, amoras em conserva, 30 litros de chantilly, decorada com cerejas e angélica.
Meio-dia. Londres: meu apartamento. Argh. A última coisa que me sinto física,
emocional e mentalmente capaz de fazer agora é pegar o carro e ir até a casa de Una e
Geoffrey Alconbury, que oferecem um bufê de Ano-Novo com peru ao curry, em Grafton
Underwood. Geoffrey e Una Alconbury são os melhores amigos de meus pais e, como tio
Geoffrey não cansa de lembrar, me conhecem desde que eu vivia correndo pelada pelo jardim.
Minha mãe ligou às 8h30 da manhã no feriado bancário de agosto passado e me obrigou a
jurar que iria. Fez uma série de rodeios até chegar aonde queria.
—Ah, oi, querida. Estou ligando só para saber o que você quer ganhar de Natal.
—Natal?
—Prefere uma surpresa, querida?
—Não! — berrei. — Desculpe. Quer dizer...
—Achei que você ia gostar de um jogo de rodinhas para sua mala de viagem.
—Mas eu não tenho mala.
—Então posso dar uma que já venha com rodinhas. Sabe, como as que as aeromoças
usam.
—Já tenho uma bolsa de viagem.
—Ah, querida, você não pode ficar usando aquela coisa de lona verde horrorosa. Fica
parecendo uma Mary Poppins em dificuldades financeiras. Uma mala compacta, com alça
dobrável. Você não imagina quanta coisa cabe nela. Prefere azul-marinho com vermelho ou
vermelho com azul-marinho?
—Mãe. São oito e meia da manhã. É verão. Está quente. Não quero uma mala de
aeromoça.
—Julie Enderby tem uma. E disse que não usa outra coisa.
—Quem é Julie Enderby?
—Você conhece a Julie, querida! A filha de Mavis Enderby. Julie! Aquela que conseguiu
aquele superemprego na Arthur Andersen...
—Mãe...
—Ela sempre viaja com essa mala.
—Eu não quero uma mala com rodinhas.
—Tive uma idéia. Jamie, papai e eu podemos nos juntar e dar para você uma mala boa,
grande e nova, e um jogo de rodinhas. O que acha?
Exausta, afastei o fone do ouvido, me perguntando por que todo aquele empenho
missionário em dar uma mala de presente de Natal. Quando coloquei o fone no ouvido de
novo, minha mãe estava dizendo:
—... aliás, tem uma que já vem com um compartimento com vidros para colocar sua
espuma de banho e tal. Outra coisa que pensei em dar para você foi um carrinho de compras.
—Tem alguma coisa que você queria de Natal? — perguntei desesperada, ofuscada pela
forte claridade do feriado bancário.
—Não, não — respondeu ela, sem prestar atenção. — Tenho tudo o que preciso. Mas,
querida — sibilou ela de repente —, este ano você vai ao bufê de peru ao curry de Ano-Novo
na casa de Geoffrey e Una, não?
—Ah, bom, eu... — fiquei completamente apavorada. O que podia inventar que ia fazer?
—... acho que vou ter de trabalhar no Ano-Novo.
— Não tem problema. Você pode ir de carro, depois do trabalho. Ah, já contei? Malcolm
e Elaine Darcy vão, e Mark vai com eles. Lembra de Mark, querida? Ele agora é considerado
um dos melhores advogados da praça. Muito dinheiro. Divorciado. Vai começar lá pelas oito.
Ah, meu Deus. Que o tal Mark não seja mais um doido por ópera com roupas estranhas e
cabelo ouriçadinho repartido de lado.
—Mãe, eu já disse. Não preciso me grudar num...
—Vamos e venhamos, querida. Una e Geoffrey oferecem o Bufê de Ano-Novo desde o
tempo em que você ficava correndo nua pelo jardim! Claro que você vai. E assim tem a
chance de usar sua mala nova.
23h45. Argh. O primeiro dia do Ano-Novo foi um dia de horror. Não posso acreditar que
estou mais uma vez começando o ano numa cama de solteiro, na casa de meus pais. É
humilhante demais, na minha idade. Imagino se eles depois vão sentir o cheiro se eu fumar na
janela. Fiquei o dia inteiro metida em casa, esperando melhorar da ressaca, acabei desistindo e
cheguei bem tarde no bufê do peru ao curry. Quando apertei a campainha da casa dos
Alconbury — com som em estilo carrilhão-de-relógio-da-prefeitura — continuava me
sentindo uma alienígena: enjôo, cabeça pesada, boca amarga. Além do mais, estava com ódio
de dirigir, depois de entrar sem querer na rodovia M6, em vez de pegar a Ml, e precisar ir
quase até Birmingham para achar um retorno. Fiquei tão irritada que enfiei o pé no acelerador
para descontar minha raiva, o que é um perigo. Esperei, resignada, enquanto o vulto de Una
Alconbury se aproximava — estranhamente deformado através do vidro ondulado da porta —
num conjuntinho fúcsia.
— Bridget! Já estávamos achando que você tinha se perdido! Feliz Ano-Novo! Íamos
começar sem você.
Ela conseguiu de uma só vez me dar um beijo, tirar meu casaco, dependurá-lo no cabide,
limpar o batom que ficou no meu rosto e fazer com que me sentisse completamente culpada,
enquanto eu procurava me recuperar encostando numa estante.
— Desculpe, eu me perdi.
— Se perdeu? Meu Deus! Como você conseguiu? Entre!
Fui atrás dela, passando por portas de vidro fosco até chegar à sala de estar, onde Uma
informou bem alto:
— Gente, ela se perdeu!
— Bridget! Feliz Ano-Novo! - disse Geoffrey Alconbury, que usava um suéter amarelo
com estampas de losango. Ele deu um passo atlético, como se fosse um palhaço, depois me
abraçou como se fosse me esmagar. Quem não soubesse que era apenas um abraço, podia até
chamar a polícia.
— Arre — disse ele, com o rosto vermelho e puxando as calças pela cintura. — Que
saída da estrada você pegou?
— A 19, mas tinha um desvio...
— Saída 19! Una, ela saiu na 19! Você viajou mais uma hora, antes de pegar a estrada
certa. Venha, vou fazer um drinque para você. Aliás, como vai de amores?
Ai, Deus. Por que as pessoas casadas não conseguem entender que essa não é mais uma
pergunta delicada a se fazer? Nós não chegaríamos para eles perguntando: "Como vai seu
casamento? Continuam transando?"
Todo mundo sabe que arrumar namorado depois dos 30 não é a mesma maravilha que era
aos 22 e que, em vez de dizer "Superbem, obrigada", o mais provável é que a resposta seja:
"Olha, na noite passada meu amante casado apareceu de suspensórios e casaco justinho de
cashmere, me confessou que era gay/tarado sexual/viciado em drogas/tinha horror a
compromissos e me espancou com um vibrador."
Como não consigo mentir, acabei resmungando meio envergonhada para Geoffrey: "Estou
ótima", e ele interrompeu: "Ah, quer dizer que você ainda não conseguiu arrumar um
namorado!"
—Bridget! O que você vai fazer da vida? — perguntou Una. — Vocês, moças
trabalhadoras! Não entendo! Não pode continuar adiando isso para sempre, sabe. Tiquetaque,
tique-taque, tique-taque.
—É verdade. Como pode uma mulher chegar à sua idade sem casar? — grasnou Brian
Enderby (casado com Mavis e presidente do Rotary Clube em Kettering), balançando seu
cálice de xerez. Felizmente meu pai veio me socorrer.
— Que bom ver você, Bridget — disse ele, segurando meu braço. — Sua mãe colocou
todos os destacamentos policiais de Northamptonshire de prontidão para vasculhar cada
milímetro da região à procura dos restos de seu corpo. Venha mostrar que está viva para eu
também poder relaxar. Que tal a mala de rodinhas?
—É um exagero, grande demais. Que tal o cortador de pêlos de orelha?
—Ah, ótimo, assim... cortante.
Correu tudo bem, acho. Seria meio chato se eu não tivesse ido, mas quanto a Mark Darcy...
argh. Antes do bufê, minha mãe passou semanas me ligando só para dizer: "Claro que você
lembra dos Darcy, querida. Eles nos visitaram quando morávamos em Buckingham e você e
Mark brincaram na piscininha de plástico!" Ou então: "Ah, já contei que Malcolm e Elaine
vão levar Mark na casa de Una para o bufê de peru ao curry de Ano-Novo? Acho que ele
acaba de chegar dos Estados Unidos. Divorciado. Está procurando uma casa em Holland Park.
Parece que sofreu um bocado na mão da ex-mulher. Japonesa. Raça muito cruel."
Numa outra vez, sem mais nem menos, ela disse: "Lembra de Mark Darcy, querida? O
filho de Malcolm e Elaine? Ele hoje é um dos advogados mais cotados. Divorciado. Elaine
contou que ele só faz trabalhar e está muito sozinho. Acho que vai ao bufê de peru ao curry
de Ano-Novo da Una."
Não sei por que ela não foi direto ao assunto, dizendo: "Querida, agarre Mark Darcy no
bufê de peru ao curry, está bem? Ele é muito rico."
— Venha conhecer Mark — disse Una Alconbury com uma vozinha cantante, antes que
eu conseguisse beber qualquer coisa. Ser jogada para cima de um homem sem querer é um
tipo de humilhação. Muito pior é ser literalmente carregada até ele por Una Alconbury,
quando se está tentando recuperar de uma ressaca terrível, numa sala cheia de amigos dos
pais.
Mark (bela altura), o rico divorciado-da-esposa-cruel, estava de costas para a sala,
examinando livros nas estantes dos Alconbury: a maioria coleções de lombada de couro sobre
o Terceiro Reich, que Geoffrey compra da Readers Digest por mala direta. Achei um tanto
ridículo se chamar Sr. Darcy e ficar sozinho com cara de esnobe numa festa. É como se
chamar Heathcliff e insistir em passar a noite inteira no jardim gritando "Cathy" e batendo
com a cabeça numa árvore.
— Mark! — chamou Una, como se fosse uma das fadas de Papai Noel. — Quero que
você conheça uma pessoa maravilhosa.
Ele se virou e o que de costas parecia um simples suéter azul-marinho era um suéter com
gola em V com losangos em vários tons de amarelo e azul — como costumam usar os
comentaristas esportivos mais antigos. Como diz meu amigo Tom, as pessoas poderiam
gastar muito menos tempo e dinheiro no mundo dos encontros se prestassem atenção aos
detalhes. Uma meia branca aqui, um par de suspensórios vermelhos ali, um mocassim cinza
acolá, uma suástica são suficientes para informar que não vale a pena anotar um telefone e
gastar dinheiro com almoços em restaurantes caros porque aquela história nunca vai dar certo.
—Mark, esta é Bridget, filha de Colin e Pam — disse Una, enrubescendo, toda agitada. —
Bridget trabalha no ramo editorial, não é, Bridget?
—É verdade — respondi não sei por quê, como se estivesse participando de um programa
de rádio ao vivo pelo telefone e prestes a perguntar a Una se podia "mandar um alô para meus
amigos Jude, Sharon e Tom, meu irmão Jamie, o pessoal da editora, mamãe, papai e todos os
presentes no bufê de peru ao curry.
—Bem, vou deixar vocês jovens a sós — disse Una. — Arre! Acho que vocês não
agüentam mais a gente, esses velhos bobocas.
—De jeito nenhum — disse Mark Darcy sem jeito, tentando dar um sorriso, enquanto Una,
depois de revirar os olhos, colocando a mão no peito e dando uma risadinha cacarejante, nos
deixou imersos em um silêncio mortal.
—Err, ahn. Está lendo algum, ahn... Tem lido algum livro interessante? — disse ele.
Ah, pelo amor de Deus.
Tentei freneticamente me lembrar da última vez que eu tinha lido um livro recomendável.
O problema de se trabalhar com livros é que ler nas horas vagas é meio parecido com ser gari
e à noite passear no lixão. Estava no meio de Homens são de Marte, mulheres são de Vênus,
que Jude me emprestou, mas eu não tinha muita certeza se Mark Darcy aceitaria ser
considerado um marciano, apesar de claramente estranho. Aí me lembrei de um livro perfeito.
—Backlash, de Susan Faludi — respondi, orgulhosa. Boa! Na verdade, não tinha
exatamente lido o livro, mas era como se tivesse, já que Sharon falou tanto nele. De todo
jeito, opção totalmente segura já que sem chances do mocinho certinho de casaco de losangos
ter lido um tratado feminista de 500 páginas.
—Ah, é mesmo? — disse ele. — Li logo que saiu. Você não acha que a autora exagerou
nos argumentos em defesa da mulher?
—Bem, quer dizer, acho que nem tanto... — respondi em pânico, tentando achar um jeito
de mudar de assunto. —Você passou o Ano-Novo com seus pais?
—Passei — disse ele ansioso. — Você também?
—Passei. Não. Fui a uma festa em Londres ontem à noite. Estou meio de ressaca, aliás. —
Falei mais um pouco de amenidades, meio nervosa, para que Una e mamãe não achassem que
eu era um tal fracasso com homens que não conseguia conversar nem com Mark Darcy. —
Mas eu acho que não se pode tecnicamente esperar que as resoluções de Ano-Novo comecem
no primeiro dia do ano, não? Em primeiro lugar, porque esse dia é uma continuação do
réveillon, os fumantes já estão fumando e é impossível querer que parem de repente à meianoite
com tanta nicotina no sangue. Da mesma forma, não é uma boa idéia começar uma
dieta no primeiro dia no ano, já que você não pode fazer um controle do que come e precisa
comer livremente, sempre que necessário, para diminuir a ressaca. Acho que seria bem mais
sensato se as pessoas começassem a colocar em prática suas resoluções no dia 2 de janeiro.
—Talvez fosse bom você comer alguma coisa — disse ele, e de repente foi em direção ao
bufê, me deixando plantada sozinha ao lado da estante, enquanto todo mundo me olhava,
pensando: "É por isso que Bridget não casa. Ela afasta os homens."
O pior era que Una Alconbury e mamãe não iam deixar a coisa assim. Fizeram com que eu
circulasse com bandejas de minipepinos em conserva e taças de sherry numa tentativa
desesperada para que eu tropeçasse em Mark Darcy. Acabaram ficando tão frustradas que,
quando parei a um metro e meio dele com a bandeja de minipepinos, Una atravessou a sala
rápido como uma águia e disse:
—Mark, antes de ir você precisa anotar o telefone de Bridget. Assim vocês podem se falar
em Londres.
Foi impossível não ficar vermelha. Podia sentir o calor subindo pelo pescoço. Agora Mark
ia pensar que eu tinha pedido para ela fazer isso.
— Tenho certeza de que a vida de Bridget em Londres já é bem agitada, Sra. Alconbury
— disse ele. Hum. Eu não queria que pegasse meu telefone ou tomasse qualquer iniciativa do
tipo, mas ele não precisava deixar tão claro para todo mundo que não queria. Quando baixei
os olhos, vi que ele usava meias brancas com estampas de abelhinhas amarelas.
—Posso lhe oferecer um pepino? — perguntei, com a intenção de mostrar que eu tinha um
bom motivo para aparecer, mais relacionado a pepinos em conserva do que a números de
telefone.
—Não, obrigado — disse ele, me olhando meio assustado.
—Tem certeza? Então uma azeitona recheada? — insisti. — Cebolinhas douradas? —
insisti mais. — Cubos de beterraba?
—Obrigado — agradeceu ele, desesperado, pegando uma azeitona.
—Bom proveito — falei, vitoriosa.
Lá pelo final da reunião, vi que ele foi agarrado por sua mãe e Una, que o trouxeram até
onde eu estava e ficaram atrás dele, enquanto Mark perguntava, duro:
—Vai voltar de carro para Londres? Vou ficar aqui, mas posso fazer com que meu carro
leve você.
—Ué, o carro anda sozinho? — perguntei.
Ele ficou meio desconcertado.
—Arre, boba, Mark tem um carro com motorista da empresa onde trabalha — disse Una.
—Obrigada, é muito gentil — falei. — Mas volto de trem de manhã.
2h. da manhã. Ah, por que sou tão pouco atraente? Por quê? Até um homem que usa meias
com estampas de abelhinhas me acha horrível. Detesto Ano-Novo. Detesto todo mundo.
Exceto Daniel Cleaver. Não importa, tenho uma enorme barra de chocolate ao leite Cadbury
que sobrou do Natal, além de uma garrafinha de gim-tônica. Vou consumi-los e fumar um
cigarro.

TERÇA-FEIRA, 3 DE JANEIRO

58,9 kg (caminho célere rumo à obesidade. Por quê? Por quê?), 6 unidades alcoólicas
(excelente), 23 cigarros (m. b.), 2.472 calorias.

9h. Argh. Não posso nem pensar em ir para o trabalho. A única coisa que me faz aceitar a
idéia é pensar em ver Daniel de novo, mas até isso é pouco indicado já que estou gorda, com
uma espinha no queixo e meu único desejo é sentar no sofá, comer chocolate e ver os
especiais de Natal na tevê. Parece errado e injusto que primeiro você seja obrigado a aceitar o
Natal, com todos os seus estressantes desafios emocionais e financeiros, e depois de repente
ele acabe exatamente quando você estava começando a entrar na onda. Eu estava começando
a gostar dos serviços públicos não funcionarem e de não ter nada demais em ficar na cama o
quanto quisesse, comendo tudo o que bem entendesse e bebendo sempre que tivesse
oportunidade, mesmo de manhã. E subitamente somos todos obrigados a seguir uma
autodisciplina como se fôssemos galgos jovens e esguios.
l0h. Argh. Perpétua, um pouco mais velha e por isso pensando que tem o direito de tomar
conta de mim, estava irritada e mandona, falando sem parar até a exaustão sobre a mais
recente mansão de meio milhão de libras que está pensando em comprar com seu namorado
Hugo, rico e superesnobe:
—Ai, a casa é de frente para o norte mas fizeram uma coisa muito esperta com a luz.
Dei uma olhada triste para ela, com seu traseiro enorme apertado numa saia vermelha e um
colete estranho de listras amarrado por cima. Que maravilha nascer com a segurança que vem
do fato de ser milionária. Perpétua podia ficar do tamanho de um Renault Espace e não dar a
mínima. Quantas horas, meses, anos eu já passei preocupada com a balança enquanto
Perpétua procurava alegremente abajures com pés de porcelana em forma de gato na
sofisticada Fulham Road? Mas ela está se privando de uma das melhores formas de
felicidade. As pesquisas provam que a felicidade não depende de amor, segurança ou poder,
mas de buscar metas atingíveis: e o que é uma dieta se não isso?
Na volta para casa em frustração pós-Natal comprei na liquidação um pacote de enfeites de
chocolate para árvore de Natal e uma garrafa de 3,69 libras de vinho espumante da Noruega,
Paquistão ou qualquer coisa assim. A seguir, com a sala iluminada só pela árvore de Natal,
bebi à beça e comi dois pasteizinhos de carne, o resto do bolo de Natal e umas fatias de queijo
Stilton, enquanto assistia a Eastenders, fingindo que era um especial de Natal.
Mas agora estou com vergonha, me achando um nojo. Quase consigo sentir a gordura
explodindo do meu corpo. Não tem problema. Às vezes é preciso mergulhar numa profunda
intoxicação alimentar para depois ressurgir das cinzas como uma fênix, transformada numa
linda e maravilhosa Michelle Pfeiffer. Amanhã começa nova dieta espartana e tratamento de
beleza.
Humm. Esse Daniel Cleaver. Adoro seu jeito meio depravado, embora ele seja um cara
muito bem-sucedido e inteligente. Hoje ele contou uma coisa hilária na editora: a mãe dele
deu de presente de Natal para a tia um porta-papel negro para cozinha e a tia achou que era
uma escultura de um pênis. Foi superengraçado. Depois ele perguntou, com um jeito sedutor,
se eu tinha ganhado alguma coisa interessante de Natal. Acho que amanhã vou usar minha
saia preta.

QUARTA-FEIRA, 4 DE JANEIRO

59,4 kg (situação de emergência agora como se a gordura estivesse armazenada desde o
Natal e fosse sendo liberada aos poucos), 5 unidades alcoólicas (melhor), 20 cigarros, 700
calorias (m. b.).

16h. Trabalho. Situação de emergência. Jude acaba de ligar aos prantos do celular e depois
de um tempo conseguiu dizer, com uma voz chorosa, que não tinha ido a uma reunião da
diretoria (ela é Chefe de Projetos Futuros na Brightlings) porque estava prestes a chorar e
agora estava no banheiro feminino com os olhos borrados como Alice Cooper e sem bolsa de
maquiagem. O namorado dela, Richard o Vil (sujeito acomodado com horror a compromisso),
com quem ela vai e volta há 18 meses, tinha terminado tudo porque ela perguntou se podiam
passar as férias juntos. Bem típico dele, mas é claro que Jude estava achando que era culpa
dela.
— Sou uma dependente. Pedi muito mais do que o necessário só para satisfazer minha
carência. Ah, se pelo menos eu pudesse fazer os ponteiros do relógio andarem para trás.
Liguei em seguida para Sharon e marcamos uma reunião de emergência para as seis e meia
no Café Rouge. Espero que consiga sair sem que a droga da Perpétua reclame.
23h. Noite agitada. Sharon veio logo com uma tese: o que está acontecendo com Richard é
um caso típico de "babaquice emocional", fato que vem se alastrando como fogo entre os
homens com mais de 30 anos. Ela garante que, à medida que as mulheres vão passando dos
20 para os 30 anos, o equilíbrio de poder muda de repente. Até as mulheres mais seguras
perdem as estribeiras, lutando contra os primeiros sinais de angústia existencial: medo de
morrer sozinha e ser encontrada três semanas depois semi-devorada por um pastor alemão.
Idéias estereotipadas a respeito de solteironas, abismos e migalhas sexuais conspiram para
fazer com que você se sinta idiota, mesmo que passe um bom tempo pensando nas atrizes
Joanna Lumley e Susan Sarandon.
— Homens como Richard - concluiu Sharon, furiosa - usam qualquer coisa para fugir da
raia, do compromisso, para não enfrentar a maturidade, a honra e a progressão natural das
coisas entre um homem e uma mulher.
Nesse ponto, Jude e eu estávamos nos escondendo nos casacos e fazendo discretamente
"pssiu, pssiu" para ela falar mais baixo. Afinal, não tem nada menos atraente para um homem
do que feminismo irado.
— Como ele pode dizer que você estava levando muito a sério a relação só porque
perguntou se podiam passar as férias juntos? — gritou Sharon. — Que história é essa?
Pensando vagamente em Daniel Cleaver, argumentei que nem todos os homens são como
Richard. Foi aí que Sharon começou a desfiar uma longa lista de babaquices emocionais entre
nossos amigos: uma amiga que namora há 13 anos mas o namorado não quer nem falar em
morar junto; outra que saiu com um homem quatro vezes e ele terminou a relação porque
estava ficando muito séria; mais outra que foi perseguida por um cara durante três meses com
propostas de casamento apaixonadas, para três semanas depois de ela ter aceitado ele cair fora
e usar a mesma fórmula com a melhor amiga dela.
— Nós, mulheres, somos vulneráveis apenas porque integramos uma geração pioneira que
tem a ousadia de não fazer concessões em amor e depender de nossos próprios recursos
financeiros. Daqui a vinte anos, os homens não vão nem pensar babaquice emocional porque
nós vamos rir na cara deles - berrou Sharon.
Nessa altura, Alex Walker, que trabalha na mesma empresa que Sharon, entrou
acompanhado de uma loura sensacional cerca de oito vezes mais atraente do que ele. Alex se
aproximou da mesa para nos cumprimentar.
— É sua nova namorada? — perguntou Sharon.
— Bem, quer dizer... Ela acha que é, mas não estamos saindo, só dormindo juntos. Eu
deveria acabar com essa história mas, bem... — disse ele, orgulhoso.
— Ah, mas isso é uma sacanagem, seu covarde, seu bundinha. Muito bem. Eu vou falar
com essa moça - disse Sharon, levantando-se da mesa. Jude e eu a seguramos enquanto Alex,
com uma cara apavorada, se afastava de fininho para continuar sua babaquice emocional.
Nós três acabamos inventando uma estratégia para Jude. Ela precisa parar de pensar em
termos de Mulheres que amam demais e passar a pensar em termos de Homens são de Marte,
mulheres são de Vênus. Jude vai encarar o comportamento de Richard não como um sinal de
que ela é dependente e ama demais, mas vê-lo mais como um elástico marciano que precisa
ser bem esticado para bater de volta.
— Certo, mas isso significa que eu devo ligar para ele ou não? - perguntou Jude.
— Não — disse Sharon, exatamente na mesma hora em que eu dizia "Sim".
Depois que Jude foi embora - ela levanta às 5h45 para fazer ginástica, encontra com a
moça que faz suas compras particulares e só então vai para o trabalho, que conheça às 8h30
(loucura) — Sharon e eu ficamos cheias de remorso e raiva de nós mesmas por não termos
dito para Jude se livrar de Richard o Vil simplesmente porque ele é vil. Mas aí Sharon se
lembrou que na última vez em que fizemos isso os dois voltaram a namorar e Jude contou
tudo o que tínhamos falado num acesso de confissão reconciliatória e agora é extremamente
desagradável todas as vezes em que o encontramos e ele acha que nós duas somos as Rainhas
Escrotas — o que, segundo Jude, é um erro porque, embora tenhamos descoberto nossas
Escrotas Interiores, ainda não as libertamos.

QUINTA-FEIRA, 5 DE JANEIRO

58,5 kg (grande progresso - um quilo queimado espontaneamente graças à expectativa de
uma provável oportunidade de praticar sexo), 6 unidades alcoólicas (muito bom, já que teve
festa), 12 cigarros (continuo no bom caminho), 1.258 calorias (o amor não me deixou
beliscar).

11h. Trabalho. Ai, meu Deus. Daniel Cleaver acaba de me mandar uma mensagem. Eu
estava tentando fazer meu currículo sem que Perpétua notasse (estou querendo melhorar na
profissão) quando vi no alto da tela um aviso piscando: Chegaram Novas Mensagens. Deseja
ler agora? Encantada por qualquer coisa que, bem, não diga respeito ao trabalho, cliquei
rápido em cima do Sim e quase caí dura quando vi que a mensagem era assinada Cleave.
Imediatamente achei que ele tinha conseguido entrar no computador e ver que eu não estava
trabalhando. Mas aí li a mensagem:
Mensagem para Jones
Parece que você esqueceu de vestir a saia. Creio que está bem claro em seu
contrato de trabalho que a empresa espera que, durante o expediente, seus
funcionários estejam vestidos corretamente.
Cleave
Ah! Claro que era uma brincadeira sedutora. Pensei pouco enquanto fingia examinar um
chatíssimo manuscrito de um maluco. Nunca tinha me correspondido com Daniel Cleaver
pelo computador, mas esse sistema tem uma coisa ótima: você pode ser completamente
atrevida e informal até com o chefe. E também pode ficar horas ensaiando. Eis o que
respondi.
Mensagem para Cleave
Senhor, estou surpresa com sua mensagem. Embora minha saia possa ser
considerada meio curta (nas nossas reuniões editoriais a economia está sempre em
pauta), considero péssima sua avaliação de que estou sem saia e penso na possibilidade
de consultar o sindicato.
Jones
Aguardei a resposta com grande ansiedade. Chegaram Novas Mensagens começou a
piscar. Cliquei em cima do Sim:
A pessoa que levou sem querer o original de A MOTOCICLETA DE KAFKA da minha
mesa queira, POR FAVOR, fazer a gentileza de devolver imediatamente.
Diane.
Argh. Depois dessa, desliguei o computador.
Meio-dia. Ai, Deus. Daniel não respondeu. Deve estar uma fera. Talvez ele estivesse falando
sério sobre a saia. Ai, Deus. Ai, Deus. Fiquei entusiasmada com a chance de ser tão informal
via computador e exagerei com o chefe.
12h10. Talvez ele ainda não tenha recebido a mensagem. Se ao menos eu pudesse recuperá-la.
Acho que vou dar uma volta, ver se consigo entrar na sala dele e apagar a mensagem da tela.
12hl5. Ah. Tudo explicado. Ele está em reunião com Simon do Marketing. Olhou para mim
quando passei. Rá. Rá-rá-rá. Chegaram Novas Mensagens:
Mensagem para Jones
Se o fato de passar pela porta da minha sala era uma tentativa de demonstrar que está
de saia, só posso dizer que foi totalmente inútil. Não existe saia. Será que a saia faltou por
motivo de doença?
Cleave
Chegaram Novas Mensagens piscou outra vez, imediatamente após.
Mensagem para Jones
Se a ausência da saia é realmente devido à doença, por favor, verifique quantas vezes
isso ocorreu nos últimos doze meses. 0 caráter espasmódico da presença da saia
sugere absenteísmo.
Cleave
Resposta imediata:
Mensagem para Cleave
A saia não demonstra estar doente nem ausente. Surpresa com a atitude fortemente
preconceituosa da chefia em matéria de comprimento da saia. Interesse obsessivo faz
supor que a chefia está mais doente do que a saia.
Jones
Hum. Acho melhor tirar esta última frase, que tem uma leve acusação de assédio sexual
enquanto estou adorando ser assediada sexualmente por Daniel Cleaver.
Aaargh. Perpétua acaba de entrar e ficou atrás de mim, lendo o que eu estava escrevendo.
Tentei apertar a tecla de Fechar Texto rapidamente mas, por engano, coloquei o currículo na
tela outra vez.
— Quando você terminar de ler me avise, por favor — disse Perpétua com um sorriso
afetado. — Não gostaria que você fosse mal aproveitada na empresa.
Voltei para minha mensagem assim que ela pegou no telefone: "Para ser sincera, Sr.
Birkett, o que adianta colocar três pessoas em quatro quartos, quando é óbvio que o terceiro
quarto será do tamanho de um armário?" Eis o que estou mandando agora:
Mensagem para Cleave
A saia não demonstra estar doente ou auzente. Surpresa com a atitude fortemente
preconceituosa da chefia em matéria de comprimento. Concidero a possibilidade de
recorrer ao tribunal de trabalho, comunicar o fato a tablóides sensacionalistas etc.
Jones
Ai, meu Deus. A resposta que recebi:
Mensagem para Jones
Ausente, Jones, e não auzente. Considero e não concidero. Por favor, tente pelo
menos escrever com alguma correção. Isso não significa absolutamente que a linguagem
seja algo imutável e fixo e não sempre em mutação, sendo uma ferramenta variada de
comunicação (segundo Hoenigswald), talvez seja útil checar antes no corretor
ortográfico.
Cleave
Estava completamente arrasada quando Daniel passou com Simon do Marketing, deu um
olhar bem sexy para minha saia e levantou a sobrancelha. Adoro o maravilhoso sistema de
mensagem por computador. Mas tenho de prestar atenção à ortografia. Afinal de contas,
tenho diploma de inglês.

SEXTA-FEIRA, 6 DE JANEIRO


17h45. Não poderia estar mais alegre. As mensagens com referência à presença ou não da saia
continuaram a tarde inteira. Não consigo acreditar que o respeitável chefe tenha trabalhado
um minuto que seja. Situação esquisita em relação à Perpétua (subchefe), ficou de mau humor
desde que soube que eu estava trocando mensagens. Situação esquisita com Perpétua
(subchefe), já que ela sabia que eu estava trocando mensagens e ficou muito zangada, mas a
verdade é que o fato de eu estar trocando mensagens com o chefe supremo me causou
sentimentos de lealdade conflitantes — campo de batalha obviamente desequilibrado onde
qualquer um com um pingo de bom senso diria que o chefe supremo deveria segurar a onda.
Última mensagem lida:
Mensagem para Jones
No fim de semana, gostaria de mandar um buquê de flores para a saia adoentada.
Favor fornecer contato o mais rápido possível pois, por razões óbvias, não posso confiar
na grafia de "Jones" para procurar na lista.
Cleave
Siiim! Siiim! Daniel Cleaver quer meu telefone. Sou maravilhosa. Sou uma irresistível
Deusa do Sexo. Oba!

DOMINGO, 8 DE JANEIRO 

58 kg (bom à beça, mas e daí?), 2 unidades alcoólicas (excelente), 7 cigarros, 3.100 calorias
(ruim).

14h. Ai, Deus, por que sou tão pouco atraente? Não posso acreditar que me convenci que não
faria nada o fim de semana inteiro para trabalhar quando na verdade estava em estado de
alerta para o encontro-com-Daniel. Horrível, perdi dois dias olhando para o telefone como
uma psicopata e comendo coisas. Por que ele não ligou? Por quê? O que há de errado
comigo? Por que pediu meu telefone se não ia ligar e, se fosse, certamente seria no fim de
semana? Preciso me centrar. Vou pedir a Jude um bom livro de auto-ajuda, de preferência
baseado em alguma religião oriental.
20h. Alerta: o telefone toca, mas é Tom perguntando se há alguma novidade telefônica. Tom,
que começou a se definir de brincadeira como bicha-velha, tem sido um excelente apoio na
crise deflagrada por Daniel. Tom tem uma teoria de que homossexuais e mulheres solteiras
quando chegam aos 30 anos criam uma ligação natural porque ambos já se acostumaram a
desapontar os pais e a serem tratados como malucos pela sociedade. Ele me consolou
enquanto eu falava sem parar do meu problema de ser pouco atraente — problema, como eu
lhe disse, deflagrado em primeiro lugar pelo droga do Mark Darcy e depois pelo droga do
Daniel diante do que ele perguntou, embora não fosse de grande ajuda:
— Mark Darcy? Não é aquele famoso advogado, o cara dos direitos humanos?
Humm. Bom, de qualquer maneira. O que dizer do meu direito humano de não ter de viver
com um assustador complexo de feiúra?
23h. Muito tarde para Daniel ligar. Mto chateada e traumatizada.
SEGUNDA, 9 DE JANEIRO
58 kg, 4 unidades alcoólicas, 29 cigarros, 770 calorias (m. b. mas a que preço?).
Dia de pesadelo na editora. Esperei Daniel chegar a manhã inteira: nada. Lá pelas 11h30
estava seriamente preocupada. Será que eu devia avisar as pessoas? Então de repente Perpétua
berrou no telefone:
— Daniel? Foi a uma reunião em Croydon. Volta amanhã. — Bateu o telefone e disse: —
Ah, essas garotas chatas que ligam para ele sem parar.
Em pânico, agarrei o maço de Silk Cut. Que garotas? Como? De algum modo consegui
trabalhar, ir para casa, e num momento de insanidade deixei um recado na secretária
eletrônica de Daniel dizendo (não, não acredito que fiz isso):
— Oi, aqui é Jones. Estava querendo saber como vai você e se gostaria de se encontrar
comigo para a reunião pela saúde das saias, como disse.
No instante em que desliguei percebi que era uma situação de emergência e telefonei para
Tom, que calmamente disse para eu não me preocupar, ele resolveria o problema: bastava
ligar várias vezes para a secretária eletrônica até descobrir o código para ouvir os recados e
assim poderia apagar o meu. Depois de algum tempo achou que tinha conseguido, mas
infelizmente Daniel acabou atendendo o telefone. Em vez de dizer "Desculpe, foi engano",
Tom desligou. Assim, Daniel ficou não só com o meu recado maluco, mas ainda vai pensar
que eu liguei 14 vezes esta tarde e, quando consegui que ele atendesse, bati o telefone.

TERÇA-FEIRA, 10 DE JANEIRO

57,6 kg, 2 unidades alcoólicas, 0 cigarro, 998 calorias (excelente, m.b., uma perfeita santa).
Entrei no escritório meio escondida, constrangida por causa do recado na secretária. Tinha
resolvido manter total distância de Daniel mas aí ele apareceu absurdamente sexy, e começou
a graça com todo mundo de modo que fiquei em frangalhos.
De repente, Chegaram Novas Mensagens piscou no alto da tela do computador.
Mensagem para Jones
Obrigado por me ligar.
Cleave
Quase morri. Meu telefonema sugeria que nos encontrássemos. Quem responde com
"obrigado" e fica por isso mesmo é porque... mas, depois de pensar um pouco, escrevi:
Mensagem para Cleave
Por favor, cale a boca. Estou muito ocupada resolvendo um assunto importante.
Jones
E depois de mais alguns minutos ele respondeu.
Mensagem para Jones
Desculpe interromper, Jones, a pressão deve ser infernal. Câmbio e desligo.
P.S.: Gostei dos seus peitos nessa blusa.
Cleave
... E pronto. Mensagens frenéticas continuaram a semana inteira, terminando com ele
sugerindo que nos encontrássemos no domingo à noite e eu, incrédula, eufórica, aceitando. Às
vezes, dou uma olhada em volta quando estamos todos escrevendo no computador e fico
pensando se alguém está trabalhando mesmo.
(É besteira minha ou domingo à noite é um dia estranho para um primeiro encontro? Tão
errado quanto sábado de manhã ou segunda-feira às 2 da tarde).
DOMINGO, 15 DE JANEIRO
57 kg (excelente), 0 unidade alcoólica, 29 cigarros (mto mto ruim, principalmente em 2 horas),
3.879 calorias (horrível), 942 pensamentos negativos (média por minuto), 127 minutos
contando pensamentos negativos (aprox.).
18h. Completamente exausta depois de passar o dia todo me preparando para o encontro. Ser
mulher é pior do que ser lavrador — tem tanta coisa para cuidar na plantação e na colheita:
depilar pernas com cera, raspar axilas, tirar sobrancelhas, passar pedra-pomes nos pés, esfoliar
e hidratar a pele, tirar os cravos, pintar a raiz dos cabelos, completar o desenho das pestanas,
lixar as unhas, massagear a celulite, exercitar os músculos da barriga. A coisa é tão complexa
que basta você esquecer durante uns dias e lá se vai a plantação. Às vezes penso como eu
ficaria se deixasse tudo por conta da natureza — barba comprida, bigode de pontas viradas,
sombrancelhas grossas, rosto igual a um cemitério, cheio de células mortas, espinhas na pele,
unhas longas como as de Mortícia Adams, cega como um morcego sem minhas lentes de
contato, o corpo flácido balançando. Argh, argh. É de espantar que as garotas sejam
inseguras?
19h. Não posso acreditar. Quando ia para o banheiro dar os últimos retoques na plantação, vi
que a luzinha da secretária eletrônica estava piscando: Daniel.
— Olha, Jones, mil desculpas. Acho que não vai dar para nos encontrarmos hoje à noite.
Tenho de fazer uma apresentação de campanha às 10 da manhã e ler uma pilha de 45 laudas
de texto.
Não acredito. Levei um bolo. Desperdício total de um dia inteiro de esforço e energia
corporal hidroelétrica. Mas não se deve viver na dependência dos homens e sim ser uma
mulher de fibra.
21h. É preciso considerar que ele tem um cargo muito importante. Talvez não quisesse
estragar um primeiro encontro com nervosismo por causa do trabalho.
23h. Argh. Bem que ele podia ter ligado de novo. Vai ver que saiu com alguém mais magra
do que eu.
5h da manhã. O que eu tenho de errado? Estou completamente sozinha. Detesto Daniel
Cleaver. Não vou ter mais nada com ele. Vou me pesar.

SEGUNDA-FEIRA, 16 DE JANEIRO

58 kg (saídos de onde? por quê? por quê?), 0 unidade alcoólica, 20 cigarros, 1.500 calorias,
0 pensamento positivo.
10h30. Trabalho. Daniel continua trancado numa reunião. Vai ver que era uma desculpa
sincera.
13h. Vi Daniel saindo para almoçar. Não me mandou mensagem nem nada. Mto deprimida.
Vou fazer compras.
23h50. Acabei de jantar com Tom no quinto andar da Harvey Nichols. Ele está obcecado por
um pretenso cineasta free-lancer chamado Jerome. Reclamei de Daniel, que passou a tarde
inteira em reunião e só às 16h30 conseguiu me dizer "Olá, Jones, como vai a saia?". Tom
disse para não ficar paranóica, dar tempo ao tempo, mas eu sabia que ele não estava prestando
atenção e só queria falar de Jerome pois está louco de tesão por ele.

TERÇA-FEIRA, 24 DE JANEIRO

Um dia maravilhoso. Às 17h30, como uma dádiva dos deuses, Daniel surgiu, sentou na
beirada da minha mesa, de costas para Perpétua, pegou a agenda e murmurou:
— Você tem algum compromisso para sexta?
Siiim! Siiim!

SEXTA-FEIRA, 27 DE JANEIRO

58,5 kg (mas cheia de comida genovesa), 8 unidades alcoólicas, 400 cigarros (como se
fossem), 875 calorias.
Hum. Tive um encontro divino num aconchegante restaurante genovês perto do apartamento
de Daniel.
— Ahn... então tá. Vou pegar um táxi — falei sem jeito, quando saímos do restaurante. Aí
ele afastou delicamente uma mecha de cabelo da minha testa, segurou meu rosto e me beijou,
com urgência, desesperadamente. Apertou meu corpo e sussurrou com uma voz rouca:
— Acho que você não vai precisar desse táxi, Jones.
Assim que entramos no apartamento dele nos enroscamos como dois bichos: sapatos e
casacos formavam uma trilha, espalhados pela sala.
— Acho que a saia não está se sentindo bem — murmurou ele. - É melhor ela deitar no
chão. — Quando começou a abrir o zíper da saia ele sussurrou: — Isso é só uma
brincadeirinha, certo? Acho que a gente não deve se envolver. - Dito isso, continuou abrindo
o zíper. Se não fosse por Sharon com sua tese da babaquice emocional e por eu ter bebido
mais de meia garrafa de vinho, acho que teriaa caído nos braços dele. Mas consegui me
levantar, puxando a saia para cima.
— Isso é um absurdo — falei, com a língua meio enrolada- — Como você pode ser tão
falsamente sedutor, covarde e destrambelhado? Não estou interessada em babaquice
emocional. Tchau.
Foi ótimo. Valia a pena ver a cara dele. Mas agora que estou em casa, fiquei deprimida.
Posso ter feito a coisa certa, mas tenho certeza de que minha recompensa vai ser acabar
sozinha, meio devorada por um pastor alemão.

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