3. Março: Pânico total em relação ao aniversário

SÁBADO, 4 DE MARÇO

57kg (para que fazer regime durante o mês de fevereiro inteiro se no começo de março acabo
exatamente com o mesmo peso? Argh. Não vou mais me pesar e anotar tudo o que como, já
que não adianta).

Minha mãe passou a ter uma energia jamais vista. Hoje de manhã, ela irrompeu no meu
apartamento quando eu ainda estava de roupão, pintando a unha dos pés, no maior tédio,
olhando na tevê os preparativos para uma corrida.
— Querida, posso deixar essas coisas aqui por umas horas? Perguntou ela, carregando um
monte de sacolas de compras e entrando no meu quarto.
Logo depois, morta de curiosidade, fui ver o que ela estava fazendo. Sentada em frente do
espelho, usava um caro conjunto cor de café de corpete e calcinha e passava rímel nos cílios,
com a boca aberta (um dos grandes mistérios da natureza é a necessidade de abrir a boca para
aplicar rímel)
— Não acha que você devia se arrumar, querida?
Ela estava incrível: a pele linda, o cabelo brilhando. Dei uma olhada na minha imagem
refletida no espelho. Eu devia mesmo ter tirado a maquiagem antes de dormir. Um lado do
meu cabelo estava grudado na cabeça, o outro formava uma série de pontas e chifres. Era
como se meu cabelo tivesse autonomia, comportando-se muito bem o dia todo, aguardando
até eu dormir para começar a correr e pular como crianças se perguntando: “O que a gente
inventa agora”?
— Você sabe – disse mamãe, perfumando o colo com seu Givenchy II —, durante todos
esse anos seu pai criou tanto problema para pagar as contas e os impostos, como se isso
redimisse os trinta anos em que lavei pratos. Bom, a declaração de imposto de renda não
estava pronta e pensei: dane-se, eu faço. Claro que aquilo me pareceu tão complicado quanto
grego arcaico, então liguei para a Secretária de Finanças. O funcionário que atendeu foi muito
arrogante. “Sinceramente, sra. Jones, não entendo qual é o problema”, disse ele. “Escuta uma
coisa: o senhor é capaz de fazer um pãozinho assado?” Aí ele explicou tudo e em quinze
minutos estava pronta a declaração. Aliás, ele me convidou para almoçar hoje. Um
funcionário da receita, imagine!
— Como? – perguntei, pasma, me apoiando no batente da porta. — Que fim levou o Julio?
—Só porque sou amiga do Julio não quer dizer que não posso ter outros amigos –
informou ela candidamente, vestindo um conjuntinho amarelo.
— O que acha desse conjunto? Comprei agora. Amarelo-limão. Mas tenho de me apressar.
Vou encontrar com ele na lanchonete da Debenhams à uma e quinze.
Depois que ela saiu, abri um pacotinho de granola, comi uma colher e acabei com a sobra
do vinho que estava na geladeira.
Conheço o segredo dela: descobriu o poder. Tem poder sobre papai: ele quer que ela volte.
Tem poder sobre Julio e sobre o funcionário da Receita, e todo está sentido esse poder e
querendo ter um pouco, o que a torna ainda mais irresistível. Só me resta encontrar alguém ou
alguma coisa para dominar e então... ai, meu Deus. Não domino nem meu próprio cabelo.
Estou tão deprimida. Embora Daniel estivesse muito simpático esta semana, conversador,
fazendo até um charme para mim, não consigo entender o que está havendo entre nós, como
se fosse completamente normal um homem dormir com uma colega e ficar por isso mesmo. O
trabalho, que antes era só uma chateação, passou a ser uma tortura. Fico sofrendo cada vez
que ele sai para almoçar ou veste o casaco no final do dia para ir embora: aonde vai? Com
quem? Quem?
Perpétua parece ter conseguido jogar todas as tarefas dela em cima de mim e passa o dia
inteiro telefonando para Arabella ou Piggy, falando sobre o apartamento de meio milhão de
libras em Fulham que vai comprar com Hugo. “É. Não. É. Não, concordo plenamente. Mas o
problema é o seguinte: será que alguém vai querer pagar mais trinta mil para ter mais um
quarto?”
Ás 16h15 de sexta-feira, Sharon ligou para o escritório:
— Você vai sair comigo e Jude amanhã?
— Ahn... – Fiquei em pânico, pensando: ‘Será que, antes de ir embora, Daniel vai me
convidar para sair com ele no final de semana?”
— Me liga, se ele não te convidar – disse Sharon, depois de uma pausa.
Às 17h45 vi Daniel de casaco se encaminhando para a porta. Minha expressão assustada
deve ter feito ele se sentir culpado, porque sorriu sem graça, mostrou a tela do computador e
saiu.
Logo depois, estava piscando Chegaram Novas Mensagens. Teclei Sim. Dizia:
Mensagem para Jones
Tenha um bom fim de sema. Plim-plim.
Cleave.
Me sentindo a última das mulheres, peguei o telefone e liguei para Sharon.
— Nos encontramos amanhã a que horas? – perguntei, humilde.
— Às oito e meia, no Café Rouge. Não se preocupe, nós te amamos. Diga a ele para não
encher com suas babaquices emocionais.
Duas da manhã. Ah, foi maravilhozcom Sharoe Jude. Não que maisna com aquela besta do
Daniel. Estou enjoada. Opa

DOMINGO, 5 DE MARÇO.

8h. Argh. Melhor morrer. Nunca, nunca mais bebo na vida.
8h30. Aaai. Seria bom comer uma batata frita.
11h30. Estou morrendo de sede, mas é melhor ficar de olhos fechados e deixar a cabeça
enfiada no travesseiro para não atrapalhar os pinos batendo e os faisões passeando dentro
dela.
Meio-dia. Foi bem divertido, mas estou mto confusa sobre conselho sobre Daniel. Primeiro,
tive de ouvir os problemas de Jude com Richard o Vil, já que eles são um caso mais sério,
estão saindo há 18 meses, bem mais do que uma transadinha de nada. Portanto,esperei com
humildade minha vez de contar as últimas de Daniel. A conclusão geral, foi a princípio:
babaquice emocional.
Jude apresentou a interessante teoria do Tempo Masculino, como no filme Patricinhas de
Beverly Hills: os chamados 5 dias (“sete”, corrigi) depois do sexo durante os quais um novo
relacionamento fica em suspenso. Essa fase não parece um tempo desesperador para os
machos da espécie, mas um período normal, de esfriamento para avaliar as emoções antes de
prosseguir. Jude argumento que Daniel estava muito nervoso com a sua situação profissional
etc., etc., então eu tinha de compreender, ser simpática e agradável para mostrar que confio
nele e não vou pular fora da relação.
Nesse ponto Sharon quase cuspiu sobre o queijo ralado e disse que não era humano deixar
uma mulher no ar sem saber o que fazer durante dois fins de semana depois de dormir com ela
e que isso causava uma enorme insegurança e que eu devia dizer a ele o que eu achava.
Humm. Vamos ver. Vou dar mais uma dormidinha.
14h. Retorno triunfal de uma heróica expedição ao térreo para pegar o jornal e um copo
d‘água. Dava para sentir a água correndo como um riacho cristalino nos cantos recônditos da
minha cabeça. Embora não haja prova, estivesse pensando na teoria de que a água percorre a
cabeça da gente. Deve entrar através da corrente sanguínea. Como a desidratação provoca
ressaca,talvez a água penetre no cérebro através de uma espécie de ação capilar.
14h15. Dei um pulo quando li nos jornais a notícia de duas crianças de dois anos que tiveram
de fazer prova para entrar no jardim-de-infância. Tenho de ir ao chá de aniversário do Harry,
meu afilhado.
18h. Dirigi feito uma louca pelas ruas londrinas, cinzentas e molhadas de chuva, até a casa de
Magda, parando antes na Waterstone para comprar um presente. Fiquei péssima, só de pensar
que estava atrasada, de ressaca e ainda ia ter de ficar cercada de mães que um dia trabalharam,
tiveram uma carreira e agora participavam da competição Cuidados com os Filhos. Magda,
que foi corretora de ações, mente a idade do filho Harry para fazer com que ele pareça mais
inteligente. Até para engravidar foi um espanto. Magda tomava oito vezes mais vitaminas e
sais minerais do que qualquer outra mulher. O nascimento foi o máximo. Ela passou a
gravidez inteira dizendo para todo mundo que seria parto natural, mas foi só sentir a primeira
contração que começou a gritar:
— Apliquem uma anestesia, seus idiotas!
A festa de aniversário foi um cenário de pesadelo em uma sala cheia de orgulhosas
mamães, uma delas com um bebe de um mês:
— Ah, não é um amorzinho? – arrulhou Sarah de Lisle, depois perguntou, rápida: — Como
foi ele no teste de bebês?
Não sei qual é o problema desses testes que as crianças são obrigadas a fazer com dois
minutos de vida. Magda ficou sem graça quando contou que Harry tinha tirado 10 no teste e
uma das convidadas, que era enfermeira disse que a nota máxima era 9.
Sem se abalar, Magda começou a se vangloriar de que o filho era um prodígio em matéria
de cocô causando uma série de ataques e contra-ataques. A essa altura, as criancinhas, numa
idade em que deveriam estar envoltas em fraudas plásticas, passeavam pela sala, vestidos em
modelitos da Grife Baby Gap. Menos de 10 minutos depois que cheguei, o tapete já tinha três
cocôs. Ocorreu então uma discussão inútil sobre quem tinha feito os cocos, seguida de um
tenso trocar de roupas, oportunidade para uma outra competição a respeito do tamanho dos
pintos dos bebês e, em conseqüência, dos maridos.
— É assim mesmo, o tamanho do pênis é hereditário. Cosmo não tem esse problema, sabe?
Depois disso, achei que minha cabeça ia explodir. Pedi licença, peguei o carro e voltei para
casa, dando graças a Deus por ser solteira.

SEGUNDA-FEIRA, 6 DE MARÇO

56,2kg (m. m. b.: percebi que o segredo do regime é não se pensar).

11h. Trabalho. Completamente exausta. Na noite passada, eu estava imersa num banho
morno com óleo de gerânio, tomando vodca com tônica, quando a campanhinha tocou. Era
minha mãe, chorando na escada. Levei algum tempo para entender o que estava acontecendo,
enquanto ela andava pela cozinha, chorando cada vez mais alto e recusando-se a falar.
Comecei a desconfiar que seu ataque de poder sexual perpétuo tinha desmoronado como
cartas de baralho: papai, Julio e o funcionário da receita tinham perdido o interesse por ela ao
mesmo tempo. Mas não era isso. Ela estava com a síndrome do “Tenho tudo”.
— Estou me sentido como a cigarra que passou o verão inteiro cantando – disse ela, assim
que percebeu que eu estava me desinteressando do caso. – E agora chegou o inverno da minha
vida e não reservei nada para mim.
Eu ia argumentar que três candidatos em potencial, a metade de uma casa e as pensões não
eram nada, mas fiquei quieta.
— Quero ter uma profissão – confessou ela. E alguma parte mesquinha de mim sentiu-se
feliz e segura porque eu tinha uma profissão. Bom, um emprego, pelo menos. Eu era uma
cigarra juntando muita comida, ou moscas, ou seja lá o que as cigarras comem no inverno,
apesar de não ter um namorado.
Acabei consolando mamãe, deixando que ela abrisse o meu guarda-roupa e criticasse todas
as minhas roupas e dissesse porque eu deveria comprar só na Jaeger e na Country Casuals.
Minha estratégia funcionou bem e ela se recuperou tão depressa que consegui até ligar para
Julio e marcar para tomarem uma “saideira”.
Quando ela saiu já eram mais de dez horas, então liguei para contar a Tom as horrendas
novidades: Daniel não tinha ligado o fim de semana inteiro e eu queria saber o que ele achava
dos conselhos controversos de Jude e Sharon. Tom disse que eu não devia seguir nenhum
deles, não me fazer de sedutora, não comentar nada e continuar como a rainha da frieza e da
indiferença.
Tom disse que os homens costumam se imaginar numa espécie de escada do sexo, com
todas as mulheres acima ou abaixo deles. Se a mulher está abaixo (isto é, querendo dormir
com o homem e dando em cima dele), então, no melhor estilo Groucho Marx, ele não quer
entrar para o clube dela. Essa mentalidade masculina me deixa deprimida, mas Tom disse
para eu não ser ingênua e se gosto mesmo de Daniel e quero conquistá-lo tenho de ignorá-lo e
ser o mais fria e distante possível.
Acabei indo dormir à meia-noite, mto confusa, mas fui acordada três vezes por
telefonemas de papai.
— Quando alguém te ama, é como ter um cobertor envolvendo seu coração. Mas, quando
arrancam o cobertor... – disse, e caiu em prantos. Ele ligou do apartamento da vovó, nos
fundos do jardim dos Alconbury, onde estava “até as coisas se acalmarem”, como declarou,
esperançoso.
De repente percebi que as coisas estavam completamente mudadas e agora era eu quem
cuidava dos meus pais em vez deles cuidarem de mim, o que parece pouco natural e errado.
Será que eu sou tão velha assim?
Posso garantir que nos dias de hoje não adianta beleza, comida, sexo ou sedução para
conquistar o coração de um homem, mas sim a capacidade de parecer pouco interessada nele.
Não tomei conhecimento do Daniel o dia inteiro e fingi estar ocupada (faço um esforço
para não rir). Chegaram Novas Mensagens ficou piscando, mas só olhei e fiquei ajeitando
o cabelo como se fosse uma mulher muito charmosa e importante, com mais o que fazer. No
final do dia, percebi que a fórmula estava funcionando como num milagre de laboratório
escolar de química (teste de acidez, fósforo ou algo parecido). Ele continuou me olhando e
fazendo caras e bocas. A certa altura, quando Perpétua saiu da sala, ele passou pela minha
mesa, parou um instante e falou, baixinho:
— Jones, sua criatura maravilhosa. Por que está me ignorando?
Num ímpeto de alegria e ternura, fiquei prestes a contar todas as teses controversas de
Tom, Jude e Sharon mas, por sorte exatamente nessa hora tocou o telefone. Perpétua entrou
de repente, colocando uma pilha de papéis sobre a minha mesa e empurrando-os com a bunda,
berrou: “Ah, Daniel. Vamos...” e botou-o para fora. Isso foi ótimo porque o telefonema era de
Tom que disse para eu manter a pose de rainha da frieza e me deu um mantra para ficar
repetindo quando sentisse que estava enfraquecendo. “Avante, inacessível rainha do gelo.
Avante, inacessível rainha do gelo”.

TERÇA FEIRA, 7 DE MARÇO

58,9 kg, 58kg ou 59,4kg? 0 unidade alcoólica, 20 cigarros, 1500 calorias, 6 bilhetes de
loteria (ruim).

9h. Argh. Como é que posso ter engordado um quilo e meio desde o meio da noite? Estava
com 58,9kg , 58 às quatro da manha e 59,4kg quando acordei. Entendo que o corpo possa
diminuir - pode evaporar ou sair do corpo para a privada -, mas como pode aumentar? Será
que a comida pode sofrer uma reação química com outra, dobrar de densidade e volume e se
solidificar formando uma gordura mais pesada e compacta? Não estou parecendo mais gorda.
Posso fechar o botão, embora, argh, não consiga fechar o zíper do meu jeans de 1989. Então
pode ser que me corpo esteja diminuindo mas ficando mais pesado. Parece papo de
marombeira, o que me deixa deprimida. Liguei para Jude reclamando da droga da dieta, e ela
mandou anotar tudo que comi, honestamente, e verificar se segui a dieta. Eis a lista do que
comi:
Café da manhã: pãozinho quente (pequena variação da torrada integral indicada), barra de
chocolate Mars (pequena variação da grapefruit indicada na dieta Scarsdale).
Lanche: duas bananas, duas pêras (mudei para o plano E já que estava morrendo de fome e
não agüento comer petiscos de cenoura como manda a Dieta de Scasdale. Um suco de laranja
em pacote (Dieta de Alimentos Naturais Anticelulite).
Almoço: uma batata com casca (Dieta Vegetariana de Scarsdale) e pasta de grão-de-bico
(Dieta Hay – a pasta é ótima para passar na batata quente porque derrete e compensa os
muitos líquidos contidos no café da manhã e o almoço, exceto o pãozinho quente e a barra de
chocolate (pequena insubordinação).
Jantar quatro copos de vinho, peixe e batatas fritas (Dieta de Scarsdale, junto com a Dieta
Hay – aquisição de proteínas): uma porção de tiramisu ; chocolate de menta (uma fera).
Vejo que ficou muito fácil achar uma dieta que se adapte a tudo que você tem vontade de
comer. Concluo também que não se deve escolher uma dieta e misturar com outra, mas seguir
uma só, à risca – exatamente o que vou começar a fazer logo depois de comer esse croissant
de chocolate.

TERÇA-FEIRA, 14 DE MARÇO.

Desastre. Desastre completo. Entusiasmada com o sucesso da tese de total indiferença
defendida por Tom, comecei a descuidar, segui os conselhos de Jude e voltei a trocar
mensagens com Daniel para mostrar que confio nele e não vou ficar carente, nem sumir de
vista sem uma boa razão.
Lá pelo meio da manhã, quando eu estava na máquina de café minha técnica de rainha da
frieza misturada com Homens são de Marte, mulheres são de Vênus ia tão bem que Daniel se
aproximou e disse:
— Você pode ir a Praga no próximo fim de semana?
— Como? Ahn, você quer dizer no fim de semana que vem?
— Isssso, no próximo fim de semana - disse ele de um jeito animado e meio paciente,
como se estivesse me ensinando a falar inglês.
— Aaah, vou sim, ótimo - falei, esquecendo o mantra da rainha da frieza.
Depois ele veio a minha mesa e perguntou se eu gostaria de almoçar no restaurante da
esquina. Combinamos de encontrar do lado de fora do prédio para ninguém desconfiar de
nada e foi tudo bem emocionante e clandestino até ele dizer, quando estávamos perto do
restaurante:
— Escute, Bridge, me desculpe, fiz um rolo na minha cabeça.
— Por quê? O quê? - perguntei, ao mesmo tempo que lembrava da minha mãe e me
perguntava se o educado seria dizer: "Perdão, como disse?"
— Não posso ir a Praga no próximo fim de semana. Não sei onde estava com a cabeça
quando falei isso. Mas a gente pode ir numa outra oportunidade.
Tocou uma sirene dentro da minha cabeça e um enorme sinal luminoso começou a piscar
com a cabeça de Sharon no meio, dizendo: BABAQUICE, BABAQUICE.
Fiquei grudada no chão, olhando para ele.
— O que houve? - perguntou ele, parecendo se divertir.
— Não agüento mais você - falei, furiosa. - Desde aquele dia que você tentou tirar minha
saia eu deixei bem claro que não estou a fim de babaquices emocionais. Não foi nada legal
você ficar me seduzindo, dormir comigo, depois nem sequer me telefonar e ainda fazer de
conta que não houve nada. Você me convidou para ir a Praga só para ter certeza de que podia
dormir comigo se quisesse, como se estivéssemos numa espécie de escada, não é?
— Escada, Bridge? - disse ele. — Que escada?
— Cala a boca - disse, áspera. — Agora é dá ou desce. Ou você fica comigo e me trata
direito, ou me deixa em paz. Como já disse, não estou interessada em babaquices.
— E o que você fez esta semana? Primeiro, me ignorou completamente como se fosse uma
donzela de gelo integrante da Juventude Hitlerista, depois passou a ser uma irresistível
gatinha sensual olhando para mim por cima do computador fazendo olhares de "vamos pra
cama, anda" e agora, de repente, vira uma fera.
Ficamos nos olhando como dois animais da selva africana antes de se atacarem num
documentário de tevê do natiralista David Attenborough. Aí, de repente, Daniel virou-se e
saiu do restaurante. Tive de voltar apatetada para o trabalho e ir ao toalete, onde tranquei a
porta e sentei vigiando enlouquecida a porta. Ai, Deus.
17h. Rá-rá. Estou ótima. Orgulhosa de mim mesma. Depois do trabalho, tive uma reunião de
cúpula no Café Rouge para discutir a crise com Sharon, Jude e Tom, que ficaram encantados
com a mudança de Daniel, cada um convicto de que tinha sido por causa do próprio conselho.
Jude tinha ouvido uma pesquisa no rádio informando que, na virada do século, um terço dos
lares será habitado por uma pessoa só, o que pelo menos prova que não somos pobres
malucos. Sharon deu uma gargalhada e disse:
— Uma casa em cada três? É mais provável que sejam nove em cada dez.
Sharon acha que os homens - com a honrosa exceção, óbvio, dos presentes ou seja Tom -
são todos difíceis de se envolverem afetivamente que daqui a pouco as mulheres vão mantêlos
como bichinhos só para fazer sexo. Assim, um lar como esse não poderá ser considerado
como um domicílio partilhado, já que os homens ficarão do lado de fora em canis. De todo
jeito, estou me sentindo mto fortalecida. O máximo. Acho que devo ler um trecho do livro de
Susan Faludi, Backlash.
5h. da manhã. Ai, meu Deus Daniel me deixa tão triste. Eu o amo.

QUARTA - FEIRA, 15 DE MARÇO.

57kg, 5 unidades alcoólicas, (desgraça: urina de satã), 14 cigarros(erva do satã, vou parar
no dia do meu aniversário), 1.795 calorias.

Humm. Acordei mal à beça. Para culminar, faltam apenas duas semanas para o meu
aniversário, quando terei de admitir que mais um ano se passou, durante o qual todo mundo
menos eu virou Bem-Casado, teve fIlho, plop, plop, plop, à direita, esquerda, centro, faturou
centenas de milhares de libras, progrediu na vida, enquanto eu continuo sem rumo e sem
namorado, mantendo relações desestruturadas e com uma carreira empacada.
Constato que toda hora estou na frente do espelho à procura de rugas e quando pego a
revista Hello! procuro imediatamente a idade das pessoas para me comparar (A atriz Jane
Seyrnour está com 42 anos!), lutando contra o medo onipresente de um dia, aos 30 e poucos
anos, de repente e sem perceber, estar num vestido largão, carregando uma sacola de compras,
de permanente no cabelo, a cara derretendo como nos efeitos especiais dos fIlmes e aí, pronto.
Tudo acabado. Tento me concentrar em Joanna Lumley e Susan Sarandon.
Também estou preocupada em como comemorar meu aniversário. O tamanho do
apartamento e da conta bancária não permitem dar uma festa. Quem sabe faço um jantar? Mas
aí eu teria de ficar o tempo todo servindo as pessoas e odiaria os convidados assim que
chegassem. Podíamos sair para jantar, mas fico culpada porque as pessoas têm de pagar a
conta pois, egoísta, obriguei-os a comemorar o meu aniversário gastando dinheiro numa noite
chata - mas também não posso pagar para todo mundo. Ai, Deus. O que faço? Gostaria de não
ter nascido mas sim ser o resultado de uma imaculada conceição como Jesus, mas não
exatamente da mesma forma que Ele, assim não precisava comemorar o aniversário. Sinto-me
solidária com o constrangimento que Ele deve sentir porque há dois mil anos quase o mundo
inteiro é obrigado a comemorar Seu aniversário.
Meia-noite. Tive uma boa idéia para o aniversário: convidar todo mundo para um coquetel,
talvez manhattans. Assim, posso oferecer algo aos convidados, no melhor estilo de uma
grande dama da sociedade. Se as pessoas mais tarde quiserem jantar, ora, podem ir. Não sei
bem como se prepara um manhattan, vou pesquisar. Posso comprar um livro que ensina a
fazer coquetéis. Para ser sincera, acho que não vou comprar.

QUINTA-FEIRA, 16 DE MARÇO.

57,6kg, 2 unidades alcoólicas, 5 cigarros (m.b.), 2.140 calorias (quase só comi frutas), 237
minutos gastos fazendo lista de convidados (ruim).

Eu Sharon
Jude Richard o Vil
Tom Jerome(eca)
Michael
Magda Jeremy
Simon
Rebecca Martin Chato de Galocha
Woney Cosmo
Joanna
Daniel? Perpétua? (argh) e Hugo?
Ai, não. Ai, não. O que faço?

SEXTA-FEIRA, 17 DE MARÇO.

Acabo de ligar para Tom que disse, com muita sensatez:
— O aniversário é seu e você deve convidar única e exclusivamente quem quiser.
Então, só vou convidar as seguintes pessoas:
Sharon
Jude
Tom
Magda e Jeremy
e preparar um jantar para todos. Liguei de novo para comentar a lista com Tom e ele
perguntou:
— E Jerome?
— O quê?
— E Jerome?
— Achei que como você disse que eu só devia convidar... - parei no meio da frase porque
se dissesse "quem eu gosto" mostraria que não gostava do insuportável e pretensioso
namorado dele. — Ah! - mostrando um susto exagerado. — O seu Jerome? Claro que ele está
convidado, bobo. Mas você acha que fica ruim não chamar Richard o Vil, da Jude? E a
Woney, apesar dela ter me convidado para o aniversário na semana passada?
— Ela jamais vai ficar sabendo.
Quando eu disse a lista de convidados para Jude, ela concluiu:
— Ah, então pode-se levar o namorado? - o que significa Richard o Vil. Bom, já que tem
mais de seis pessoas, então vou ter de convidar o Michael. Bom. Acho que nove pessoas está
perfeito. Dez, contando comigo. Ótimo.
Logo depois, Sharon ligou.
— Espero não ter dado um fora. Encontrei a Rebecca, perguntei se ela ia ao seu aniversário
e ela fez uma cara bem ofendida.
Ah. não, vou ter de convidar Rebecca e Martin Chato de Galocha. Que chateação. Com
isso, tenho de chamar a Joanna também. Merda. Merda. Como eu já disse que vou fazer um
jantar não posso de repente avisar que vamos a um restaurante porque vai parecer que sou
fresca e mesquinha.
Ai, Deus. Acabei de entrar em casa e ouvir na secretária eletrônica um recado gélido e
ofendido de Woney.
— Cosmo e eu queríamos saber o que você gostaria de ganhar de aniversário este ano.
Ligue para nós, por favor.
Já vi que vou passar o dia do meu aniversário cozinhando para 16 pessoas.

SÁBADO, 18 DE MARÇO.

56,7kg, 4 unidades alcoólicas (entediada), 23 cigarros (péssimo, já que fumados em duas
horas), 3.827 calorias (odioso).

14h. Humm. Era só o que me faltava. Minha mãe adentrou o apartamento e, por milagre, a
crise da cigarra que cantou o verão inteiro tinha passado.
— Ó meu Santo Pai, querida! - disse, ofegante, indo direto para a cozinha. — Você teve
uma semana ruim ou alguma coisa assim? Está com uma cara péssima. Parece que tem
noventa anos. Mas sabe de uma coisa, querida? perguntou, dando uma voltinha, segurando a
chaleira e baixando os olhos modestamente, depois me olhando como se fosse uma grande
dançarina pronta para iniciar um show de sapateado.
— O que houve? - respondi, de má vontade.
— Arrumei um trabalho como apresentadora de televisão.
Vou fazer compras.

DOMINGO, 19 DE MARÇO.

56,2kg, 3 unidades alcoólicas, 10 cigarros, 2.465 calorias (quase só chocolate).

Puxa. Estou encarando meu aniversário de outra forma, totalmente positiva. Estive
conversando com Jude sobre o livro que ela está lendo sobre os ritos de passagem dos povos
primitivos e isso me deixou feliz e serena.
Cheguei à conclusão que é fútil e errado achar que o apartamento é pequeno demais para
receber 19 pessoas, que não posso passar o dia do meu aniversário cozinhando e que seria
melhor me arrumar e ir a um restaurante fino com um deus do sexo portador de um cartão de
crédito ouro. Em vez disso, vou considerar meus amigos como uma enorme e calorosa família
africana, ou talvez turca.
Nossa cultura é muito obcecada por aparência, idade e situação sócio-econômica. Mas o
que vale mesmo é o amor. Essas 19 pessoas são amigas minhas; elas querem ser recebidas na
minha casa para festejar com carinho meu aniversário e apreciar uma comidinha caseira - e
não para avaliar nada. Vou fazer uma torta de carneiro para todos no melhor estilo caseiro.
Vai ser uma festa simpática e alegre, como nas tribos étnicas do Terceiro Mundo.

SEGUNDA-FEIRA, 20 DE MARÇO.

57kg, 4 unidades alcoólicas (estou entrando no clima), 27 cigarros (último dia antes de
parar), 2.455 calorias.
Resolvi fazer uma torta de carneiro e uma salada de endívias belgas ao forno com fatias de
Roquefort e chorizos grelhados para dar um toque diferente (não experimentei a receita, mas
tenho certeza que é fácil), seguidos por suflês ao Grand Marnier servidos em terrinas
individuais. Estou ansiosa pelo dia do aniversário. Espero ficar famosa como grande
cozinheira e anfitriã.

TERÇA-FEIRA, 21 DE MARÇO.

ANIVERSÁRIO

57kg, 9 unidades alcoólicas*, 42 cigarros*, 4.295 calorias*. (*Se não posso me esbaldar no
meu aniversário, quando é que vou poder?)

18h30. Não dá mais. Acabo de pisar numa panela de purê de batata com os sapatos novos de
camurça preta da loja Pé no chão (melhor dizer Pé na batata). Esqueci que o piso da cozinha e
todas as superfícies da cozinha estão cobertas de panelas de picadinho de carne e purê de
batata. Já são quase seis e meia e tenho de ir à Cullens comprar os ingredientes do suflê ao
Grand Marnier e outras coisas que esqueci. Ai, meu Deus, de repente lembrei que o tubo de
gel anticoncepcional deve estar ao lado da pia. Preciso guardar também os potes decorados
com uns esquilos cafonas e esconder o cartão de aniversário que Jamie mandou com a foto de
uma ovelhinha e os dizeres: "Feliz Aniversário, sabe onde você está agora?" E dentro do
cartão: "Cruzando o Cabo da Boa Esperança."
Agenda:
18h30 - Compras.
18h45 - Voltar para comprar os enlatados que esqueci.
18h45-7 - Preparar a torta de carneiro e colocar no forno (ai, Deus, espero que caiba tudo).
19-19h05 - Preparar os suflês ao Grand Marnier (acho que vou dar uma provadinha no licor
agora. Afinal, é meu aniversário).
19h05-19h10. - Hum. O Grand Marnier está uma delícia. Preciso arrumar os pratos e talheres
para ninguém achar que está tudo uma bagunça e dar um jeito na cozinha. Ah, tenho de
comprar guardanapos também (ou será que é serviettes?, nunca lembro como se usa chamar).
19h10-19h20 - Limpar tudo e encostar os móveis na parede da sala.
19h20-19h30 - Fazer as tais fatias grelhadas de chorizo.
Com isso, sobra uma boa meia hora para me aprontar, então não há razão para ficar
nervosa. Preciso de um cigarro. Argh. Faltam quinze para as sete. Como é que pode?
Argh.
19h15. Voltei da loja e percebi que esqueci a manteiga.
19h35. Merda, merda, merda. A torta de carneiro ainda está em panelas espalhadas pelo chão
da cozinha inteira e eu ainda não lavei o cabelo.
19h40. Ai, meu Deus. Fui pegar o leite e percebi que esqueci a sacola de compras nos fundos
da loja. Os ovos estavam dentro. O que significa ... Ai, Deus, o azeite também... então não dá
para fazer a tal salada.
19h40. Hum. A melhor coisa a fazer, com certeza, é entrar na banheira com uma taça de
champanhe e me aprontar. Se eu estiver linda, posso continuar cozinhando depois que todo
mundo chegar e talvez consiga que Tom vá buscar os ingredientes que estão faltando.
19h55. Aargh. Tocou a campainha. Estou de calcinha, sutiã e cabelo molhado. O chão da
cozinha está cheio de torta. De repente, odeio os convidados. Tive de ficar como uma escrava
por dois dias, agora eles vão se acomodar e ficar pedindo coisas como cucos esfomeados. Dá
vontade de abrir a porta e berrar: "Ah, fodam-se!"
2h. da manhã. Estou muito emocionada. Quando abri a porta, vi Magda, Tom, Sharon e Jude
com uma garrafa de champanhe. Eles disseram para eu me aprontar logo e, enquanto sequei o
cabelo e me vesti, eles limparam toda a cozinha e jogaram fora a torta de carneiro. Magda
tinha reservado uma grande mesa no restaurante 192 e dito a todo mundo para se encontrar lá,
e não no meu apartamento; eles ficaram me esperando com presentes e ainda me pagaram o
jantar. Magda disse que tiveram um sexto sentido estranho e quase paranormal de que o suflê
ao Grand Marnier e aquela história de salada não iam dar certo. Adoro meus amigos, são
melhores que uma enorme família turca com lenços esquisitos na cabeça.
Uma coisa é certa: no próximo Ano-Novo vou renovar minhas resoluções, com os
seguintes acréscimos:
Eu Vou
Parar de ser tão neurótica e ter medo das coisas.
Não vou
Mais dormir com, nem tomar conhecimento de, Daniel Cleaver

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